O que Bolsonaro diz nada vale no minuto seguinte, escreve José Nêumanne no Estadão:
Palavra de rei não volta atrás. Esse brocardo do velho regime
monárquico sobrevive na boca do povo na República, mas nunca foi exigido
dos ocupantes dos cargos mais altos do governo o compromisso inamovível
da estabilidade que antes era um dever real.
No caso do Brasil contemporâneo, a instabilidade resulta da completa
desmoralização do conceito de divisão dos Poderes cunhado pelo barão de
Montesquieu ainda na vigência do Velho Regime, que antecedeu a Revolução
Francesa, no século 18. O Legislativo se fortalece na situação de poder
real sem a devida autorização constitucional para substituir o
Executivo e este se dá ao desplante de violar a Constituição. O
Judiciário exime os seus próprios mandatários do mais alto escalão de
prestarem conta de seus deveres, jogando no lixo o mais pétreo de todos
os conceitos da democracia: o da igualdade de todos os cidadãos perante o
talante da lei.
No impeachment de Dilma Rousseff, um acordo entre os então
presidentes do Senado, Renan Calheiros, e do Supremo Tribunal Federal
(STF), Ricardo Lewandowski, mandou às favas o princípio constitucional
da obrigação do chefe de Estado deposto de passar oito anos sem cargo
público. Em nome do direito sagrado da petista a ser “merendeira da
escola”, a ex-“presidenta” foi dispensada da obrigação constitucional,
candidatou-se ao Senado por Minas e foi punida pelo eleitor com o último
lugar na contagem dos votos.
O atual presidente do STF, Dias Toffoli, extrapolou muito suas
funções ao decretar punição rigorosa da lei a qualquer cidadão que
criticar publicamente os membros de sua grei. Do alto de sua delirante
onipotência, ele indicou o colega Alexandre de Moraes para relatar o
inquérito punitivo, sem sorteio nem consulta aos pares do plenário. No
Brasil de hoje, decreto de presidente do STF não se discute, cumpre-se,
como diziam os políticos de antanho em relação aos juízes em geral. O
relator censurou a revista Crusoé por ter publicado notícia oficial
considerada ofensiva à honra de el-rey.
O mundo desabou sobre Moraes e a censura caiu. Mas a decisão abusiva,
monocrática e totalitária, com data de extinção prevista durante o
infame “recesso branco” dos supremos magistrados, foi prorrogada até
novembro. Em 1.º de agosto, agora mês de nosso maior desgosto, o
inquérito 4.781 do STF ganhou novas e mais graves consequências.
Decretou a condenação de qualquer cidadão que ouse insultar os supremos
no velho e sagrado sigilo telefônico. E mais: suspenderá do cargo e do
serviço público o servidor de Banco Central, Coaf e Receita Federal que
fiscalizar movimentações financeiras da cúpula dos três Poderes. Nem do
registro dos abusos de Nero consta ignomínia de tal jaez.
No Brasil, assim como a plebe assistiu ao golpe militar que gerou a
República insana, só resta penar “bestializada” (apud José Murilo de
Carvalho) sob arroubos tirânicos do advogado reprovado duas vezes em
concursos para juiz de primeira instância. No Congresso, paralisado por
seus próprios “malfeitos” (apud Dilma Rousseff), ninguém se arrisca a
perturbar os deuses imperfeitos do raso Olimpo. Na Câmara, Rodrigo Maia,
o Botafogo do propinoduto da Odebrecht, tem a autoridade moral de uma
lesma para evitar esta assustadora, mas não surpreendente, tomada de
poder pelos togados. No Senado, outra eminência do baixo clero, Davi
Alcolumbre, não é besta de chamar a atenção para um Poder que acaba de
perdoá-lo por eventuais traquinagens contábeis em eleição, depois do
perdão majestático da rainha Rosa Weber.
Um bando de néscios da extrema direita, que se acham no poder porque
têm acesso ao regente Carlos, por copiarem suas diatribes no Twitter,
ainda acredita na iniciativa do chanceler Eduardo de fechar o STF com um
jipe, um cabo e dois soldados. E na inocência do mano Flávio, coveiro
da CPI da Lava Toga no Senado. É de matar de rir. Ou de chorar.
Nesta entrada de oitavo mês de governo, o pai deles, Jair, já abusou
da própria incapacidade de usar palavras no sentido certo. Não se sabe
se é por ignorância ou se é por esperteza. Com o aval de Donald Trump,
insiste na ideia de nomear o caçula Eduardo, embaixador em Washington.
Não é nepotismo, pontificou. E Trump, em pessoa, ecoou. Rasguem os
dicionários, queimem-nos em praça pública, a palavra que denuncia a
prática incompatível na República (beneficiar parente com dinheiro
público) virou hipocrisia. Assim como qualquer pessoa que considere
alguém do STF passível de fiscalização tributária, o cristão que
discordar do capitão e seus filhotes foi, é e será sempre hipócrita.
Será insultado de hipócrita, por exemplo, quem não acha certo o clã ter
nomeado 102 garrotes mamões das tetas da loba que nutriu Rômulo e Remo,
fundadores de Roma. Trata-se de um recorde de não se orgulhar. Mas se o
fato destoa, pior para ele. A “nova política” mata a “velha” de
vergonha.
Jair assombrou a Nação dizendo que sente falta de um ministro
“terrivelmente evangélico” no STF. Seu advogado-geral, André Mendonça, é
o nome que cabe nesse susto. Pastor evangélico e fâmulo de Toffoli. Que
importa que tenha dito que a vaga do decano Celso de Mello, a ser
aberta em 11 meses, seria de Sergio Moro? Inspira-se em Michel Temer.
Verba volant, este escreveu. As de Jair comem alpiste na gaiola.
Ele disse a senadores que queriam manter o Coaf na Justiça que na
Economia as diretrizes de Moro seriam mantidas por Paulo Guedes. Mas
agora pressiona o ministro da Economia para defenestrar Roberto Leone,
presidente do Coaf escolhido pelo ex-juiz. O motivo da demissão seria
sua crítica à decisão de Toffoli que, ao proibir o compartilhamento de
dados da inteligência financeira, da Receita Federal e do Banco Central,
com o Ministério Público e a Polícia Federal, beneficiou o primogênito
Flávio.
Como dizia meu avô, a palavra do presidente não vale um tostão furado de fumo podre.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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