Fernando Valente Pimentel*
A
proposta de alteração constitucional para reduzir o limite atual de 44
para 36 horas semanais de trabalho merece uma reflexão que vai além da
simples mudança numérica, considerando seus impactos econômicos e
sociais. A imposição legal de uma jornada reduzida pode ter
consequências complexas para nossa economia. Ademais, a questão já está
regulamentada e pacificada tanto na Constituição quanto na CLT.
Por
isso, não há motivos plausíveis para qualquer proposta de emenda
constitucional voltada à redução da carga horária semanal de trabalho.
Em primeiro lugar, porque seria matéria redundante, pois a reforma
trabalhista de 2017 já estabelece prerrogativas plenas aos trabalhadores
e empregadores de definirem a questão, em livre e soberana negociação,
de acordo com as peculiaridades do ramo de atividade, fluxos
operacionais específicos de cada empresa, fatores regionais e de
mercado. E há numerosos setores e empresas no País nos quais a jornada
já é menor e de apenas cinco dias semanais.
Mais
grave do que a redundância da matéria seria a imposição legal de uma
jornada menor, que, desde 2017, já pode ser estabelecida livremente nos
acordos coletivos e individuais. O caráter compulsório de uma carga
horária reduzida desrespeitaria direitos conquistados por todas as
partes envolvidas e interferiria de modo contundente nos modelos de
trabalho de numerosas empresas, em especial indústrias, aumentando
custos, impactando a produção, a logística e as estratégias de
abastecimento do mercado. Além disso, a proposta em pauta ignora a
realidade dos trabalhadores informais. Milhões de brasileiros continuam
sem acesso às proteções trabalhistas básicas.
Em
uma democracia madura, decisões dessa magnitude, como se estabeleceu
com a reforma de 2017, devem emergir do diálogo entre empregadores e
trabalhadores, seja por meio de negociações coletivas ou individuais.
Este processo permite considerar as particularidades de cada setor,
região e porte empresarial, algo que uma lei uniforme não consegue
contemplar.
Os dados mais
recentes do IBGE revelam uma tendência natural de redução da jornada de
trabalho. No segundo semestre de 2024, os brasileiros trabalhavam em
média 39,2 horas semanais, significativamente abaixo do limite legal de
44 horas. Essa diminuição gradual desde 2012, quando a média era de 40,5
horas, demonstra que o mercado já se adapta naturalmente aos cenários
contemporâneos.
A criação de
empregos, frequentemente citada como justificativa para a redução legal
da jornada, está mais diretamente ligada ao crescimento econômico
sustentável. Ou seja, é fundamental remover os conhecidos entraves à
expansão do PIB. O País enfrenta desafios significativos em termos de
produtividade, que está estagnada há duas décadas. Uma redução
impositiva da jornada poderia agravar esse quadro, especialmente para
micro e pequenas empresas, que são fundamentais para nossa economia.
A
racionalização da jornada reflete uma transformação social profunda
desde a Revolução Industrial, quando até 16 horas diárias de trabalho
eram comuns. Essa mudança foi resultado de um processo gradual que
combinou avanços tecnológicos, ganhos de produtividade e maior
consciência sobre direitos trabalhistas. Hoje, enfrentamos uma nova
revolução nessa área, marcada pelo crescimento do trabalho remoto e
híbrido, surgimento de novas profissões digitais, impacto da
inteligência artificial e aumento da prestação de serviços para
múltiplos empregadores. Essas transformações exigem uma abordagem mais
flexível e adaptável, que uma legislação rígida não pode oferecer.
Um
dos maiores desafios do País é melhorar seus índices de produtividade.
Isso requer investimento em tecnologia e inovação, capacitação
profissional contínua, modernização dos processos produtivos, melhoria
da infraestrutura e redução do “Custo Brasil”. O trabalho continua sendo
o principal instrumento de inclusão social e distribuição de renda.
Para maximizar seu potencial transformador, precisamos manter o diálogo
aberto entre todas as partes interessadas, respeitar as particularidades
setoriais e regionais, investir em educação e qualificação
profissional, além de promover um ambiente de negócios mais dinâmico,
sempre garantindo as proteções trabalhistas fundamentais, sem engessar o
mercado.
O futuro do trabalho
no Brasil deve ser construído sobre bases sólidas de diálogo.
Precisamos encontrar um equilíbrio entre a proteção dos direitos e a
necessidade de manter nossa economia competitiva. As negociações entre
as partes interessadas, em especial por meio de convenções coletivas
entre as entidades representativas das categorias econômicas,
respeitando marcos legais básicos, continuam sendo o melhor caminho para
adaptar as relações trabalhistas às realidades específicas de cada
setor e região do País.
*Fernando Valente Pimentel é diretor-superintendente e presidente emérito da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).
Fernando Valente Pimentel, diretor-superintendente e presidente emérito da Abit. |
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