Marco Antonio Spinelli*
Quando
eu saí do cinema após ter visto “Oppenheimer” a primeira vez, falei
para meu filho: “É Oscar de Melhor Filme, Melhor Ator, Melhor Ator
Coadjuvante”. Fiquei particularmente impressionado com a atuação de
Robert Downey Jr no papel do vilão, tenaz inimigo do Robert Oppenheimer
de Cilliam Murphy. O filme ganhou outros merecidos prêmios no Oscar,
inclusive o de melhor diretor para Chris Nolan, que já merecia há muito
tempo. Não ganhou o Melhor Roteiro Adaptado, pela transposição do livro:
“Oppenheimer: O Triunfo e a Tragédia do Prometeu Americano”. Não li o
livro, mas, terapeuta junguiano que sou, gostei muito do título. Quem
está do outro lado da tela não deve estar entendendo essa conversa.
Calma. Explico.
Prometeu é um personagem da Mitologia
Grega. Quando o homem foi criado, ele não era forte, nem rápido, nem
corajoso como os outros animais. Prometeu percebeu o perigo desta
fragilidade, e decide roubar o Fogo dos deuses e entregar ao Homem.
Zeus, o mais poderoso deus do Monte Olimpo, fica enfurecido e dá a
Prometeu o pior dos castigos: foi acorrentado no topo do Monte Cáucaso
para, durante o dia, seu Fígado ser devorado por uma águia. À noite, o
órgão se regenerava, para reiniciar o sofrimento no dia seguinte.
Pacientes que passam por quadros depressivos muito severos descrevem
esse sofrimento durante o dia, só aliviado pelo sono. Sem saber do mito,
revivem o sofrimento de Prometeu.
Para que viu o filme
não é difícil entender o título. O filme é um épico extraordinário sobre
a vida do proclamado Pai da Bomba Atômica, o físico americano Robert
Oppenheimer, desde os tempos de físico pouco talentoso no laboratório
para se tornar um gênio da Física Teórica (me identifico com ele nesse
aspecto, não por ser um gênio, mas por ser uma negação no laboratório).
Robert é convocado, durante a Segunda Guerra, para chefiar o Projeto
Manhattan, para transformar uma descoberta da Física Teórica, a
possibilidade de fissão do núcleo de um átomo, na arma mais terrível da
nossa História. Foi necessária uma equipe gigantesca trabalhando no
deserto do Novo México para construir essa bomba. Os americanos temiam
que os Nazistas conseguissem fazer a Bomba Atômica: imagine uma arma
dessas nas mãos de Hitler.
Depois de três anos de
trabalho, a bomba estava pronta e decidiu a guerra, não contra Hitler,
mas contra as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. Como Prometeu,
Oppenheimer deu ao Homem um poder imenso, inclusive, o poder de destruir
a própria vida humana em nosso planeta. Quando Oppie viu, pela primeira
vez, o cogumelo atômico de dezenas de quilômetros, ele sussurrou: “Eis
que me torno Shiva, o destruidor dos Mundos”, uma passagem do Bhagavad
Ghita, um texto religioso hindu que Oppenheimer leu em sânscrito.
Oppie
sabia exatamente a quantidade de japoneses que perderam a sua vida com
as bombas, seja diretamente, seja por doenças relacionadas à radiação.
Ele confessou ao presidente Truman que se sentia com sangue em suas
mãos. Truman ficou irritado com a frase, e disse que ele pode ter
inventado a bomba, mas foi ele que deu a ordem de usá-la contra duas
cidades japonesas. Aliás, Truman também teve o destino de Prometeu, pois
saiu da presidência dos Estados Unidos impopular e escorraçado pelo
eleitorado. E não foi por ter dado essa ordem.
Depois de
virar o cientista mais popular da América, mais do que Albert Einstein,
Oppenheimer virou um pacifista e dedicou toda a sua energia para evitar a
proliferação das armas nucleares. Na Comissão de Energia Nuclear, ele
enfrenta a oposição do Almirante Strauss, que se finge de amigo, mas
nutre um profundo ódio contra o físico. A interpretação desse homem
odiento que deu o Oscar a Robert Downey Jr. Ele comanda uma profunda
perseguição contra o herói nacional Robert Oppenheimer, num processo
longo de humilhação e uma conspiração que excluiu o físico do debate
sobre as Armas Nucleares. A esposa de Oppenheimer, Kitty, implora que
ele reaja contra aquela perseguição, e ele aguenta calado as acusações e
as calúnias que foram armadas contra ele. Kitty percebe no final que
seu marido quer passar por tudo aquilo para se perdoar e ser perdoado
pela Caixa de Pandora que ele tinha aberto para deter Hitler. Por isso
ele foi um Prometeu americano. E deve ter sentido a águia bicando seu
Fígado por toda sua vida.
Anos depois, ele recebeu uma
comenda do governo americano, uma forma de reparar o mal que lhe tinham
causado. No filme, ele é cumprimentado por alguns de seus perseguidores.
Aceita o cumprimento sem mágoas. Kitty olha para um deles com uma cara
de nojo que só as esposas consegue produzir, contra quem perseguiu seu
marido.
E hoje, temos uma guerra na Europa, com a ameaça constante de Putin de usar seu arsenal nuclear se ficar encurralado. Agora são os humanos que sofrem as dores de Prometeu.
*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”
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