Samuel Hanan*
O
povo brasileiro é otimista por natureza. Acredita que o amanhã será
melhor do que hoje, mas quase nunca essa expectativa se concretiza, ora
por decisões erradas dos governos, ora pela falta de competência dos
governantes e não raramente pelo fato de o discurso se dar absolutamente
dissociado da realidade.
Agora, o país discute a
regumentação da reforma tributária enviada ao Congresso Nacional sem se
dar conta de que em 2024 o Brasil vive um ano de frustração já anunciada
pela análise dos indicadores oficiais. Os números não são nada
encorajadores.
A começar pela carga tributária bruta,
fatalmente maior que a efetiva de 2023, quando alcançou 32,44% do
Produto Interno Bruto (PIB). O setor público tem anunciado que almeja
arrecadar, em 2024, R$ 4 trilhões (o correspondente a 34,44% do PIB
2024), dinheiro resultante dos impostos que pesam – e muito – no bolso
dos cidadãos, sem nenhuma contrapartida de melhoria de serviços
públicos.
Se o governo vai arrecadar muito, também vai
gastar em demasia e, pior, muito mal. Ignora a necessidade de priorizar
investimentos. Os gastos primários da União serão pressionados pelos
reajustes dos servidores públicos, dos cargos comissionados e pelo custo
das eleições municipais de outubro. Esses gastos, somados, superararam
19,3% do PIB em 2023 (mais do que em 2022, quando foi de 18,0% do PIB) e
provavelmente chegarão a 19,9% ou 20,0% do PIB deste ano.
Outro
fator negativo: o envidamento público deverá saltar de 74,34% para
77,90% do PIB em 2024. No ano passado, a dívida pública total do país
fechou em R$ 8,1 trilhões (segundo dados do Banco Central). Para 2024, a
previsão é de que a dívida do governo geral ultrapasse R$ 9,0 trilhões.
Boa
parte da receita nacional mais uma vez estará comprometida com o
funcionalismo público (12,8% do PIB) e com o pagamento dos juros
bancários incidentes sobre a dívida pública, correspondentes a mais de
8,0% do PIB. Ou seja, somados, consumirão mais de 20,8% do PIB, o
correspondentes a mais de 60% do total da receita tributária do país. É
preciso salientar que o Déficit Publico Nominal em 2023 chegou à
incrível marca de R$ 967 bilhões no ano (mais de 2 vezes o déficit de
2022, que foi de R$ 480 bilhões, também de acordo com o Banco Central.
Ainda
no campo econômico, nada otimista é a previsão de crescimento da nação.
Tudo indica que o PIB terá crescimento 30% inferior à taxa de 2,9%
registrada em 2023, ficando provavelmente em torno de 2,0% ou pouco
acima desse patamar e semelhante à média anual dos último 35 anos (1989 a
2023) pós-Constituição Federal de 1988 e 65% inferior à taxa de 6,05%
verificada nos 25 anos anteriores à CF/88. Nesse aspecto, é um país
ladeira abaixo.
Os setores do agronegócio, mineração e
petróleo/gás respondem por quase metade (de 45% a 47%) do PIB nacional,
por 70% das exportações – somando R$ 242 bilhões -, e por mais de 205%
do superávit da balança comercial brasileira. A expressividade desses
três setores econômicos tem contribuido fortemente para a estabilidade
do valor de compra da moeda nacional e por permitir às autoridades
zelarem por um sistema financeiro eficiente e competitivo, além de
fomentar o desenvolvimento socioconômico de regiões mais afastadas do
sudeste brasileiro. Apesar disso, quando se analisa a geração de divisas
constata-se que o país ainda apresenta déficit de transações correntes
da ordem de US$ 23,0 bilhões/ano.
O Brasil, portanto,
continua sendo um país de produção e exportação de bens primários de
baixo valor agregado. Por outro lado, soma US$ 263,9 bilhões por ano em
importações, principalmente de produtos acabados de alto valor
intrínsico, alguns deles produzidos com nossas matérias-primas. Com
isso, fomenta o emprego lá fora, em detrimento dos postos de trabalho
nacionais. Essa situação nasce da falta de investimentos e da má
performance do sistema educacional brasileiro e, em consequência, da
baixa competitividade, aliadas à alta e complexa tributação e à
baixíssima poupança interna.
Há gravíssimas distorções que
precisam ser corrigidas. O Brasil investe anualmente 5,50% do PIB em
educação, 3,70% do PIB do saúde, e em saneamento apenas e tão somente
0,50% do PIB, totalizando nessas três áreas prioritárias 9,70% do PIB.
Praticamente não sobra quase nada para infraestrutura, segurança
pública, habitação/urbanismo e mobilidade urbana. Por outro lado,
dispende cerca de R$ 1,45 trilhão com funcionalismo público, o que
corresponde a 12,80% do PIB. A máquina administrativa, como se vê,
consome mais de R$ 330 bilhões anuais a mais que os recursos de
investimentos em todos esses setores indispensáveis à qualidade de vida
dos cidadãos. Vale refletir que esse montante monstruoso de gastos com
funcionalismo público não tem a melhor destinação porque não é empregado
para a melhorar a remuneração de professores e de profissionais da
saúde e da segurança pública. Vale a pena lembrar um pensamento do
filósofo e economista francês Fréderic Bastiat (1801-1850): “Todos querem viver às custas do Estado, mas esquecem que o Estado vive às custas de todos”.
