Bruno Boghossian
Folha
O juiz Samuel Alito foi buscar um raciocínio exótico para defender a imunidade de ex-presidentes nos EUA. Integrante da ala conservadora da Suprema Corte, ele sugeriu que, se um governante souber que estará sujeito a processos criminais após deixar o cargo, ele terá um incentivo a mais para tentar melar a eleição e permanecer no poder.
Poderia ser só uma expressão ingênua da reverência exagerada dos americanos pela figura presidencial. Acontece que o tribunal estava julgando se deveria garantir imunidade a um presidente que tentou melar a eleição para permanecer no poder.
IMUNIDADE? – A discussão na Suprema Corte tinha nome, sobrenome e uma tentativa de golpe no currículo. Em seus últimos dias no cargo, Donald Trump usou a autoridade presidencial para tentar reverter resultados eleitorais em estados estratégicos e instigou uma revolta violenta com o objetivo de continuar no poder. Agora, ele alega que atos oficiais de um presidente são protegidos por imunidade.
O amparo oferecido por Alito tem um fundamento mais do que traiçoeiro. Para o juiz, abrir uma brecha na imunidade presidencial poderia “desestabilizar o funcionamento do país como uma democracia”.
Em outras palavras, punir um sujeito que usa o poder para subverter a democracia seria uma ameaça à democracia.
MEDO COMO ARMA – A linhagem populista de Trump usa o medo como arma para manter influência e, principalmente, conseguir proteção. A justificativa para manter o ex-presidente fora da cadeia não é (e nem poderia ser) seu histórico de respeito às regras do jogo e ao resultado eleitoral, mas o risco de outros políticos derrotados apelarem para a insurreição.
Da mesma forma, o argumento mais usado a favor de uma anistia para Jair Bolsonaro não é sua suposta inocência num plano golpista que tem todas as suas impressões digitais.
Tanto o ex-presidente como personagens que advogam por um acordo dessa natureza citam com frequência a necessidade de uma certa “pacificação”. A paz dos populistas é negociada à base de ameaças.
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