domingo, 25 de fevereiro de 2024

Saidinhas de presos...

 


 

Adriano Alves-Marreiros

            Já que hoje tive que ler uma lamentável opinião contra o fim das lamentáveis saidinhas de presos, falando do falso, psicodélico, antidemocrático e bandidólatra “Princípio” do não “Retrocesso”, preciso resgatar o que já escrevi sobre o assunto, para as pessoas leigas ou não em Direito entenderem melhor.

Antes, acrescento resumidamente alguns dados confirmados sobre saída do MPMG durante a pandemia e que consegui graças aos Promotores (Raízes!!!) Ana Cláudia e Marcos Paulo, pra quem achar que “não há prognóstico” nem possibilidade de diagnóstico da questão... (Ministério Público divulga estatísticas criminais do período da Pandemia em 2020:

  1. Entre 16 de março e 31de dezembro de 2020 em razão da Portaria Conjunta n. 19/2020 foram liberados 12.385 presos.
  2. No mesmo período foram identificadas 11.082 ocorrências policiais envolvendo esses presos.
  3. 4187 presos foram responsáveis pela totalidade dos registros, o que significa que 33,65% dos presos liberados se envolveram em novos crimes.  Deles, 55,54% se envolveram em mais de uma ocorrência.
  4. Os crimes ocorreram em 450 municípios mineiros: significa que 52,94% dos município mineiro foram afetados pela soltura.
  5. Dentre esses crimes, 687 foram de violência doméstica incluindo lesões corporais, agressões,  estupro e estupros de vulnerável.
  6. Sobre homicídios,  houve 200 registros sendo 123 consumados e 77 tentados.  Nos consumados, os presos liberados foram vítimas  em 76 registros e autores em 43. Nos tentados, eles foram autores em 47 e vítimas em 70.  Com isso, vale dizer que isso mostra que a saída é perigosa até para os  próprios criminosos.
  7. Mesmo com o covid, entre os que não foram liberados mortes de  0,20% dos presos. 

 E aí, dá ou não pra fazer um prognóstico das próximas saídas?!

“Direito”  x  Sociedade

Uma saga bandidólatra e totalitária...

Nem sempre os artigos jurídicos devem ser dirigidos a juristas e operadores do Direito.  O Direito rege todos os aspectos da vida do indivíduo e da Sociedade como grupo.  Assim sendo, ele pertence ao Povo, que não pode ser afastado dele. Se ele tem sido usurpado de seu verdadeiro titular, queremos contribuir para quebrar esse círculo vicioso de usurpação, destruindo esse anel do mal que tudo faz para retornar ao Senhor do Escuro que, em suas várias formas, sempre pretende impor dominação à Terra Média: como diria Tolkien...  Começamos, assim, uma série de artigos curtos em que queremos explicar idéias e coisas que acontecem no Direito e que muito prejudicam ou prejudicarão o Povo. Eles servirão para despertar uma visão efetivamente crítica sobre certos assuntos – não aquela “visão crítica” de alguns... professores e outros doutrinadores que consiste em repetir dogmas, chavões e palavras de ordem impostas por eles, mas sim aquele que analisa contradições e desconexão com o mundo real.

Episódio n. 1: “Princípio do não retrocesso”

Por Adriano Alves-Marreiros*

(publicado originalmente no Diário do Observador e, depois, no saudoso Tribuna Diária)

Podia começar esta série com vários assuntos, mas escolhi um que, por vezes, consegue iludir até quem tem os olhos bem abertos, já que sua expressão é feita de forma muito sedutora: o tal “Princípio” do não retrocesso: afinal, quem quer retroceder, andar para trás, ser retrógrado?

Principiamos retrocedendo a uma pergunta inicial: o que seria retrocesso? 

Esse pretenso princípio costuma estar na boca das mesmas pessoas que entendem que “progressismo” é progresso: ambos misturados na mesma saliva que costumam usar para cuspir, por vezes literalmente, em quem deles discorda.

Notem que quando vão ser feitas leis ou emendas, costuma haver uma série de audiências públicas. Nessas audiências, alguns dizem que uma coisa é progresso e outras dizem que é regresso.  No final, o Poder Legislativo, ELEITO PELO POVO, define o que seria melhor segundo seus representantes.  O que seria progresso ou regresso acaba assim definido (nem sempre[1]) com base na vontade do povo, por meio das eleições e do debate legislativo surge a Lei ordinária, a lei Complementar, a emenda Constitucional...

Quando não é assim, ao Povo é negado o poder que dele emana...

E o que seria esse tal “princípio” do não retrocesso?

Não pretendemos fazer a análise aprofundada dessa questão. Daremos aqui a definição mais próxima do consensual adotada por aqueles “progressistas” que não desejam “retrocessos”. Quem desejar doutrina mais aprofundada sobre o assunto, pode pesquisar em artigos científicos, obras jurídicas ou, simplesmente, parar sua leitura por aqui: o que recomendamos em especial àqueles que costumam se horrorizar com a introdução de argumentos do mundo real ou de “meros detalhes” como a Sociedade.

