quarta-feira, 24 de julho de 2024

O cérebro de Biden

 


Marco Antonio Spinelli*

Para quem entende um pouquinho de cognição e de saúde mental, já deu para perceber quase de cara. Nas primeiras frases de Joe Biden, no debate com Donald Trump, abrindo o processo que levará à próxima eleição nos Estados Unidos, já traziam uma sensação de profunda estranheza: a fala lenta, com pouco encadeamento de ideias, a dificuldade com manter a atenção na sua fala, chegando a esquecer o que estava falando mais de uma vez, a face com pouca expressão afetiva e uma imagem parado, com a boca aberta, que correu o mundo. Só faltou babar. Os americanos já chegaram a ter um presidente, Ronald Reagan, que passou seu segundo mandato em progressivo estado demencial, chamando o Brasil de Bolívia quando esteve aqui e outras pérolas que seu staff conseguia ocultar. Hoje, Biden chama sua vice presidente de Trump e, em dezoito segundos, as redes sociais já estão inundadas por cenas da mancada. É uma época cruel, em que estamos sob constante escrutínio e linchamento virtual. E qualquer pequeno deslize não escapa de ninguém.

Logo começou um buchicho que Biden deveria abandonar a sua candidatura. Vai ficando cada vez mais evidente que ele será derrotado por seu oponente, Donald Trump. Nessas últimas semanas, o inferno astral dos democratas só fez piorar: Biden chamou o presidente da Ucrânia de Putin, o cara que invadiu seu país e banha de sangue inocente seu país. Trump sofreu um atentado, do qual saiu de punho erguido, gritando para seus seguidores: “Lute, lute, lute”! A foto de Trump, ensanguentado, com a bandeira americana tremulando atrás, até eu fiquei com vontade de votar nele. E olha que eu detesto esse ator de ópera bufa.

Para finalizar, Joe chamou seu secretário de Defesa de “aquele homem negro”. Em vez das coisas melhorarem, só fazem piorar.

Muita gente já deve ter percebido que, em situações de cansaço ou estresse, somos mais propensos a ter esses apagões, esquecendo nomes, trocando nomes e cometendo mais atos falhos do que em dias mais espertos. Muita gente se apavora e imagina que isso é um sinal de Doença de Alzheimer. Normalmente, não é. Mas, em alguns casos, pode ser. Sobretudo quando acompanhado por outros sinais e sintomas.

Biden foi um presidente americano que sempre transmitiu uma imagem de muita fragilidade. Foi, dos últimos presidentes, o que menos concedeu entrevistas e se expôs a escrutínios públicos. Essa proteção da parte de sua equipe está custando caro agora.

Antes de ter um quadro demencial, como o Alzheimer, existem vários sintomas iniciais que, agrupados, são chamados de Transtorno Cognitivo Leve. Alguns dos seus sintomas estão sendo notados abundantemente em Joe Biden: perda de Fluidez Cognitiva, com o pensamento achatado e com poucas associações, a dificuldade para concluir raciocínios, a perda do fio da meada e, claro, as falhas de memória e as dificuldades de geração de nome. O coro pedindo sua resignação vai ficando cada vez mais ensurdecedor. E o Partido adversário, Republicano, começou a bater na vice, cotada para substituir Joe, Kamala Harris. Parece que o velho Joe está a caminho de ser carta fora do baralho.

Os assessores continuam procurando desculpas: problemas de sono, gripe forte, Covid, cansaço. Tentam demonstrar que Joe Biden não tem uma condição, mas uma alteração passageira, aguda. Não sou o médico do presidente americano, para esclarecimento da sua condição se faz necessário um longo processo diagnóstico. Donald Trump, que é apenas três anos mais novo, já entregou seus resultados.

A única saída para a campanha de Biden é submeter o candidato a essa bateria de exames e dividir os resultados com a sociedade. O fato de isso não ser aventado por ninguém reforça a impressão que Joe Biden pode estar ocultando um estado inicial de uma Demência. A tentativa de ocultar o seu atual estado clínico deixa a sua situação rapidamente caminhando para um beco sem saída.

Vivemos num tempo de fim de nossa privacidade, tudo fica exposto rapidamente, sobretudo em pessoas públicas. Esconder a sua fragilidade, ou fingir-se muito forte, costuma deixar-nos fracos e inseguros. Para ser forte, é muito importante lidar e expor a sua própria fragilidade. Essa é a verdadeira força. A abertura para a verdade, mesmo que a verdade doa. E costuma doer.

*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”



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