terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Entre números e medo: por que não percebemos a redução da criminalidade em São Paulo?

 


Por Erivaldo Costa Vieira
 

Levantamento do Centro de Estudos em Economia do Crime da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP) aponta para a diminuição de 15,9% nas ocorrências de furtos e roubos de aparelhos celulares no Estado de São Paulo em 2024. Mas jamais saberemos o número real de roubos e furtos de celulares no estado de São Paulo.
 

Pesquisas recentes do IBGE mostram que essa modalidade de crime sofre com enorme subnotificação, muitas vezes porque as vítimas não registram as ocorrências. Essa subnotificação pode ser ainda maior em razão da descrença no sistema de justiça, o que leva muitos a não verem utilidade em formalizar uma queixa. Apesar dessas limitações, os números que analisamos apontam tendências importantes, que podem até indicar uma subnotificação crescente, possivelmente devido ao aumento da sensação de impunidade ou à percepção de que o registro não trará resultados práticos. Ainda assim, é possível identificar padrões e avaliar a evolução da criminalidade com base nos registros disponíveis.
 

Apesar dos dados apontarem uma redução consistente nos crimes de roubo e furto de celulares no estado de São Paulo, a percepção pública muitas vezes não reflete essa realidade. Essa disparidade entre os números e a sensação de segurança pode ser atribuída a fatores psicológicos, narrativos e midiáticos que moldam como as pessoas processam informações sobre o mundo ao seu redor. Aqui, é importante destacar a influência do conceito de "Economia Narrativa", popularizado pelo economista e Prêmio Nobel Robert Shiller em seu livro homônimo. Shiller argumenta que as narrativas que circulam na sociedade podem se tornar forças econômicas poderosas, influenciando comportamentos, decisões e, consequentemente, a própria realidade econômica. No contexto da segurança pública, narrativas sobre crimes, especialmente as mais dramáticas e emocionalmente carregadas, podem se espalhar rapidamente e moldar a percepção de risco, mesmo que não correspondam à realidade estatística.
 

O viés de negatividade é um dos principais responsáveis por essa desconexão. O cérebro humano tende a focar mais em notícias negativas e ameaças, amplificando a percepção de insegurança. Assim, mesmo em cenários onde os crimes estão diminuindo, casos isolados e impactantes de violência ganham mais atenção e acabam se tornando representativos de uma situação maior. Essa amplificação é reforçada pela heurística da disponibilidade, na qual as pessoas avaliam a frequência de eventos com base em sua facilidade de lembrança. Histórias chocantes ou amplamente divulgadas sobre crimes permanecem vívidas na memória, distorcendo a noção de risco real.
 

Além disso, as narrativas emocionais têm um papel determinante, como bem explorado por Shiller em "Economia Narrativa". Histórias sobre crimes violentos ou casos extremos tendem a se espalhar rapidamente, criando um sentimento generalizado de insegurança, mesmo que os dados indiquem o contrário. Neste ponto, é crucial reconhecer o papel tanto da mídia tradicional quanto das redes sociais. Enquanto a televisão, o rádio e os jornais impressos ainda possuem grande alcance e influência, a sua seleção de pautas e a forma como noticiam crimes contribuem significativamente para a construção da percepção de segurança. A ênfase em casos violentos e a repetição de notícias sobre crimes, mesmo que sem atualizações relevantes, reforçam a ideia de um ambiente mais perigoso do que a realidade. Já as redes sociais, por sua vez, exacerbam a propagação dessas narrativas por meio de bolhas de informações e influenciadores digitais, que amplificam conteúdos negativos, reforçando a sensação de perigo. Essas narrativas, uma vez estabelecidas, podem se tornar autossustentáveis, influenciando a maneira como as pessoas interpretam novas informações e reforçando a percepção inicial, um fenômeno central na teoria da Economia Narrativa de Shiller.
 

Outro ponto crucial é a diferença entre os dados do crime e a sensação de segurança. Os números refletem ocorrências registradas, mas a sensação de segurança é influenciada por fatores subjetivos, como a iluminação de uma rua, a presença de policiamento ou os relatos de amigos e familiares. Por exemplo, um bairro pode registrar uma queda significativa nas ocorrências, mas se um morador ainda evita sair à noite por medo, sua percepção de insegurança não será alterada pelos dados.
 

