Por Erivaldo Costa Vieira
Levantamento do Centro de Estudos em Economia do Crime da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP)
aponta para a diminuição de 15,9% nas ocorrências de furtos e roubos de
aparelhos celulares no Estado de São Paulo em 2024. Mas jamais
saberemos o número real de roubos e furtos de celulares no estado de São
Paulo.
Pesquisas recentes do IBGE
mostram que essa modalidade de crime sofre com enorme subnotificação,
muitas vezes porque as vítimas não registram as ocorrências. Essa
subnotificação pode ser ainda maior em razão da descrença no sistema de
justiça, o que leva muitos a não verem utilidade em formalizar uma
queixa. Apesar dessas limitações, os números que analisamos apontam
tendências importantes, que podem até indicar uma subnotificação
crescente, possivelmente devido ao aumento da sensação de impunidade ou à
percepção de que o registro não trará resultados práticos. Ainda assim,
é possível identificar padrões e avaliar a evolução da criminalidade
com base nos registros disponíveis.
Apesar
dos dados apontarem uma redução consistente nos crimes de roubo e furto
de celulares no estado de São Paulo, a percepção pública muitas vezes
não reflete essa realidade. Essa disparidade entre os números e a
sensação de segurança pode ser atribuída a fatores psicológicos,
narrativos e midiáticos que moldam como as pessoas processam informações
sobre o mundo ao seu redor. Aqui, é importante destacar a influência do
conceito de "Economia Narrativa", popularizado pelo economista e Prêmio
Nobel Robert Shiller em seu livro homônimo. Shiller argumenta que as
narrativas que circulam na sociedade podem se tornar forças econômicas
poderosas, influenciando comportamentos, decisões e, consequentemente, a
própria realidade econômica. No contexto da segurança pública,
narrativas sobre crimes, especialmente as mais dramáticas e
emocionalmente carregadas, podem se espalhar rapidamente e moldar a
percepção de risco, mesmo que não correspondam à realidade estatística.
O
viés de negatividade é um dos principais responsáveis por essa
desconexão. O cérebro humano tende a focar mais em notícias negativas e
ameaças, amplificando a percepção de insegurança. Assim, mesmo em
cenários onde os crimes estão diminuindo, casos isolados e impactantes
de violência ganham mais atenção e acabam se tornando representativos de
uma situação maior. Essa amplificação é reforçada pela heurística da
disponibilidade, na qual as pessoas avaliam a frequência de eventos com
base em sua facilidade de lembrança. Histórias chocantes ou amplamente
divulgadas sobre crimes permanecem vívidas na memória, distorcendo a
noção de risco real.
Além disso,
as narrativas emocionais têm um papel determinante, como bem explorado
por Shiller em "Economia Narrativa". Histórias sobre crimes violentos ou
casos extremos tendem a se espalhar rapidamente, criando um sentimento
generalizado de insegurança, mesmo que os dados indiquem o contrário.
Neste ponto, é crucial reconhecer o papel tanto da mídia tradicional
quanto das redes sociais. Enquanto a televisão, o rádio e os jornais
impressos ainda possuem grande alcance e influência, a sua seleção de
pautas e a forma como noticiam crimes contribuem significativamente para
a construção da percepção de segurança. A ênfase em casos violentos e a
repetição de notícias sobre crimes, mesmo que sem atualizações
relevantes, reforçam a ideia de um ambiente mais perigoso do que a
realidade. Já as redes sociais, por sua vez, exacerbam a propagação
dessas narrativas por meio de bolhas de informações e influenciadores
digitais, que amplificam conteúdos negativos, reforçando a sensação de
perigo. Essas narrativas, uma vez estabelecidas, podem se tornar
autossustentáveis, influenciando a maneira como as pessoas interpretam
novas informações e reforçando a percepção inicial, um fenômeno central
na teoria da Economia Narrativa de Shiller.
Outro
ponto crucial é a diferença entre os dados do crime e a sensação de
segurança. Os números refletem ocorrências registradas, mas a sensação
de segurança é influenciada por fatores subjetivos, como a iluminação de
uma rua, a presença de policiamento ou os relatos de amigos e
familiares. Por exemplo, um bairro pode registrar uma queda
significativa nas ocorrências, mas se um morador ainda evita sair à
noite por medo, sua percepção de insegurança não será alterada pelos
dados.
