Edgard Zanette é escritor, pós-doutor em filosofia e campeão brasileiro de xadrez blitz, “Assassinato no Monte Roraima”
(80 págs., Editora CRV) é seu primeiro romance. Também é autor de
“Ceticismo e Subjetividade em Descartes” (Editora CRV) e “Aprenda Xadrez
com os Filósofos” (UERREdicoes).
No
ensino fundamental, eu era um aluno apático, porém, com 14 anos aprendi
a jogar xadrez para viajar com meus amigos da escola. A equipe da
Escola Estadual Tarquínio Santos, em Foz do Iguaçu (PR), tinha um
projeto, e eu busquei essa vaga e viajei com meus amigos em 1997 para
uma cidade do Paraná chamada Santa Isabel do Oeste. Foi nessa
oportunidade que a paixão pelo xadrez nasceu. Todos os livros de xadrez
que caiam na minha mão eu lia, mesmo em línguas estrangeiras, e não fiz
cursos e ninguém me ensinou. Então, foi através do xadrez que a leitura
entrou na minha vida, e eu adorava ler sobre os torneios e a vida dos
grandes jogadores.
Nessa
mesma época, eu detestava gramática - hoje eu gosto, embora tenha
dificuldade em memorizar as regras - mas me agradava escrever redações,
mesmo com minha caligrafia “ruim”. Meu pai e minha mãe tentaram melhorar
minha caligrafia, sem sucesso. Ainda assim, sempre valorizei minhas
anotações, pois pensava mais rápido do que escrevia. O xadrez imprimiu
em mim o hábito da leitura e me acalmou. Aos 18 anos passei a gostar de
literatura universal. Entre os 18 e os 21 anos, eu lia tudo, inclusive
comprei e li toda a coleção de literatura da Folha.
Ao
longo dos anos, percebi que o xadrez pode trazer a um escritor várias
qualidades, tais como metodologia, disciplina, organização e
responsabilidade em conhecer a tradição. É impossível se tornar um
grande jogador de xadrez sem conhecer a teoria. Talvez seja possível
fazer literatura de maneira original sem conhecer os clássicos, mas no
xadrez é diferente. Em certo sentido, o xadrez é mais complicado que a
literatura, porque a literatura é mais livre que o xadrez. Entre os
pontos de convergência, podemos apontar que o xadrez nos ensina a
“pousar” em um tema e ficar ali — por exemplo, uma partida brilhante de
José Raul Capablanca, campeão mundial cubano, pode ser estudada por
dias, meses, anos, ou por toda uma vida, e o mesmo acontece com a
literatura.
Embora
eu não escreva autoficção de forma dogmática, acredito que a literatura
mescla o real pessoal com o onírico, o permitido com o confuso. Tudo é
permitido na literatura. Tomei a decisão de escrever o livro
“Assassinato no Monte Roraima” após sonhar e, subsequentemente,
concretizar a subida ao Monte Roraima em 2023. Durante a expedição ao
monte, a trama de aventura já se formava em minha mente, mas uma parte
da escrita ocorreu em uma única noite, isolado dentro de uma barraca, em
uma caverna.
“Assassinato
no Monte Roraima” é uma homenagem ao xadrez, à literatura, à filosofia e
à Roraima. Foi bem difícil escrever um livro pequeno, com apenas
oitenta páginas, que abordasse tantos temas de maneira acessível, em um
romance de aventuras. Decidi escrever o livro de maneira intuitiva.
Escrevi e publiquei. Não fiquei anos reescrevendo a obra, porque queria
divulgar a história, levá-la para os adolescentes e para as pessoas que
amam literatura e para aquelas que adoram aventuras e sonham em fazer
uma expedição. No livro temos um encontro entre dois enxadristas na
trama, e este encontro traz questões éticas e políticas bem
interessantes. Em “Assassinato no Monte Roraima” o xadrez é uma parte
visceral da narrativa. Porém, não é necessário saber jogar xadrez para
ler e entender este romance de aventuras.
Como aplicar técnicas do jogo à escrita literária?
O
jogo de xadrez é dividido em três fases: abertura, meio jogo e final.
Em certa medida, a mesma técnica pode ser vista na escrita, pois ao
escrever nos preocupamos com essas três fases. Ao iniciar um livro uma
técnica indicada é “ir com tudo”, não permitindo que as coisas saiam do
controle, impedindo que os acontecimentos ultrapassem nossa capacidade
de compreensão e que o leitor fique desinteressado.
Porém,
no xadrez, o adversário é o grande perigo, mas na literatura, não gosto
de pensar no leitor como um inimigo, mas sim como um amigo(a), com o
qual preciso estabelecer o diálogo. Preciso trazê-lo para o meu mundo,
deixá-lo angustiado, fixado na obra, preferindo passar seu tempo lendo
que fazer algo como ver um filme ou ir passear. Minha grande preocupação
com a escrita é uma das mesmas preocupações com o xadrez: ser simples,
para que o simples permita que o novo, que a imaginação trabalhe.
Hoje,
a escrita caótica aparece como uma das grandes novidades. Sim, sei da
importância de “trazer o novo”, porém, como o xadrez ensina, o novo não
surge do nada, é preciso ter um plano por trás do caótico, um tecido que
permita a uma narrativa quebrar com as limitações.
É
esse jogo entre a tradição e a novidade que eu adoro. E, neste sentido,
o xadrez e a literatura são iguais. Sou um leitor apaixonado, então,
gosto de escrever pensando em tudo o que li, e dialogando com coisas do
passado e do presente, do meu mundo onírico, dos meus desejos, e a
partir de tudo isso, posso construir mundos e personagens, porque a
literatura é uma insanidade com outro nome. Tudo o que é proibido pode
ser real na literatura, o louco, o interdito, o impossível, o “sem
sentido”, se apresentam reais através da vida literária.
Nenhum comentário:
Postar um comentário