quarta-feira, 31 de julho de 2013

Empresas acusadas de serem pirâmides têm ligações suspeitas com outros esquemas



Mikaella Campos, Rodrigo Lira e Vinícius Valfré |  GAZETA  / RADIO CBN
Uma mistura de fé, prosperidade e mídias sociais tem formado um mercado perigoso no qual figuras-chaves surgem como representantes de negócios anunciados como “fantásticos” e “inovadores”, porém, suspeitos de fraude financeira.


“Piramideiros” na opinião de alguns, e especialistas em marketing multinível (MMN) para outros, esses líderes arrebatam pessoas de todas as classes sociais sedentas pela revolução financeira. Um público-alvo é a comunidade evangélica. Os recrutadores investem em discursos com frases sobre Deus.

E com a inclusão digital dos brasileiros, essas “feras” do MMN conseguem influenciar um número maior de pessoas com a intenção de transformá-las em verdadeiras defensoras do projeto. Nesse modelo de negócios, a remuneração do envolvidos se dá principalmente pelo recrutamento de novos associados. A venda de produtos é tarefa secundária.

Por trás das promessas de ganhos fáceis, os representantes vistos como ídolos ou semideuses do lucro rápido trocam de negócios assim que a ideia entra em declínio. Entre as empresas divulgadas por eles, algumas estão extintas ou bloqueadas pela Justiça. Outras, mesmo sem funcionar, aparecem como ativas na Receita Federal, conforme levantamento de A GAZETA.

Piramideiros

Uma figura famosa e contraditória é Sanderley Rodrigues, o Sann. Mito do setor, ele é considerado um piramideiro experiente por ter sido dono, só em Vitória, de três empresas de MMN. Curiosamente, todas trabalhavam com VoIP e, apesar de terem razões sociais diferentes, eram nomeadas de Phoneclub ou Mix Phoneclub.

Além da empresa em Vitória, em 2006, o acreano Sann era dono da Foneclub, nos Estados Unidos, que foi interditada pela Comissão de Valores Mobiliários americana por desenvolver um esquema Ponzi e provocar prejuízos de mais de R$ 2 milhões na comunidade brasileira de Massachusetts.

Hoje, o Ministério Público do Acre suspeita de que ele seja o mentor da Telexfree, investigada por formação de pirâmide financeira. Sann, no YouTube, apresenta-se como primeiro milionário formado pela empresa e se tornou um dos principais garotos-propaganda da Telexfree.

A companhia é comandada nos EUA pelo estadunidense James Merrill e já foi presidida por Carlos Nataniel Wanzeler, principal sócio da Telexfree no Brasil.

Wanzeler, por sinal, foi até 2011 presidente da Disk a Vontade, uma empresa capixaba que atua com VoIP e MMN. A empresa é questionada na Justiça por associados por possíveis prejuízos.

Além do mesmo dono, as duas companhias chegaram a compartilhar uma sala no Shopping Boulevard, na Reta da Penha. Carlos Roberto Costa, outro sócio da Telexfree, também dirigiu o setor de marketing da Disk a Vontade, comandada, hoje, por Febe Vanzeler e Marilza Wanzeler.

No processo que bloqueia as contas da Telexfree, foi constatado que a companhia transferiu cerca de R$ 50 milhões para a Disk a Vontade, mesmo depois de ter seu patrimônio congelado pela Justiça do Acre.

VoIP e rastreador

Antigo sócio do Sann Rodrigues na Phoneclub em Brasília, Jorge Wender Rodrigues Favato é outra peça importante no quebra-cabeça das empresas investigadas pela força-tarefa dos Ministérios Públicos do Consumidor por crime contra a economia popular.

No momento, Jorge Wender é vice-presidente da Mister Colibri, do Ceará, que responde inquéritos criminal e civil por provocar perdas financeiras a associados. Em Vila Velha, um porteiro perdeu R$ 10 mil ao se filiar à empresa, que prometia ganhos para quem assistisse a vídeos publicitários na internet.

