domingo, 28 de setembro de 2014

Argentinos atrasam R$ 4,4 bi em dívidas com exportadores brasileiros


Importadores atribuem atrasos nos pagamentos a restrições impostas por governo Cristina Kirchner no acesso a dólares.

Marcia Carmo Da BBC Brasil, em Buenos Aires
Importadores argentinos acumulam US$ 2 bilhões (R$ 4,4 bilhões) em pagamentos atrasados a fornecedores brasileiros, segundo informou à BBC Brasil Miguel Ponce, presidente da Câmara de Importadores da República Argentina (Cira).
Ponce atribui os atrasos às restrições no acesso a dólares impostas pelo governo da presidente Cristina Kirchner. Ele negou, contudo, que haja qualquer risco de "calote".
"No total, nossos pagamentos em atraso somam US$ 5 bilhões (R$ 12 bilhões), dos quais 2 bilhões são apenas com exportadores brasileiros", afirma Ponce. "Não se trata de calote, de forma alguma. Sabemos o que devemos, mas não sabemos quando essa situação será regularizada."
A maior parte da dívida envolveria o setor automotivo, que representa cerca de 70% da balança comercial entre os dois países, segundo dados da consultoria econômica DNI, de Buenos Aires.
5 pontos para entender o calote da argentina (VALE ESTE) (Foto: G1)
Mudança de prazo
Ponce explica que até janeiro deste ano os pagamentos pelas importações eram realizados com prazo de aproximadamente 40 dias. Desde então, a pedido do governo, as operações com dólares para a compra de produtos no exterior passaram a ser de até 120 dias.
A ideia do governo, segundo Ponce, era "ganhar tempo" para a entrada de divisas no país por meio de operações de comércio exterior - o que lhe permitira normalizar a situação dos pagamentos.
As reservas do Banco Central argentino somam cerca de US$ 30 bilhões (R$ 73 bilhões). Para efeito de comparação, as reservas brasileiras são da ordem de US$ 380 bilhões (R$ 920 bilhões).
No fim de julho, porém, a Argentina entrou em "default técnico" por uma ordem judicial dos Estados Unidos vinculada ao litígio com fundos especulativos.
O governo rejeita que a situação possa ser classificada como moratória, mas a situação ampliou ainda mais as dúvidas sobre sua capacidade de obter dólares para pagar dívidas com fornecedores estrangeiros - entre eles os brasileiros.
"Assim que foi feito o adiamento para 120 dias, todos os nossos parceiros comerciais concordaram com o novo prazo. Mas depois do 'default de fato', alguns exportadores passaram a pedir prazos menores para receber, de até 30 dias, ou até pagamento adiantado. Isso é desconfiança, sem dúvida", diz o presidente da Cira.
Polêmica
As dificuldades de pagamento enfrentadas pelos importadores ganharam as manchetes da imprensa argentina nesta semana. Os jornais El Cronista e La Nación, de Buenos Aires, chegaram a publicar que os importadores passariam a ser obrigados a obter dólares no câmbio paralelo e não mais no oficial para honrar suas dívidas.
Entenda - crise da dívida da Argentina (Foto: Editoria de Arte/G1)
A polêmica ocorre em meio a mais uma alta do dólar, que bateu novo recorde, sendo cotado a 16 pesos no mercado paralelo – quase o dobro do oficial.
"Temos muita dificuldade para conseguir dólares. Isso é um fato. O presidente do Banco Central (Juan Carlos Fábrega) garantiu que teremos acesso à cotação oficial para pagar o que compramos. Mas não sabemos em que prazo poderemos pagar as importações", diz Ponce.
Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) do Brasil, o governo federal "recebe informações do setor privado brasileiro e mantém contatos com a contraparte argentina para estas dificuldades sejam contornadas".
Também procurado pela BBC Brasil, o Banco Central da Argentina não aceitou comentar sobre o assunto. As dúvidas sobre o pagamento das importações argentinas ganham força em meio a uma forte redução do comércio bilateral, como observam fontes do governo brasileiro.
Em agosto, o comércio bilateral registrou queda de 28% frente ao mesmo mês do ano passado, de acordo com dados da consultoria Abeceb, de Buenos Aires. No acumulado do ano, a retração chega a 22%, o que vem preocupando os dois governos.
"Isso nos preocupa porque a Argentina é o principal mercado para as exportações industriais brasileiras", diz um integrante do governo brasileiro.
"Essa queda ocorre devido ao menor crescimento econômico nos dois países - e, além da questão do pagamento aos nossos exportadores, ainda temos o problema das barreiras argentinas que dificultam o fluxo comercial entre os dois países."
Default
A Argentina entrou em "default de fato" no dia 30 de julho, após o vencimento do prazo de trinta dias para que o governo da presidente Cristina Kirchner chegasse a um acordo com os chamados 'fundos abutres'.
Esses fundos detêm títulos da dívida do país incluídos na moratória de 2001 e se recusaram a aceitar as ofertas de acordo feitas pelo governo em 2005 e em 2010.
A disputa com esses investidores, que representam 1% daquela dívida de 13 anos, foi levada a um tribunal de Nova York. A decisão do tribunal a favor dos fundos abutres voltou a ampliar as incertezas sobre a capacidade da Argentina honrar seus compromissos financeiros.

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