BLOG ORLANDO TAMBOSI
Revisão sobre o foro especial em intervalo tão curto só reforça a percepção de que a Corte não apenas é suscetível às mudanças de vento na política, como é casuística, o que é ainda pior. Editorial do Estadão:
O
Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a se debruçar sobre o foro
especial por prerrogativa de função, o chamado “foro privilegiado”,
apenas seis anos depois de ter fixado uma tese sobre o tema. Longe de
ser um ponto fora da curva, a questão do foro é apenas a mais recente de
uma série de revisões de jurisprudência em curtíssimo prazo que
reforçam a percepção, amplamente difundida na sociedade, de que a mais
alta instância do Poder Judiciário seria não só suscetível às mudanças
de vento na política, como também casuística. Nessa toada, não há
confiança na Justiça que resista.
No
caso concreto, como mostrou o Estadão, os ministros julgarão um habeas
corpus impetrado pelo senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), que
contesta a competência da Justiça de primeiro grau do Distrito Federal
para julgá-lo pela suposta prática de “rachadinha”, entre 2007 e 2015.
Marinho argumenta que, por ter exercido cargos com foro por prerrogativa
de função durante todo esse tempo, os crimes dos quais é acusado devem
ser julgados pelo STF, não pela primeira instância. Foi a senha para que
a Corte, com quatro novos membros – Nunes Marques, André Mendonça,
Cristiano Zanin e Flávio Dino –, volte a tratar do assunto.
Não
é nada improvável que, no julgamento desse habeas corpus, relatado pelo
ministro Gilmar Mendes, a nova composição da Corte fixe novo
entendimento sobre o alcance do “foro privilegiado”. Em 2018, vale
lembrar, o STF decidiu que apenas os crimes cometidos por certas
autoridades durante o mandato e relacionados ao exercício do cargo
poderiam ser julgados pela Corte. Ao fim do mandato, os processos
deveriam ser remetidos à instância competente. Mas, como ficou notório
nesses últimos seis anos, os próprios ministros deram de ombros para
essa orientação, o que, na prática, revela que a questão não está
pacificada como deveria.
Para
citar apenas casos recentíssimos, o STF já expediu mandados de busca e
apreensão contra um cidadão que se envolveu numa altercação em Roma com o
ministro Alexandre de Moraes. Já julgou um sem-teto, ao final
absolvido, que fora acusado de crimes relacionados ao 8 de Janeiro. Sob o
manto opaco dos inquéritos intermináveis das fake news e das “milícias
digitais”, o STF tem se arvorado em juízo universal da defesa da
democracia, lidando com réus ou investigados que jamais deveriam estar
submetidos à Corte Constitucional. O caso Marielle Franco é outro que
suscita a competência do STF como foro criminal.
Procedendo
dessa maneira, a Corte a um só tempo maltrata a Constituição e
desprestigia todo o Poder Judiciário, como se não houvesse juízas e
juízes anônimos Brasil afora com capacidade para julgar esses crimes, em
especial os cometidos contra o Estado Democrático de Direito.
Outros
temas de grande relevância para o País têm sido tratados com pouco
cuidado – é forçoso dizer – pelo Supremo. Tome-se, por exemplo, a
questão da execução da pena após condenação em segunda instância. Ao fim
e ao cabo, trata-se de discussão sobre um princípio fundamental
consagrado pela Constituição – a presunção de inocência. Não haveria de
ser tão controvertido. No entanto, num curto intervalo de tempo, o STF
já manifestou posições diametralmente opostas sobre essa questão. Neste
momento, e sabe-se lá até quando, prevalece o entendimento, totalmente
equivocado, de que um condenado só pode ser preso após o trânsito em
julgado da sentença penal, ou seja, esgotadas todas as suas
possibilidades recursais.
A
volatilidade da jurisprudência, quase um oximoro, é péssima não só para
o próprio Supremo, mas para a credibilidade do Poder Judiciário como um
todo. Nunca será demais lembrar que cada cidadão tem de respeitar a
Justiça. Mas esta, por sua vez, também tem de respeitar cada um dos
jurisdicionados. E um cenário de incerteza jurídica é, fundamentalmente,
um quadro de desrespeito à sociedade.
Nesse
sentido, não surpreende por que tantos cidadãos concordem com a ideia
segundo a qual não haveria um único STF, vale dizer, uma única
instituição colegiada e previsível, mas sim “onze ilhas” que mudam seus
entendimentos de acordo com conveniências do momento.
Postado há Yesterday por Orlando Tambosi
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