A esposa de Jorge Wender, Maria da Penha Ambrósio, foi também sócia nas três empresas de Sann em Vitória. Depois de conflitos e até processos judiciais entre os dois, ela foi excluída das sociedades e fundou a Evoxclub, do setor de VoIP, rastreamento de veículos, venda de tênis e modem 3G.

A Evoxclub era conduzida por Jorge Wender e Paulo Ricardo Figueiró, outro “guru” do marketing multinível. Ele variou entre líder de rede e presidente de pelo menos oito empresas do setor.

Segundo um processo na Justiça do Trabalho do Espírito Santo, Figueiró é idealizador da Evoxclub, e Jorge Wender o administrador de fato do negócio.

O irmão de Paulo Ricardo, Daniel Figueiró, também era sócio da Evoxclub por meio da empresa Evox Serviços de Manutenção e Instalação de Acessórios para Veículos.

Os dois irmãos, que ostentam na internet lucros milionários e carros luxuosos, são agora executivos de mais uma empresa investigada por pirâmide financeira: a BBom, empresa de MMN e venda de rastreadores e de serviços de monitoramento.

Inviabilizada pela Justiça de Goiás, a BBom tem em sua cúpula dois nomes entre os apontados como “piramideiros”. Ednaldo Bispo, diretor de marketing da firma, foi um líder de destaque na Amway, gigante do mercado de higiene e beleza atrelado ao marketing multinível. A empresa também é acusada por muitos de ser uma pirâmide financeira.

O presidente do grupo BBom, João Francisco de Paulo, está envolvido em várias polêmicas. Já foi acusado de estelionato e de tentar formar um sistema de compensação no segmento de crédito na empresa Unepex Cred Correspondente Bancário, de São Paulo. Essa empresa teve a razão social alterada para Unepexmil Tecnologia em Software, franquia de comércio de rastreadores e de serviços monitoramento de veículos. A companhia é ligada à Embrasystem, dona da BBom.

Força-tarefa do Ministério Público começa a cruzar dados das firmas

Para identificar os piramideiros, a força-tarefa criada pela Associação dos Ministérios Públicos do Consumidor (MPCON) começou a cruzar dados das empresas para descobrir as pessoas que mudam de pirâmide e ludibriam outras pessoas a entrarem no esquema.

Segundo o promotor e presidente da MPCON, Murilo Moraes e Miranda, os alvos são tanto os donos das empresas quanto os líderes locais que conseguiram recrutar, juntos, quase três milhões de pessoas. “Não queremos proteger as pessoas que já estão. Algumas não são vítimas. Nosso objetivo é evitar que mais pessoas entrem nos sistemas”, diz.

O grupo de promotores investiga cerca de 30 empresas acusadas de formar pirâmides e cometer crimes como lavagem de dinheiro e estelionato. “Todas elas são da internet e se espalharam rápido pelo país. Antes, as pirâmides não tinham tanto poder de ação. Com as redes sociais foi mais fácil expandir”.

No Acre e no Espírito Santo, os Ministérios Públicos investigam ainda relações entre empresas e “piramideiros”. Para a promotora do Acre, Alessandra Marques, diante do tamanho de lucro que o sistema proporcionou, os órgãos demoraram a se mobilizar. “Se formos esperar que a pirâmide se esgote pelo ingresso de menos pessoas ou pelos saques de toda a quantia, o Brasil quebrará”.

Outro lado

A Redação Multimídia da Rede Gazeta procurou, várias vezes, todos os personagens citados. Só a Mister Colibri e a BBom falaram com a reportagem. Segundo o advogado da Mister Colibri, Yuri Pontual, o grupo está regularizado, e as investigações sobre a companhia pararam. “A nossa empresa está de acordo com o entendimento do governo sobre multinível”. Porém, ele se comprometeu a colocar a reportagem em contato com o Jorge Wender Rodrigues Favato, o que não ocorreu.

A BBom disse que representantes da empresa são experientes e nega irregularidades. Acrescentou que não tem como falar sobre os associados e suas bagagens no MMN.

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