Além disso, não existe qualquer sinalização de redução dos privilégios conferidos a uma casta do funcionalismo público. Pelo contrário, a tendência é de que o país continue sendo generoso na concessão desses benefícios, sempre pagos com dinheiro público. Bem ao contrário do que pregava o advogado e líder espiritual indiano Mahatma Gandhi (1869-1948): “Odeio privilégios e monópólios; eles destróem qualquer nação”.
Da
mesma forma, o país continuará escamoteando seus péssimos indicadores
sociais por meio de narrativas pelas quais se busca convencer a
população de que a culpa do problema é exclusiva de herança maldita
deixada pelos governos anteriores. Muitas desculpas, raras soluções.
Enquanto
isso, o brasileiro sofre as consequências de o país ocupar apenas a 89ª
posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), depois de ter caído
duas posições em 2023. A queda é absurda pois em 2002, ao final do
governo Fernando Henrique Cardoso, o país figurava na 77ª posição.
No coeficiente Gini, que mede o nível de desigualdade socioeconômica dos países mensurando a distribuição de renda entre as populações, o Brasil ocupa uma das seis piores classificações do mundo, além estar estagnado há decadas na lanterna (30ª posição) no Índice de Retorno de Bem Estar à Sociedade (IRBES).
Não há razão para qualquer orgulho
nacional em relação à educação com o Brasil ocupando a 66ª posição no
Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). E isso se
repete em outros indicadores importantes: somos o 4º pior país do mundo
em violência urbana, o 2º em acidentes fatais, estamos em 127º lugar no
quesito liberdade econômica, em 87º em liberdade de expressão e em 92º
em liberdade de imprensa. Tão vergonhoso quanto isso tudo é o país ficar
apenas na 104ª colocação entre os países com maior efetividade no
combate à corrupção, segundo a Transparência Internacional.
É
muito difícil acreditar em melhora dos indicadores sociais porque não se
vê ações concretas nesse sentido. A estratificação social mostra que
60,2% da população brasileira têm renda mensal de até 1 salário-mínimo
(R$ 1.412,00). Revela ainda que 31,8% da população vivem com renda entre
1 e 3 salários-mínimos e que 31% dos brasileiros continuarão sem
nenhuma renda resultante de trabalho em 2024. Além disso, 36% dos jovens
entre 17 e 24 anos nem trabalham nem estudam, integrando a chamada
“geração nem-nem”, cujo futuro está seriamente comprometido.
Em
outro aspecto, apesar de a corrupção ser um dos maiores males do país,
com enfeitos já muito conhecidos, seu enfrentamento não é prioridade e
sequer é discutido com a transparência que a questão merece. Basta ver
que recentemente uma empresa norte-americana foi condenada a pagar multa
de US$ 120 milhões e declarou perante à Justiça daquele país ter
corrompido agentes públicos brasileiros para fechar contratos com a
Petrobras, escândalo revelado pela Operação Lava-Jato.
Mais um
ano e o Congresso não se debruça sobre a necessidade de mudança
legislativa para tornar imprescritíveis os crimes praticados contra a
administração pública e para endurecer a Lei da Ficha Limpa, medidas que
seriam fundamentais para o combate à corrupção e para resgatar a
moralidade no trato da coisa pública.
Por outro lado, é certo
que em 2024 o Brasil registrará aumento nos gastos com publicidade e
propaganda, destinados a alimentar ufanismos e narrativas. Nada
compatível com o DNA do Brasil e dos brasileiros que, cada vez mais,
assistem ao desperdício de recursos públicos. O Brasil arrecada,
anualmente, cerca de 33,00% do PIB e gasta com funcionalismo publico
12,80% do PIB, com aposentadorias e pensoes 9,00% do PIB, com encargos
da Divida Publica outros 8,00% do PIB, somando 29,80% do PIB ou 90% da
arrecadação total. Não sobra nada, não tem como dar certo.
O
país atravessa um ano eleitoral, no qual a retórica tentará mascarar a
realidade, porque parece ser proibido falar de redução de gastos com
funcionalismo público, de combate efetivo à corrupção, de redução dos
favores fiscais (gastos tributários) e de privilégios, de
imprescritibilidade de crime contra a administração pública, de
restrição da judicialização da política e banalização de acesso direto
ao STF e de tornar constitucional a prisão após condenação em 2ª
instância, além da redução drástica do número de autoridades com foro
por prerrogativa de função, todas palavras extintas do vocábulario da
maioria dos nossos governantes. A realidade, entretanto, é bem diferente
da retórica, como diz Thomas Sowell: “Quando as pessoas querem o impossível, somente os mentirosos podem satisfazê-las”.
Para a população sobra a frustração de quem esperava algo muito diferente porque vive no Brasil real, de necessidades básicas ainda não atendidas, de enormes desigualdades sociais e de pouca perspectiva no horizonte.
*Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”. Site: https://samuelhanan.com.br
Imagens relacionadas
baixar em alta resolução |
Vervi Assessoria - Imprensa
IMPRENSA
Rua Freire Farto, 56 - Pq. Jabaquara - SP - CEP. 04343-120
Nenhum comentário:
Postar um comentário