quinta-feira, 3 de outubro de 2024

O xadrez e a escrita literária: como os dois mundos convergem e se complementam?

 

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O xadrez e a escrita literária: como os dois mundos convergem e se complementam?


Edgard Zanette é escritor, pós-doutor em filosofia e campeão brasileiro de xadrez blitz, “Assassinato no Monte Roraima” (80 págs., Editora CRV) é seu primeiro romance. Também é autor de “Ceticismo e Subjetividade em Descartes” (Editora CRV) e “Aprenda Xadrez com os Filósofos” (UERREdicoes).



No ensino fundamental, eu era um aluno apático, porém, com 14 anos aprendi a jogar xadrez para viajar com meus amigos da escola. A equipe da Escola Estadual Tarquínio Santos, em Foz do Iguaçu (PR), tinha um projeto, e eu busquei essa vaga e viajei com meus amigos em 1997 para uma cidade do Paraná chamada Santa Isabel do Oeste. Foi nessa oportunidade que a paixão pelo xadrez nasceu. Todos os livros de xadrez que caiam na minha mão eu lia, mesmo em línguas estrangeiras, e não fiz cursos e ninguém me ensinou. Então, foi através do xadrez que a leitura entrou na minha vida, e eu adorava ler sobre os torneios e a vida dos grandes jogadores. 


Nessa mesma época, eu detestava gramática - hoje eu gosto, embora tenha dificuldade em memorizar as regras - mas me agradava escrever redações, mesmo com minha caligrafia “ruim”. Meu pai e minha mãe tentaram melhorar minha caligrafia, sem sucesso. Ainda assim, sempre valorizei minhas anotações, pois pensava mais rápido do que escrevia. O xadrez imprimiu em mim o hábito da leitura e me acalmou. Aos 18 anos passei a gostar de literatura universal. Entre os 18 e os 21 anos, eu lia tudo, inclusive comprei e li toda a coleção de literatura da Folha. 


Ao longo dos anos, percebi que o xadrez pode trazer a um escritor várias qualidades, tais como metodologia, disciplina, organização e responsabilidade em conhecer a tradição. É impossível se tornar um grande jogador de xadrez sem conhecer a teoria. Talvez seja possível fazer literatura de maneira original sem conhecer os clássicos, mas no xadrez é diferente. Em certo sentido, o xadrez é mais complicado que a literatura, porque a literatura é mais livre que o xadrez. Entre os pontos de convergência, podemos apontar que o xadrez nos ensina a “pousar” em um tema e ficar ali — por exemplo, uma partida brilhante de José Raul Capablanca, campeão mundial cubano, pode ser estudada por dias, meses, anos, ou por toda uma vida, e o mesmo acontece com a literatura.


Embora eu não escreva autoficção de forma dogmática, acredito que a literatura mescla o real pessoal com o onírico, o permitido com o confuso. Tudo é permitido na literatura. Tomei a decisão de escrever o livro “Assassinato no Monte Roraima” após sonhar e, subsequentemente, concretizar a subida ao Monte Roraima em 2023. Durante a expedição ao monte, a trama de aventura já se formava em minha mente, mas uma parte da escrita ocorreu em uma única noite, isolado dentro de uma barraca, em uma caverna.


“Assassinato no Monte Roraima” é uma homenagem ao xadrez, à literatura, à filosofia e à Roraima. Foi bem difícil escrever um livro pequeno, com apenas oitenta páginas, que abordasse tantos temas de maneira acessível, em um romance de aventuras. Decidi escrever o livro de maneira intuitiva. Escrevi e publiquei. Não fiquei anos reescrevendo a obra, porque queria divulgar a história, levá-la para os adolescentes e para as pessoas que amam literatura e para aquelas que adoram aventuras e sonham em fazer uma expedição. No livro temos um encontro entre dois enxadristas na trama, e este encontro traz questões éticas e políticas bem interessantes. Em “Assassinato no Monte Roraima” o xadrez é uma parte visceral da narrativa. Porém, não é necessário saber jogar xadrez para ler e entender este romance de aventuras. 


Como aplicar técnicas do jogo à escrita literária?


O jogo de xadrez é dividido em três fases: abertura, meio jogo e final. Em certa medida, a mesma técnica pode ser vista na escrita, pois ao escrever nos preocupamos com essas três fases. Ao iniciar um livro uma técnica indicada é “ir com tudo”, não permitindo que as coisas saiam do controle, impedindo que os acontecimentos ultrapassem nossa capacidade de compreensão e que o leitor fique desinteressado. 


Porém, no xadrez, o adversário é o grande perigo, mas na literatura, não gosto de pensar no leitor como um inimigo, mas sim como um amigo(a), com o qual preciso estabelecer o diálogo. Preciso trazê-lo para o meu mundo, deixá-lo angustiado, fixado na obra, preferindo passar seu tempo lendo que fazer algo como ver um filme ou ir passear. Minha grande preocupação com a escrita é uma das mesmas preocupações com o xadrez: ser simples, para que o simples permita que o novo, que a imaginação trabalhe. 


Hoje, a escrita caótica aparece como uma das grandes novidades. Sim, sei da importância de “trazer o novo”, porém, como o xadrez ensina, o novo não surge do nada, é preciso ter um plano por trás do caótico, um tecido que permita a uma narrativa quebrar com as limitações. 


É esse jogo entre a tradição e a novidade que eu adoro. E, neste sentido, o xadrez e a literatura são iguais. Sou um leitor apaixonado, então, gosto de escrever pensando em tudo o que li, e dialogando com coisas do passado e do presente, do meu mundo onírico, dos meus desejos, e a partir de tudo isso, posso construir mundos e personagens, porque a literatura é uma insanidade com outro nome. Tudo o que é proibido pode ser real na literatura, o louco, o interdito, o impossível, o “sem sentido”, se apresentam reais através da vida literária.





IMAGENS PARA A IMPRENSA:

Foto Edgard Zanette 01 | Crédito: Nilzette Franco
Foto Edgard Zanette 02 | Crédito: Nilzette Franco
Capa do Livro | Crédito: Divulgação


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