domingo, 30 de março de 2014

Um terço dos alunos adolescentes do Recife estão insatisfeitos com o corpo


Pesquisadora da UFPE entrevistou estudantes de escolas públicas.
32,3% apresentam algum sintoma de transtorno alimentar.

Katherine Coutinho Do G1 PE

Mesmo estando no peso ideal, Tainara Neves se acha 'gordinha' (Foto: Katherine Coutinho/G1)Mesmo estando no peso ideal, Tainara Neves se acha
'gordinha' (Foto: Katherine Coutinho/G1)
Um terço dos adolescentes, com idades entre 10 e 19 anos, das escolas públicas do Recife, está insatisfeito com o próprio corpo e chega a apresentar algum sintoma de transtorno alimentar, como bulimia e anorexia. O dado faz parte de uma pesquisa desenvolvida pela psicóloga Tatiana Bertulino, dentro do programa de Pós-Graduação em Neuropsiquiatria e Ciência do Comportamento da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
A pesquisa aborda a questão da busca por ficar mais magro, incluindo os jovens que já estão dentro do peso ideal, mas não se conformam. “O transtorno alimentar é o transtorno mental que mais mata na psiquiatria. Mata mais que esquizofrenia e depressão, segundo dados da Organização  Mundial de Saúde (OMS)”, destaca a pesquisadora.
Para chegar aos jovens, foram utilizados questionários – por isso se fala em sintomas e não em diagnósticos. “São questionários usados no mundo inteiro para fazer questionamentos em grandes populações”, explica a psicóloga. Dos pesquisados, 32,3% apresentam algum grau de insatisfação corporal. O número cresce entre as adolescentes, na faixa etária de 14 e 15 anos, quando esse índice chega a 60% das entrevistadas.
Estudante do 3º ano, Tainara Neves faz parte do time de adolescentes que, mesmo dentro do peso ideal, se acha ‘gordinha’. “Meus amigos ficam me chamando de gorda, obesa. Mesmo sendo brincadeira, isso fica na cabeça. Sei que não me alimento bem”, conta a estudante, que já pensou em tomar até remédios para emagrecer. “Eu olho para o meu amigo, com 56 quilos, e ele é magrinho, mas quando subo na balança, me acho gordinha”, afirma.
Meus amigos ficam me chamando de gorda, obesa. Mesmo sendo brincadeira, isso fica na cabeça"
Tainara Neves, estudante
É justamente entre as adolescentes que a ocorrência da identificação dos sintomas é maior. Entre as jovens de 14 e 15 anos, 60% apresentaram graus leve, moderado e grave para insatisfação corporal, com algum sintoma de transtorno alimentar. "A bulimia é uma compulsão alimentar. A pessoa come muito e depois faz a purgação, que pode ser através de vômito induzido, do uso de laxantes, de diuréticos, e de exercícios em excesso. A anorexia é um comportamento de restrição alimentar. O paciente começa a comer muito pouco, restringe o grupo de alimentos, às vezes a dois ou três alimentos. E termina numa grande perda de peso em muito pouco tempo. A maioria dos transtornos é do tipo restritivo, de diminuir muito a alimentação", detalha a psicóloga.
O discurso geral aponta para a influência da mídia junto a esse público, mas esse não é o único fator, destaca a pesquisadora. “A culpa não é só da mídia. É um conjunto de fatores, como todo transtorno mental. Tem o fator família, quando os pais acreditam que é saudável. Às vezes a criança fica muito tempo em casa sozinha, se alimentando de forma inadequada. Tem também a genética e tem a ideia geral de 'quem vai ter sucesso? quem é magro'”, aponta.
O imediatismo em busca do corpo perfeito é também um dos fatores que acabam levando a transtornos alimentares, alerta a nutricionista Maria Auxiliadora Albuquerque. "É considerado causa de transtorno alimentar dietas muito restritas, elas podem desencadear os sintomas. Por isso é preciso ter um acompanhamento adequado, nutricional. É uma mistura de bolo em que você põe um padrão inatingível junto ao imediatismo. Ninguém quer fazer uma dieta saudável com exercício", aponta.
Chefe dos endocrinologistas do Hospital das Clínicas da UFPE, Lúcio Vilar lembra que as consequências no organismo dos jovens são as mais diversas. “A bulimia e a anorexia alteram diversas funções endocrinológicas. As mulheres deixam de menstruar, há alterações na tireoide, mexe com tudo”, alerta.
Ane Gabriele e Haany Stela também não estão satisfeitas com o corpo que tem (Foto: Katherine Coutinho/G1)Ane Gabriele e Haany Stela também não estão satisfeitas
com o corpo que têm (Foto: Katherine Coutinho/G1)
Um pouco acima do peso, a estudante Haany Stela admite já ter feito loucuras para perder peso: de passar a pão e água, a comer apenas uma uva a cada três horas. “Eu sei que esse não é o jeito certo, mas a gente fica querendo secar. O meu medo é cair em algum transtorno alimentar”, conta a estudante, que vê nos colegas em volta a mesma insatisfação. “É um exagero maior que o outro, quem é magro, só quer ser mais magro”, explica.
As brincadeiras dos amigos por vezes ajudam, mas também servem como pressão. “Eu digo para ela não comer muito, mas tem gente que passa com biscoito, besteira o tempo todo e isso não é legal”, acredita a estudante Ane Gabriela Antônio, que apesar de tranquila, acha que devia 'engordar um pouquinho'.
Se as cobranças da amiga ajudam Haany, ela já viu a situação piorar com outras pessoas. “Eu tenho uma amiga que ficou anoréxica. O pai ficava chamando ela de gorda e ela era só um pouco acima do peso. Ela começou a esconder comida em todas as refeições, praticamente sumiu. Eu não quero passar por isso”, afirma.
É uma doença de difícil tratamento porque os pacientes não querem se tratar, acham que estão bonitos"
Tatiana Bertulino, psicóloga
O tratamento para os casos de transtorno alimentar exige o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar e não é rápido. “Em Pernambuco não existe uma atenção voltada para essa questão, na saúde pública. E as pessoas não conseguem fazer o tratamento, porque é muito caro. Tem que ter acompanhamento de psicólogo, psiquiatra, clínico, nutricionista, educador físico, equipe de enfermagem, terapeuta ocupacional, endocrinologista. E é uma doença de difícil tratamento porque os pacientes não querem se tratar, acham que estão bonitos. Acham que você quer engordá-lo porque está com inveja”, destaca a psicóloga Tatiana Bertulino.
A presença da família também é essencial para a evolução do quadro, nos mais diversos aspectos. A nutricionista alerta que os pais precisam ficar atentos a como os filhos estão se alimentando, se estão fazendo apenas uma refeição diária, entre outros pontos que podem indicar problemas com alimentação. "A família é fundamental. Na prevenção e no tratamento. Todos os pacientes que eu tive com anorexia e bulimia, quando a família se nega a participar, não leva a sério, nega o problema, a perspectiva é cronificar. São muitos os problemas decorrentes disso", afirma Maria Auxiliadora Albuquerque.
A Secretaria de Saúde de Pernambuco informou que não existe no estado um centro específico para esse tipo de tratamento. "Atualmente, no Brasil, só existem quatro centros públicos de tratamento de transtornos alimentares: dois em São Paulo (USP e UNIFESP), um na UFRJ e um na UFRGS", diz Bertulino.

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