Samuel Hanan*
O
Brasil é um país de enormes contradições. A mais chocante delas, com
certeza, está em sua enorme riqueza e a precária situação econômica de
significativa parcela de sua população.
No
país que se orgulha de ser a 8ª maior economia do planeta, a
concentração de renda mantém há décadas uma legião com milhões de
brasileiros pobres ou miseráveis.
Tomemos
por base os números oficiais de 2023. No ano passado, os 5% que compõem
a faixa mais pobre da população sobreviviam com apenas R$ 126,00/mês, o
correspondente a apenas 9,5% do salário-mínimo, de R$ 1.320,00 (2023).
Outros 10% dos brasileiros sobreviviam com renda mensal inferior a R$
300,00/mês, o correspondente a R$ 22,7% do salário-mínimo da época.
Expandindo o estrato social, o cenário não é diferente: os 40% mais
pobres da população viviam com cerca de R$ 815,00/mês (US$ 150/mês ou
US$ 5/dia).
É
gritante o abismo entre os 40% dos brasileiros mais pobres e os 5% mais
ricos, que possuem renda superior a R$ 10 mil/mês, quase 12,5 vezes
mais. A comparação também é impactante em relação aos 10% mais ricos,
com sua renda média de R$ 7.600,00/mês, ou 9,2 vezes maior.
No
Brasil de hoje, 70% da população possuem renda mensal inferior a R$
2.824,00 (ou US$ 514/mês), menos de dois salários mínimos/mês. São 148,4
milhões de pessoas. Metade de todos os brasileiros vive com R$ 1.531,00
por mês, valor um pouco maior que um salário-mínimo. E 90% dos
brasileiros têm renda inferior a R$ 3.500,00/mês (ou US$ 514/mês).
Apenas 3,9% da população tem renda média de R$ 28.240,00 (ou US$
61.600/ano).
O país tem 413.000 milionários (0,20% da população) e 64 brasileiros (0,00003% da população) entre os bilionários do mundo.
O
problema da brutal concentração de renda é antigo. Perdura há décadas e
a cada ano a situação fica mais crítica, mais perversa e mais injusta.
Tudo porque, nos últimos 30 anos, nenhum governo definiu e executou como
prioridade a melhoria do processo distributivo de renda. Com isso,
milhões de brasileiros sofrem com a omissão ou descaso dos governantes, o
que torna inadiável a implementação de políticas públicas para reverter
esse quadro, sem o que será impossível combater as desigualdades
sociais.
A
pobreza já atinge mais de um terço da população. Somente no nordeste
temos 32,8 milhões de pessoas vivendo na pobreza (57,4% do total da
população regional). Os números são alarmantes, mas parecem não
sensibilizar os governos que ignoram também o aumento da violência
urbana e da criminalidade, o crescente nível de mortalidade infantil, e o
avanço da favelização, inclusive das capitais dos estados mais ricos e
desenvolvidos. O país já soma 16,4 milhões de brasileiros (7,7% da
população) vivendo em favelas, a imensa maioria delas desprovida de
condições mínimas de higiene e sanitárias.
O
problema é mais acentuado nas regiões Norte e Nordeste, estados onde a
renda per capita é muito menor em relação às demais unidades da
Federação.
Os
grandes responsáveis pelos enormes fossos existentes entre as classes
sociais e raciais nessas regiões são os governos, por conta de decisões
equivocadas ao longo do tempo.
Um
dos maiores erros está na renúncia fiscal federal (gastos tributários
da União), que cresceu 3,26 vezes em apenas 23 anos. Em 2001, esses
gastos tributários correspondiam a 1,47% do Produto Interno Bruto (PIB),
participação que, em 2023, já era superior a 4,80%. Trata-se de um
volume enorme de recursos - R$ 523 bilhões/ano (2023) –, importantes
para o induzir o desenvolvimento do Norte e Nordeste, com a geração de
emprego e renda, e a possibilidade de ascensão social dos habitantes
daquelas regiões.
