domingo, 12 de janeiro de 2025

A culpa dos outros e a fita tape da censura.

 


 

Percival Puggina

      A frase de Homer Simpson – “A culpa é minha e a ponho em quem eu quiser” – é expressão máxima do realismo cínico e narcisista, frequentemente apropriada por indivíduos, empresas, corporações, instituições e poderes de Estado. Trata-se de um vício moral ruinoso, cultivado na infância e, como qualquer outro, potencialmente capaz de criar dependência. Cuide-se, leitor amigo, de quem atribui a outros os próprios erros. Cuide-se, também, de quem jamais reconhece uma incorreção, de quem nunca se desculpa, de quem sempre encontra nos outros motivos para os próprios maus resultados, de quem se permite mudar de princípios sem dar quaisquer explicações e de quem, mormente tendo poder, perde a paciência com perguntas desconfortáveis.

A extrema esquerda é medalhista nessas categorias. Em qualquer tempo e lugar – seja em Cuba, Rússia, China, Brasil ou Venezuela – essa esquerda criaria um paraíso não fosse a último governo do adversário, não fossem seus opositores atuais, não fossem circunstâncias externas ao seu controle, não fossem sinistras traições e/ou conspirações. É por culpa dos outros que só conseguem criar infernos na terra. Como todo vício, também esse, cria dependência. Do mesmo modo como precisa do poder para consolidar suas posições, a extrema-esquerda a que o atual governo brasileiro se integra depende de opositores e inimigos externos nos quais descarregar as próprias culpas e os piores adjetivos do dicionário político.

O problema é que, tendo opositores e aplicando a eles essa prática abusiva, o partido acaba aborrecendo verdadeira multidão de eleitores. Demora um pouco, mas é inevitável que, por saturação, mesmo cidadãos desatentos percebam o que está sendo feito e se sintam desrespeitados pelo mal que tais práticas causam. Não é comum a insensibilidade ante a injustiça praticada ao próximo ou ante a perseguição a um congressista opositor, ou quando uma rede de comunicação fica parecida com agência governamental tratando seu público como um “coletivo” tão descerebrado quanto ela se empenha em ser.

Vi o mesmo acontecer lá atrás, no começo do século. Antes das redes sociais, “quando eram felizes e não sabiam” nas palavras de um ministro do STF, governos petistas quiseram manipular a fita tape da censura para silenciar as opiniões divergentes por meios diretos e indiretos. Entre os primeiros estavam a tentativa de estabelecer o “marco regulatório da imprensa” previsto no famoso PNDH-3 e a tentativa de criar os conselhos nacional e regionais de jornalismo. Entre os meios indiretos, incluía-se o esforço de dominar a linguagem impondo os mandamentos apócrifos do “politicamente correto”, as “analogias penais” e as medidas excepcionais criadas pelo STF/TSE...

Tais práticas funcionam por algum tempo e com algumas pessoas, mas não por todo o tempo nem com todas as pessoas, principalmente após a ruptura dos monopólios da comunicação com o surgimento das redes sociais, que se tornaram os mais óbvios e viáveis escoadouros dessas inconformidades.

Começa, então, o jogo das apostas dobradas. O regime entra com a censura. O mundo civilizado se escandaliza. O regime abre inquéritos em sigilosos pacotes. Eles são tantos que se tornam exaustivos e insuficientes. O regime ameaça e multa as plataformas. A oposição cresce sem cessar. O regime reage com prisões preventivas eternas e desproporcionais condenações. Por fim, é como se vivêssemos tempos bíblicos: até os cegos veem, até os mudos falam, até os surdos ouvem, o apoio ao governo despenca e 2026 entra, em contagem regressiva, no horizonte das esperanças.

Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Nenhum comentário:

Postar um comentário