Paulo Ormindo de Azevedo*
Agente não quer só comida/ a gente não quer só dinheiro/ a gente quer dinheiro/ e felicidade/ a gente quer inteiro/ e não pela metade... (Os Titãs). Este é o recado dos jovens de todo o País, nesta semana de protestos, como não se via desde a queda de Collor. É sintomático que seu estopim tenha sido a mobilidade, um direito fundamental. Mas o que está subjacente é a falta de participação, a violência, os maus serviços, "a corrupção e o uso indevido do dinheiro publico", nas palavras de Dilma. E os alvos são claros: os palácios governamentais e as arenas da nebulosa Fifa. Um recado para todo o mundo. As arenas já não bastam, mesmo quando abunda o pão azedo do consumo.
Esta semana foi muito dura em Salvador. Além dos protestos, as chuvas voltaram a castigar, causando mortes e infartando a cidade. Abandonada ao "deixa como está para ver como é que fica", há pelo menos meio século, a cidade carece de tudo: sistema de drenagem, contenção de encostas, pistas refratárias às chuvas e sistema de transporte eficiente. Já disse nesta coluna que o metrô não é tudo e ele ainda vai demorar alguns anos.
A melhoria da mobilidade na nossa cidade depende de três fatores: infraestrutura adequada, gestão urbana compartilhada e uma nova cultura de mobilidade. Para arrancar esse "trem" da inércia são necessários dinheiro, coragem e algum tempo. Dinheiro para investir em sistemas de drenagem e galerias de redes de serviços evitando as valas abertas nas ruas. Para pôr em funcionamento metrôs, VLTs e ônibus em calhas e para dotar as vias de sub-base de concreto, acabando com as meias-solas sazonais. Se o Estado quer participar, seria melhor investir nesses itens, em vez de em viadutos, que só servem a engordar as empreiteiras e espalhar os engarrafamentos.
Coragem para enfrentar os cartéis, para compatibilizar o uso do solo com a capacidade das vias, para exigir o recolhimento de lixo desde as periferias, para a criação de um sistema integrado de transporte, incluindo metrô, ferryboats, ônibus, táxis, ciclovias, ascensores, passarelas e calçadas. Neste sentido, o acordo entre Estado e prefeitura para compartilhar metrô e ônibus é positivo. Tempo não só para realizar as obras, como para mudar os valores e comportamentos da nossa classe média, inclusive emergente, com relação ao carro. Mas dez medidas simples podem começar a mover este "trem", muito antes de seus trilhos chegarem a Cajazeiras e a Lauro de Freitas. São medidas de caráter administrativo, que não custam dinheiro, senão coragem.
A primeira delas é criar faixas monitoradas para ônibus, táxis e motos. A segunda é regulamentar o transporte de cargas, segurando os caminhões pesados em Porto Seco-Pirajá e fixando horários para a entrega de cargas em furgões. Terceiro, qualificando a frota de ônibus com veículos de piso baixo e ar-condicionado. Quarto, acabando com os itinerários labirínticos de ônibus e estabelecendo o bilhete integrado, valido por uma hora.
Quinto, criando ciclovias nas avenidas de vale e bicicletários nos terminais de transporte para os 30% da população que hoje se desloca a pé por não ter como pagar passagens. Sexto, recriando os estacionamentos periféricos servidos por vans circulares. Sétimo, botando os táxis para rodar, como nas cidades desenvolvidas, ao invés de ficarem esperando os passageiros nos pontos. Oitavo, proibindo as filas de carros nas entradas de clínicas, shoppings, universidades e escolas. Nono, criando algumas áreas de circulação restrita de veículos. Décimo, limitando e taxando as vagas de carros nos novos condomínios.
E o metrô? Sem discussão ele vai ser um trenzinho suburbano barulhento, correndo entre muros e cercas com a adaptação fajuta de um projeto carimbado de BRT (Bus Rapit Transit) em metrô. Se fosse um subway em trincheira, como em Brasília, não seriam necessários viadutos e não se destruiria o verde e a paisagem. O povo não quer mais viadutos e pontes. Há multidões de titãs nas ruas clamando: a gente não quer só comida/ a gente quer a vida/ como a vida quer.