O
problema é que, além de crescer continuamente, essa renúncia fiscal
destina-se majoritariamente (de 61% a 63%) a beneficiar o Sul e o
Sudeste, justamente as regiões mais desenvolvidas do país. Isso não é
apenas contraditório; é inconstitucional porque viola vários
dispositivos da Constituição Federal de 1988, pois a Carta Magna
estabelece que as renúncias fiscais devem se destinar à mitigação das
desigualdades regionais e sociais.
Fica claro que o voto, o lobby e o poder de pressão no Brasil têm mais força que a Constituição, solenemente ignorada.
Com
isso, limitaram-se absurdamente os investimentos de infraestrutura que,
pelos dispositivos da CF/88 deveriam ser destinados prioritariamente
para as regiões Norte e Nordeste. Face à explosão dos gastos primários,
esses investimentos foram reduzidos a R$ 24 bilhões em 2024, o
correspondente a apenas 0,21% do PIB.
É
perverso porque após as transferências para estados e municípios, a
União – que gera déficit nominal de 10% do PIB e fica com cerca de 17%
do PIB (52,4% da arrecadação tributária), investindo somente 0,21% desse
bolo em infraestrutura, total insignificante para as necessidades nessa
área fundamental para o desenvolvimento e bem-estar social.
Não
é, porém, o único problema. Ao não fazer a correção anual das tabelas
do Imposto de Renda Pessoa Física, o governo na prática tributa inflação
e, dessa forma, penaliza duplamente o trabalhador assalariado pois esse
já é punido pelos preços mais elevados nos produtos de consumo
imprescindíveis e ainda paga mais de Imposto de Renda.
Essa
situação é agravada pela forte tributação sobre consumo, responsável
por mais de 40% das receitas públicas, porém muito pesada para os bolsos
dos assalariados de baixa renda. Além disso, essa população tem seu
crescimento profissional limitado pelos péssimos serviços de educação e
saúde.
A
raiz desses graves problemas nunca é atacada. Os governos preferem
investir em programas sociais para distribuir bondades como
bolsa-família, benefício de prestação continuada (BCP), vale-gás e
auxílio dignidade menstrual que aliviam mas, por outro lado, criam
dependência e têm caráter meramente paliativo.
Nenhum
presidente dos últimos 20 ou 30 anos tratou de resolver o problema do
Norte e Nordeste. Ao contrário, preferiram valorizar as quantidades de
benefícios sociais concedidos às pessoas menos favorecidas. Basta
verificar que na maioria dos 7 estados da região Norte e nos 9 estados
da região Nordeste, o número de pessoas sem nenhuma renda de trabalho
supera 38% da população. Existem ali mais beneficiários do bolsa família
e do BCP do que empregados com carteira assinada.
Nesse
cenário, faz sentido o que alertou o escritor norte-americano Harry
Browne (1933-2006): “O governo é bom em uma coisa. Ele sabe como quebrar
as suas pernas apenas para depois lhe dar uma muleta e dizer: veja, se
não fosse pelo governo, você não seria capaz de andar!". Por outro
aspecto, cabe também lembrar o ensinamento de outro norte-americano, o
economista, filósofo, cientista político e escritor John Kenneth
Galbraith (1908-2006): “Nada mais eficaz para limitar a liberdade,
incluindo a liberdade de expressão, como a total falta de dinheiro”.
O
Brasil precisa questionar se a não priorização das reduções das
desigualdades regionais e sociais é consequência de políticas públicas
equivocadas, de incompetência governamental ou é resultado de decisões
deliberadas para não permitir liberdade política e de expressão de
grande parte da população, porque é evidente ǫue não existe liberdade
política sem liberdade econômica.
*Samuel
Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia,
administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador
do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e
“Caminhos para um país sem rumo”. Site: https://samuelhanan.com.br
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