É fundamental que as
políticas públicas sejam guiadas por fatos reais, e não por percepções
subjetivas. Contudo, as políticas públicas também não podem ignorar o
papel crucial da sensação de segurança. Devemos, inclusive, considerar
iniciativas para medir essa percepção no estado de São Paulo, como a
criação de um "Índice do Medo" paulista, que avalie o impacto subjetivo
da insegurança na vida das pessoas.
No
estado de São Paulo, podemos iniciar a construção de indicadores
semelhantes a partir da infraestrutura já estabelecida dos Conselhos
Comunitários de Segurança (CONSEGs). Esses conselhos, presentes em
diversas comunidades, já realizam reuniões periódicas e mantêm canais de
comunicação com a população local. Poderíamos, inicialmente, incorporar
questionários padronizados sobre a percepção de segurança nessas
reuniões, coletando dados qualitativos e quantitativos sobre o medo de
ser vítima de crimes, a confiança nas instituições de segurança e a
avaliação da qualidade do policiamento na região.
A
partir dos CONSEGs, poderíamos desenvolver uma metodologia para a
coleta e análise desses dados, permitindo que, gradualmente, o indicador
fosse ampliado para uma população mais ampla e significativa do estado
de São Paulo, tornando-se uma ferramenta estadual para a aferição da
percepção de segurança. Incorporar essa métrica ao planejamento
estratégico pode ajudar a alinhar as ações de segurança com as
expectativas e necessidades da população, criando uma abordagem mais
abrangente e eficaz.
Guiar as
políticas públicas, não apenas as de segurança pública, por dados reais é
essencial para evitar desperdícios de recursos e aprimorar estratégias
que já estão funcionando, mesmo que os avanços sejam graduais. Pense na
analogia com a prática de exercícios físicos: nas primeiras semanas de
academia, pode parecer que nada está acontecendo, mas internamente, o
corpo está passando por transformações consistentes e graduais. Se
dependêssemos apenas de resultados visíveis no curto prazo,
desistiríamos antes de alcançar os benefícios significativos.
Da
mesma forma, uma análise isenta e contínua dos dados nos permite
identificar erros e acertos, ajustando políticas para melhorar
continuamente. Além disso, compreender e medir a sensação de segurança
pode guiar ações que, além de reduzir os índices de criminalidade,
aumentem a confiança da população no ambiente em que vive. Quando
negligenciamos essas análises, deixamos de aprender com o que deu certo e
perdemos a chance de corrigir falhas, comprometendo o progresso a longo
prazo. Uma economia baseada em fatos, aliada ao entendimento das
percepções sociais e das narrativas que as moldam, como proposto por
Shiller, é essencial para construir políticas eficazes e alcançar
mudanças estruturais duradouras, promovendo segurança e qualidade de
vida para todos no estado de São Paulo.
A
disparidade entre os números e a percepção de segurança no estado de
São Paulo é um fenômeno complexo, influenciado por fatores psicológicos,
narrativos e midiáticos, conforme a lente da Economia Narrativa de
Robert Shiller nos ajuda a compreender. Para combatê-la, é necessário
não apenas investir em políticas públicas eficazes na redução da
criminalidade, mas também em estratégias de comunicação que transmitam
informações precisas e transparentes à população, além de desenvolver
ferramentas para medir e monitorar a sensação de segurança. Ao
combinarmos a análise rigorosa de dados com a compreensão das percepções
subjetivas, poderemos construir um estado de São Paulo mais seguro e
justo para todos.
O autor:
Erivaldo Vieira é mestre em Teoria Econômica pela Universidade Estadual
de Campinas. É docente da FECAP há 24 anos, onde atua como professor de
Economia. É pesquisador de indicadores da Economia do Crime,
Microeconomia Aplicada e Economia da Informação, além de coordenar o
Centro de Estudos em Economia do Crime.
Sobre a FECAP
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A Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP) é referência nacional em Educação na área de negócios desde 1902. A Instituição proporciona formação de alta qualidade no Ensino Médio (técnico, pleno e bilíngue), Graduação, Pós-graduação, MBA, Mestrado, Extensão e cursos corporativos e livres. Diversos indicadores de desempenho comprovam a qualidade do ensino da FECAP: nota 5 (máxima) no ENADE (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes) e no Guia da Faculdade Estadão Quero Educação 2021, e o reconhecimento como melhor centro universitário do Estado de São Paulo segundo o Índice Geral de Cursos (IGC), do Ministério da Educação. Em âmbito nacional, considerando todos os tipos de Instituição de Ensino Superior do País, a FECAP está entre as 5,7% IES cadastradas no MEC com nota máxima.
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