segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Cemitério preserva refúgio particular da fauna e da flora brasileira em AL


Espécies raras de aves e plantas podem ser encontradas no local.
Além de fatores ambientais, natureza ajuda a tranquilizar clientes.

Natália Souza Do G1 AL

Todo dia o coveiro Paulo Sérgio da Silva arrumava os vasos de flores dos túmulos do cemitério e no outro dia, curiosamente, os recipientes estavam revirados. O “ritual” da arrumação seguida pela bagunça se repetiu por dias. Silva e outros coveiros chegaram a discutir teorias sobre o responsável pela desordem: uns achavam que era o vento, outros acreditavam que a bagunça era causada pelas pessoas que iam visitar os túmulos, e os mais supersticiosos culpavam assombrações e espíritos.
Este fato, que aconteceu em um cemitério particular localizado no bairro do Tabuleiro do Martins, na parte alta de Maceió, poderia acabar virando uma história de mistério e suspense, se não tivesse sido esclarecido. Hoje, a história é contada como exemplo de interação e respeito entre o homem e a natureza.
“Depois de ficarmos intrigados, resolvemos filmar para saber o que causava aquela bagunça (assista ao vídeo). Depois de muita espera, flagramos a ação de gaviões-carcarás que reviravam os vasos em busca de alimentos como minhocas e insetos”, conta o coveiro, aliviado por desvendar o mistério.
Além dos gaviões-carcarás, o cemitério recebe outros visitas ilustres de aves de rapina e de outros tipos de animais raros da fauna brasileira. "Vez ou outra conseguimos ver tejus, camaleões, bichos-preguiça, lobos-guará 'passeando' pelo terreno. São bichos que você dificilmente encontra em área urbanizada”, afirma o consultor de jardinagem do cemitério, Alonso Pereira de Farias.
Entre as aves, o anu, o bem-te-vi e o quero-quero estão entre os mais vistos no local. Nas árvores onde os carcarás costumam construir seus ninhos, a gerência do cemitério coloca placas durante a época de reprodução, e às vezes chega até a isolá-las para evitar ataques surpresas dos bichos, que possuem instinto de proteção pelos filhotes.
Aves raras e outros tipos de bichos silvestres são vistos no cemitério.  (Foto: Divulgação/ Parque das Flores)Aves raras e outros tipos de bichos silvestres são vistos no cemitério. (Foto: Divulgação/ Parque das Flores)
De acordo com Farias, a maioria dos animais prefere não chegar muito perto dos humanos e fica mais próximo aos 2,5 hectares de reserva da Mata Atlântica, que corta os fundos do terreno do cemitério. "Estamos sempre incentivando nossos funcionários a respeitar e a preservar as espécies. Também orientamos nossos clientes a não agredir ou alimentar os bichos", destaca.
"Os quero-queros e os anus são nossos parceiros aqui no cemitério. Não fazemos controle de lagartos, pragas e insetos, pois as próprias aves já se encarregam disso quando se alimentam deles", brinca o consultor.
Cemitério possui cerca de 800 unidades de árvore em seu território.  (Foto: Natália Souza/G1)Cemitério possui cerca de 800 unidades de árvore
em seu território. (Foto: Natália Souza/G1)
Diversidade da flora
Com oito hectares de extensão - sendo sete só de área verde, o cemitério faz jus ao nome que lhe foi dado: Parque das Flores. De acordo com o consultor de jardinagem Alonso Farias, há dois anos, durante o último levantamento sobre a flora realizado no cemitério, foram contabilizados 23 tipos diferentes de flores tropicais. “Trabalhamos com flores decorativas, mas, nos jardins, também cultivamos flores tropicais como os Bastões do Imperador”.
Nas cores amarela, roxa e branca, os ipês complementam a beleza natural do lugar. Nove espécies de palmeiras podem ser encontradas nas dependências do cemitério. O destaque é para a Palmeira-azul, originária de Madagascar, país do sudeste da África que possui uma das mais ricas biodiversidades de fauna e flora do mundo.
“A Palmeira-azul é uma das mais bonitas que possuímos aqui. Ela é imponente e é uma das poucas que já vi aqui no Estado. Compramos as sementes de um produtor em Minas Gerais, depois as deixamos em quarentena e plantamos aqui”, conta Farias.
Quaresmeiras, ipês, palmeiras, paus-brasis, nins. São mais de 200 variedades de árvores, entre espécies nativas e raras, que totalizam aproximadamente 800 unidades. “É uma das maiores áreas verdes da parte alta da cidade. São árvores que dão frutos. Toda essa vegetação é aguada por um moderno e automatizado sistema de irrigação, que evita o desperdício de água. Antes, com o sistema convencional, gastávamos 200 mil m³ de água, hoje utilizamos cerca de 70 mil m³. Se todos utilizassem esse sistema, poderíamos evitar um grande desperdício de água no estado”, defende o consultor sobre a preocupação com o meio ambiente.
parque das flores (Foto: Natália Souza/G1)Espaço é rico em plantas e árvores frutíferas (Foto: Natália Souza/G1)
Modelo "parque"
Quem vê a área verde no cemitério em plena área urbanizada no Tabuleiro do Martins, não imagina que nem sempre a região foi assim. "Não existia área verde aqui. Há 40 anos, quando o meu avô teve a ideia de construir o cemitério, ele foi buscar nos Estados Unidos a inspiração de cemitérios no modelo de parque", contou o gerente comercial do cemitério, Bruno Melro Bentes.
"Tirando a mata nativa que corta nosso terreno e que é de nossa responsabilidade também, tudo que vemos aqui hoje foi plantado. Dos oito hectares de terreno, sete são de área verde e optamos por construir os jazigos em apenas 5,6 hectares. Comercialmente não é tão vantajoso, mas sabemos que ecologicamente essa área verde é importante até para o restante do bairro", afirma.
Cemitério possui mais de 23 tipos de flores tropicais. (Foto: Jonathan Lins/G1 AL)Cemitério possui mais de 23 tipos de flores tropicais.
(Foto: Jonathan Lins/G1 AL)
Além da preocupação ambiental e da busca pela melhor estética, os administradores foram buscar na psicologia, mais uma motivação para manter a arborização no local. “Culturalmente, as pessoas tendem a não gostar de cemitérios, mas há estudos que comprovam que, quando a pessoa perde um ente querido e o enterram em um local com aspecto agradável e em contato com a natureza, o processo de perda e aceitação é mais fácil”, destaca Melro.
Segundo Melro e Farias, há uma certa dificuldade em catalogar todas as espécies de plantas e animais no cemitério, mas existe a intenção de iniciar tal projeto. "Servimos como fonte de pesquisas para universitários de cursos agrícolas e de psicologia, estudantes de escolas do município e do interior, programas de estágios e pesquisas para mestrados", afirma Melro ao destacar que, no local associado ao repouso dos mortos, há mais vida do que se possa imaginar.

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