Devota de Cosme e Damião distribui doces há 52 anos no ES

Festas começaram após idosa alcançar a graça de recuperar o filho raptado.
Balas, roupas e brinquedos estão entre os itens que são distribuídos na data.

Renan Chagas Do G1 ES

Dona Judith, de 92 anos, distribui balas há mais de 52 anos, em Vitória (Foto: Judyliana Castro Duarte / VC no G1)

O dia 27 de setembro tem um significado especial para dona de casa Judith Francisco de Oliveira, de 92 anos, moradora do bairro Caratoíra, em Vitória. A data em que se comemora o dia de São Cosme e São Damião ficou marcada na vida da idosa depois que um dos filhos dela foi raptado por um desconhecido, na época com oito anos. Desesperada, Judith recorreu aos santos e fez uma promessa: comemorar a data todos os anos. Como a causa foi atendida, a aposentada mantém o compromisso vivo há mais de cinco décadas.

Parentes da idosa ajudam a distribuir os doces
(Foto: Judyliana Castro Duarte/ VC no G1)

Desde 1962, a porta da casa da idosa fica cheia de crianças e jovens que esperam para receber os doces, uma tradição no Brasil no dia dos santos. Segundo ela, durante os meses que antecedem a data, ela junta parte do dinheiro que recebe da aposentadoria e compra balas. "Eu compro de tudo. Eu junto as moedinhas e no fim do ano eu compro as balas. A fila da minha casa fica cada vez maior", contou. Mas ela não distribui apenas doces. Cachorro-quente, marmitas, brinquedos e roupas também estão entre os brindes para as crianças da comunidade.
Para ela, a data traz uma mistura de alegria e tristeza, por lembrar a situação que deu início a todos esses festejos. Dona Judith contou que no dia em que o filho Judigerssesson Oliveira Duarte foi raptado, ela estava próximo a casa onde morava, em Vitória. Na época, ele tinha oito anos de idade.
"Chegou um camarada e pediu que meu filho ajudasse a colocar umas cargas em um caminhonete. Eu chamei ele e mandei o menino. Só que ele pegou o garoto e jogou dentro da caminhonete, fechou a porta e foi embora. Era o meu único filho homem. O irmão gêmeo dele morreu três minutos depois de nascer", contou.
Ela lembrou que a cena causou um grande desespero. Na hora, Dona Judith se apegou a São Cosme e São Damião e pediu a eles que a ajudassem a recuperar o filho. "Eu peguei e me joguei na frente de um carro que passava no local e falei para ele seguir a caminhonete, que meu filho estava dentro. Nós perseguimos e paramos perto de uma casa, onde consegui meu filho de volta", lembrou. Na confusão, a polícia foi chamada e o suspeito foi preso. "O menino me abraçou. Eu estava em um estado que parecia que eu ia morrer", completou.
Desde então, o dia 27 de setembro passou a ser de festa, sempre compartilhada, uma forma de agradecer pela recuperação do filho. Judgerssesson, que hoje tem 60 anos, contou que também participa da organização, fazendo algumas marmitas para distribuir, seguindo o exemplo da mãe. "Isso ficou marcado, porque foi a partir daí que começamos com essa tradição. Apesar de eu não ser devoto de São Cosme e Damião, eu passei a acreditar mais", contou.

Eu agradeço a São Cosme e Damião e peço que Deus dê cada vez mais poder a eles"

Judith Francisco de Oliveira, aposentada

Ele disse que apesar do sentimento de desespero quando foi levado ainda criança, o momento deixou marcas positivas. "Ela pegou algo ruim e transformou em uma coisa boa, ajudando todo mundo com as coisas que ela consegue angariar", disse.
Após tantos anos, Judith garantiu que as lembranças ficaram na memória do passado, mas que o sentimento de gratidão permanece até hoje. "Eu fico fico feliz que ele está vivo. Eu agradeço a São Cosme e Damião e peço que Deus dê cada vez mais poder a eles, porque o milagre que eles me fizeram eu não vou esquecer nunca".
No próximo domingo, a dona de casa vai até Domingos Martins, na região Serrana do Espírito Santo, onde já morou, para também fazer a distribuição de doces, roupas e brinquedos para crianças carentes.

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Judith e Judigerssesson aproveitam os momentos juntos (Foto: Judyliana Castro Duarte / VC no G1)

Os santos

No dia 27 de setembro é realizada no Brasil a festa em homenagem aos santos gêmeos. Igrejas e templos das religiões afro-brasileiras são enfeitados com bandeirolas e alegres desenhos. Acredita-se que os gêmeos, conhecidos como "amigos das crianças", teriam a capacidade de agilizar qualquer pedido que lhes fosse feito em troca de doces e guloseimas.
Os santos Cosme e Damião são venerados como padroeiros dos médicos, dos farmacêuticos e das faculdades de medicina. O nome Cosme significa "o enfeitado" e Damião, "o popular".
O culto aos gêmeos mártires foi trazido para o Brasil em 1530 e tornaram-se padroeiros de Igarassu, em Pernambuco. No nordeste brasileiro passaram a ser invocados para afastar o contágios de epidemias. Os negros bantos identificaram Cosme e Damião como os orixás Ibejis em um sincretismo religioso.