sábado, 30 de março de 2024

Brasil enfrenta desafio de transição energética justa

 


Potencial das fontes renováveis eólica, solar e biomassa, somadas à hidrelétrica, é imenso, mas não vem se traduzindo em benefícios para a maioria da população

São Paulo, 29 de março de 2024 – A transição energética é a resposta mundial mais promissora para deter o aquecimento global e consiste em passar de uma matriz de fonte de energia que utiliza combustíveis fósseis, como petróleo e carvão, que são grandes emissoras de gases de efeito estufa (GEE), para fontes renováveis, como sol, água, vento e biomassa, que emitem menos carbono.

O Brasil largou na frente na transição energética, graças à forte participação em sua matriz energética das usinas hidrelétricas e da biomassa – especificamente pela utilização de derivados da cana-de-açúcar como combustível (etanol) e em usinas termoelétricas (gráfico 1).

De acordo com dados consolidados para o ano de 2021 pela Agência Internacional de Energia (IEA) e reproduzidos pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), 44,8% da matriz energética brasileira era composta por fontes renováveis em 2021, muito acima da média mundial de 14,7% (gráfico 2).

Ademais, a geração de energia eólica e solar, as duas fontes que mais cresceram nos últimos anos, conta com um potencial de expansão imenso. A geração solar se beneficia do fato de nosso país estar localizado próximo à linha do Equador. As condições são particularmente favoráveis na região do semiárido, que se estende por grande parte dos estados do Nordeste e norte de Minas Gerais, onde há forte irradiação solar e poucas nuvens e chuvas.

O semiárido já abriga grandes empreendimentos no setor de geração centralizada (GC), composta por parques solares conectados ao Sistema Interligado Nacional (SIN). Um exemplo é o Parque Solar Nova Olinda, que dispõe de 930 mil painéis solares em 690 hectares (área equivalente a 700 campos de futebol), um dos maiores do Brasil.

Além da GC, há a geração de energia solar distribuída (GD), que advém de painéis solares instalados no telhado de casas, shopping centers e outros estabelecimentos, predominantemente em regiões urbanas.

A energia eólica é ainda mais promissora, no Brasil. Em particular, a Região Nordeste dispõe de um dos melhores potenciais de vento para a geração de energia elétrica no mundo, segundo especialistas.

Em fevereiro de 2023, já havia 890 parques eólicos onshore (no continente) instalados em 12 estados brasileiros, dos quais 85% estavam na região Nordeste, de acordo com a Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica).

A próxima fronteira de expansão da energia eólica no Brasil é o offshore, parques instalados no mar que já são muito comuns principalmente na Europa e China. No Brasil, que tem mais de 10 mil quilômetros de litoral e um território marinho com uma área de 5,7 milhões de quilômetros quadrados – a chamada Amazônia Azul –, o potencial da eólica offshore é gigantesco.

Um estudo da EPE indica que, considerando apenas os parques mais próximos à costa e com torres fixas no fundo do mar, a capacidade bruta é de 700 gigawatts (GW). Como comparação, a oferta de energia de toda a matriz elétrica brasileira não chega a 200 GW.

Outra vantagem competitiva do Brasil é na geração de energia por biomassa. Usinas utilizam a cana-de-açúcar para produzirem, desde o início do programa Proálcool nos anos 1970, o etanol hidratado, que é comercializado nas bombas dos postos brasileiros como substituto à gasolina.

As usinas, que estão majoritariamente concentradas no interior do estado de São Paulo, também produzem etanol anidro, que é adicionado à gasolina vendida nos postos. Além disso, o bagaço de cana que sobra do processo de produção do etanol e açúcar é utilizado como combustível em termelétricas.

A nova fronteira tecnológica do setor é a produção do chamado etanol de segunda geração (E2G). Enquanto o etanol de primeira geração (E1G) é feito a partir do melaço (caldo da cana), o E2G é produzido com os resíduos restantes do processo de fabricação do E1G, como palha, folha, bagaço e cavaco.

Os processos de produção são diferentes, mas o E2G é quimicamente idêntico ao E1G. O E2G permite um aumento de produtividade de 50% sem a necessidade de ampliar as áreas cultivadas de cana.