Agente não quer só comida/ a gente não quer só dinheiro/ a gente quer dinheiro/ e felicidade/ a gente quer inteiro/ e não pela metade... (Os Titãs). Este é o recado dos jovens de todo o País, nesta semana de protestos, como não se via desde a queda de Collor. É sintomático que seu estopim tenha sido a mobilidade, um direito fundamental. Mas o que está subjacente é a falta de participação, a violência, os maus serviços, "a corrupção e o uso indevido do dinheiro publico", nas palavras de Dilma. E os alvos são claros: os palácios governamentais e as arenas da nebulosa Fifa. Um recado para todo o mundo. As arenas já não bastam, mesmo quando abunda o pão azedo do consumo.
Esta semana foi muito dura em Salvador. Além dos protestos, as chuvas voltaram a castigar, causando mortes e infartando a cidade. Abandonada ao "deixa como está para ver como é que fica", há pelo menos meio século, a cidade carece de tudo: sistema de drenagem, contenção de encostas, pistas refratárias às chuvas e sistema de transporte eficiente. Já disse nesta coluna que o metrô não é tudo e ele ainda vai demorar alguns anos.
A melhoria da mobilidade na nossa cidade depende de três fatores: infraestrutura adequada, gestão urbana compartilhada e uma nova cultura de mobilidade. Para arrancar esse "trem" da inércia são necessários dinheiro, coragem e algum tempo. Dinheiro para investir em sistemas de drenagem e galerias de redes de serviços evitando as valas abertas nas ruas. Para pôr em funcionamento metrôs, VLTs e ônibus em calhas e para dotar as vias de sub-base de concreto, acabando com as meias-solas sazonais. Se o Estado quer participar, seria melhor investir nesses itens, em vez de em viadutos, que só servem a engordar as empreiteiras e espalhar os engarrafamentos.
Coragem para enfrentar os cartéis, para compatibilizar o uso do solo com a capacidade das vias, para exigir o recolhimento de lixo desde as periferias, para a criação de um sistema integrado de transporte, incluindo metrô, ferryboats, ônibus, táxis, ciclovias, ascensores, passarelas e calçadas. Neste sentido, o acordo entre Estado e prefeitura para compartilhar metrô e ônibus é positivo. Tempo não só para realizar as obras, como para mudar os valores e comportamentos da nossa classe média, inclusive emergente, com relação ao carro. Mas dez medidas simples podem começar a mover este "trem", muito antes de seus trilhos chegarem a Cajazeiras e a Lauro de Freitas. São medidas de caráter administrativo, que não custam dinheiro, senão coragem.
A primeira delas é criar faixas monitoradas para ônibus, táxis e motos. A segunda é regulamentar o transporte de cargas, segurando os caminhões pesados em Porto Seco-Pirajá e fixando horários para a entrega de cargas em furgões. Terceiro, qualificando a frota de ônibus com veículos de piso baixo e ar-condicionado. Quarto, acabando com os itinerários labirínticos de ônibus e estabelecendo o bilhete integrado, valido por uma hora.
Quinto, criando ciclovias nas avenidas de vale e bicicletários nos terminais de transporte para os 30% da população que hoje se desloca a pé por não ter como pagar passagens. Sexto, recriando os estacionamentos periféricos servidos por vans circulares. Sétimo, botando os táxis para rodar, como nas cidades desenvolvidas, ao invés de ficarem esperando os passageiros nos pontos. Oitavo, proibindo as filas de carros nas entradas de clínicas, shoppings, universidades e escolas. Nono, criando algumas áreas de circulação restrita de veículos. Décimo, limitando e taxando as vagas de carros nos novos condomínios.
E o metrô? Sem discussão ele vai ser um trenzinho suburbano barulhento, correndo entre muros e cercas com a adaptação fajuta de um projeto carimbado de BRT (Bus Rapit Transit) em metrô. Se fosse um subway em trincheira, como em Brasília, não seriam necessários viadutos e não se destruiria o verde e a paisagem. O povo não quer mais viadutos e pontes. Há multidões de titãs nas ruas clamando: a gente não quer só comida/ a gente quer a vida/ como a vida quer.
* Arquiteto e professor da Ufba
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