É fundamental que as políticas públicas sejam guiadas por fatos reais, e não por percepções subjetivas. Contudo, as políticas públicas também não podem ignorar o papel crucial da sensação de segurança. Devemos, inclusive, considerar iniciativas para medir essa percepção no estado de São Paulo, como a criação de um "Índice do Medo" paulista, que avalie o impacto subjetivo da insegurança na vida das pessoas.
 

No estado de São Paulo, podemos iniciar a construção de indicadores semelhantes a partir da infraestrutura já estabelecida dos Conselhos Comunitários de Segurança (CONSEGs). Esses conselhos, presentes em diversas comunidades, já realizam reuniões periódicas e mantêm canais de comunicação com a população local. Poderíamos, inicialmente, incorporar questionários padronizados sobre a percepção de segurança nessas reuniões, coletando dados qualitativos e quantitativos sobre o medo de ser vítima de crimes, a confiança nas instituições de segurança e a avaliação da qualidade do policiamento na região.
 

A partir dos CONSEGs, poderíamos desenvolver uma metodologia para a coleta e análise desses dados, permitindo que, gradualmente, o indicador fosse ampliado para uma população mais ampla e significativa do estado de São Paulo, tornando-se uma ferramenta estadual para a aferição da percepção de segurança. Incorporar essa métrica ao planejamento estratégico pode ajudar a alinhar as ações de segurança com as expectativas e necessidades da população, criando uma abordagem mais abrangente e eficaz.
 

Guiar as políticas públicas, não apenas as de segurança pública, por dados reais é essencial para evitar desperdícios de recursos e aprimorar estratégias que já estão funcionando, mesmo que os avanços sejam graduais. Pense na analogia com a prática de exercícios físicos: nas primeiras semanas de academia, pode parecer que nada está acontecendo, mas internamente, o corpo está passando por transformações consistentes e graduais. Se dependêssemos apenas de resultados visíveis no curto prazo, desistiríamos antes de alcançar os benefícios significativos.
 

Da mesma forma, uma análise isenta e contínua dos dados nos permite identificar erros e acertos, ajustando políticas para melhorar continuamente. Além disso, compreender e medir a sensação de segurança pode guiar ações que, além de reduzir os índices de criminalidade, aumentem a confiança da população no ambiente em que vive. Quando negligenciamos essas análises, deixamos de aprender com o que deu certo e perdemos a chance de corrigir falhas, comprometendo o progresso a longo prazo. Uma economia baseada em fatos, aliada ao entendimento das percepções sociais e das narrativas que as moldam, como proposto por Shiller, é essencial para construir políticas eficazes e alcançar mudanças estruturais duradouras, promovendo segurança e qualidade de vida para todos no estado de São Paulo.
 

A disparidade entre os números e a percepção de segurança no estado de São Paulo é um fenômeno complexo, influenciado por fatores psicológicos, narrativos e midiáticos, conforme a lente da Economia Narrativa de Robert Shiller nos ajuda a compreender. Para combatê-la, é necessário não apenas investir em políticas públicas eficazes na redução da criminalidade, mas também em estratégias de comunicação que transmitam informações precisas e transparentes à população, além de desenvolver ferramentas para medir e monitorar a sensação de segurança. Ao combinarmos a análise rigorosa de dados com a compreensão das percepções subjetivas, poderemos construir um estado de São Paulo mais seguro e justo para todos.
 

O autor: Erivaldo Vieira é mestre em Teoria Econômica pela Universidade Estadual de Campinas. É docente da FECAP há 24 anos, onde atua como professor de Economia. É pesquisador de indicadores da Economia do Crime, Microeconomia Aplicada e Economia da Informação, além de coordenar o Centro de Estudos em Economia do Crime.
 



Sobre a FECAP 

FECAP, localizada na Liberdade, região central da capital paulista. Foto: Divulgação.

A Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP) é referência nacional em Educação na área de negócios desde 1902. A Instituição proporciona formação de alta qualidade no Ensino Médio (técnico, pleno e bilíngue), Graduação, Pós-graduação, MBA, Mestrado, Extensão e cursos corporativos e livres. Diversos indicadores de desempenho comprovam a qualidade do ensino da FECAP: nota 5 (máxima) no ENADE (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes) e no Guia da Faculdade Estadão Quero Educação 2021, e o reconhecimento como melhor centro universitário do Estado de São Paulo segundo o Índice Geral de Cursos (IGC), do Ministério da Educação. Em âmbito nacional, considerando todos os tipos de Instituição de Ensino Superior do País, a FECAP está entre as 5,7% IES cadastradas no MEC com nota máxima.


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