Transição injusta

O potencial das fontes renováveis de energia sempre é citado como uma oportunidade para o país se desenvolver e reduzir suas desigualdades sociais, mas não é isso que vem acontecendo.

No passado, o Brasil investiu pesado na construção de hidrelétricas, como Itaipu, no Paraná, e Belo Monte, no Pará, que estão entre as maiores usinas do mundo. Essa opção permitiu que o país dispusesse hoje de uma matriz energética com forte participação de fontes renováveis, mas ocasionou uma série de impactos sociais.

“Além do impacto ambiental, as hidrelétricas causam principalmente um problema social enorme. Populações indígenas e tradicionais que habitam essas áreas são deslocadas e perdem seu modo de vida e sentido de pertencer a um lugar”, destaca o Prof. Dr. Carlos Joly, professor emérito da Unicamp.

Outro impacto é na fase de construção das usinas, ressalta o Biólogo. Contingentes grandes de trabalhadores chegam de outras regiões e criam assentamentos, com frequência precários, próximos às obras. As condições dessas vilas improvisadas ficam ainda mais deterioradas quando a construção termina e os trabalhadores não têm mais emprego.

A expansão dos parques eólicos no semiárido brasileiro e outras regiões aparentava ser um negócio bom para todos, mas não é bem assim. As grandes empresas geradoras, em geral, firmam contratos de arrendamento com produtores rurais para a instalação de aerogeradores em suas terras. Os donos da terra recebem uma renda extra e muitos se mudam para as cidades. Já os agricultores das terras vizinhas nada recebem e sofrem os impactos negativos.

Um documentário da BBC News Brasil mostra o drama de famílias que vivem embaixo de aerogeradores de dois parques eólicos em Caetés, no sertão de Pernambuco. Os parques, com um total de mais de 200 aerogeradores, foram construídos no início de 2014, antes das atuais exigências regulatórias, e há moradias residenciais a cerca de 150 metros da base de torres.

Os vizinhos reclamam também da sombra móvel das pás que incide durante o dia sobre as suas casas. O documentário registra a reclamação de moradores que sofrem com estresse, ansiedade, depressão, insônia, dores de cabeça e perda parcial da audição.

Para lidar com essas questões, o Governo Federal estabeleceu em setembro de 2023 a Mesa de Diálogo Energia Renovável: Direitos e Impactos. Representantes de vários ministérios estão percorrendo regiões com parques eólicos nos estados do Nordeste.

Os parques de energia solar também causam impactos ambientais e sociais relevantes, em particular no semiárido. O Relatório Anual do Desmatamento (RAD), divulgado pelo MapBiomas, revelou que, em 2022, mais de 4 mil hectares da Caatinga foram desmatados devido às atividades das usinas de energia solar e eólica, incluindo as linhas de transmissão.

O RAD não especifica quanto do desmatamento é causado pelos parques solares, eólicos ou linhas de transmissão. Mas é sabido que são os parques solares, por necessitarem de grandes extensões de terra, que mais desmatam a Caatinga – um contrassenso em que empreendimentos pensados para deter o aquecimento global destroem a vegetação nativa, o que causa a emissão de CO2 e a eliminação de árvores que faziam o sequestro de carbono.

Há conflitos entre empresas de geração de energia solar e comunidades locais, principalmente no semiárido. A água, um recurso muito escasso na região, é um dos pontos de atrito. Os painéis acumulam poeira e detritos e precisam ser lavados com água periodicamente.

Em alguns casos, os moradores protestam quando as empresas contratam carros-pipa para a lavagem dos painéis, enquanto eles não dispõem de água para uso doméstico e irrigação da sua produção agrícola de subsistência.

Em relação à venda e arrendamento de terras para empresas de geração, os relatos são de que há acordos justos e injustos. Alguns poucos proprietários que fazem bons acordos se beneficiam do imenso potencial do semiárido para a geração de energia eólica e solar. Para a grande maioria da população, restam os impactos negativos de uma transição energética no Brasil, até o momento, majoritariamente injusta.

Leia a revista O Biólogo, do Conselho Regional de Biologia da 1ª Região, com uma edição inteiramente dedicada a discutir a transição energética no Brasil. Link para edição: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://crbio01.gov.br/arquivos/revista_crbio_67.pdf

 

Assessoria de imprensa do CRBio-01

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