Esse “princi?pio” consistiria na idéia de que o Estado, apo?s ter implementado um direito fundamental, na?o poderia retroceder, ou seja, na?o poderia voltar atrás na medida ou nas medidas que teriam efetivado essa implementação.  Lindo isso, né?  É só usar o “bom senso”... 

Curioso é que muitas vezes os aplicadores desse “princípio” se autodenominam, orgulhosamente, contramajoritários[2] (contrários à maioria do Povo) e até portadores da luz que poucos possuem.  Em síntese: “ter bom senso” significa “pensar luminosamente como eu” e, usando-se tal argumento, retrocesso poderia significar apenas “o que eu não acho bom”. 

Lembram do que falei sobre a série de audiências públicas em que uns dizem que uma coisa é progresso e outras dizem que é regresso e que os representantes eleitos pelo povo é que definem o que seria melhor: pois é. É Democracia.  Mas e se for inconstitucional? – Você poderia perguntar.  Se for inconstitucional, qualquer juiz em caso concreto (incidentalmente) pode considerar inconstitucional e o STF também pode considerar inconstitucional para todos os casos (controle concentrado). 

O problema é que esse tal “princípio” abre a possibilidade de qualquer coisa ser inconstitucional, dependendo apenas da vontade, da ideologia e até do humor do julgador, independente de violar ou não a Constituição: já que tudo viola a Constituição se quem julgar puder se basear apenas em seu achismo: e quando achar que é meio retrógrado. Entendeu? Um poder acima do escrito na própria Constituição, baseado no que não está escrito, um Princípio Ectoplásmico[3] (eles chamam de implícito[4]). Aí: só apelando pros Caça-Fantasmas.

Então, quem é mesmo que vai dizer se uma coisa é retrocesso ou progresso?  Quem julgar, e cada um julgará conforme suas convicções, já que não têm limite na Lei, nem na Constituição, mas apenas no suposto e fantasmagórico “princípio” que lhe permite dizer o que é retrocesso e o que é progresso ao seu gosto pessoal: FAZER O QUE QUISER, SEMPRE!  Mas não é só isso. Tem mais.  Infelizmente, você vai ter que me aturar mais tempo (ou desistir aqui) e pode ter certeza: o pior não será me aturar...

Vocês sabem o que é Cláusula Pétrea, Emenda Constitucional, Lei Complementar, Lei Ordinária, decreto do Presidente da República?

Cláusula pétrea é algo que está escrito na versão original da Constituição e que segundo previsto nesse texto original, não pode ser alterado nem por Emenda Constitucional. 

Emenda é uma alteração da Constituição e exige votos de 3/5 dos integrantes de cada casa legislativa em dois turnos (por duas vezes 49 no senado e 308 na Câmara).

 Lei Complementar exige maioria absoluta dos integrantes de cada casa (41 e 257 respectivamente),.

A Lei ordinária exige a maioria simples, que é a maioria estando presentes 41 no Senado e 257 na Câmara (21 senadores, 129 deputados).

A aplicação do famigerado “princípio” do não retrocesso permite que o STF dê status de Cláusula Pétrea, por exemplo, a algo que jamais passaria por emenda, mas que em uma madrugada com a presença de metade do congresso foi aprovada como lei ordinária por pouco mais de um quarto de cada casa...

E o que vc acha de permitir que um decreto do Presidente vire cláusula pétrea tão logo publicado.  Pior: de algum ex-presidente que tenha perdido a eleição inclusive por causa da linha seguida por seus decretos. Ou até mesmo uma portaria de um ministério...

Sim, com o “princípio” do não retrocesso, podemos imaginar em tese, só para argumentar, um Presidente fictício que solte medidas e decretos que desagradam a população por seu conteúdo ideológico e contrário ao interesse popular.  Na eleição seguinte o povo não elege seu candidato ao executivo nem lhe dá maioria no parlamento.  No entanto, se ele indicou muitos membros para os tribunais, nem o novo congresso eleito pelo povo poderá contrariar seus decretos se estes forem protegidos com o lamentável “princípio”, nem os decretos do novo presidente poderão revogá-los: e até portarias e ministros e autarquias poderão ser cláusulas pétreas, deixando o poder de emanar do povo que apenas observará seus votos serem inutilmente colocados na tal da  estranha urna eletrônica.

Dentre muitos falsos princípios, esse é, provavelmente, junto com o “axioma” “não há lei sem necessidade”[5], dogma proposto por Aquele Italiano que Não Deve Ser Nomeado, o que há de mais perigoso, um na esfera geral e um na penal...

Conclusão:

Resumindo: o tal “Princípio” do não retrocesso consiste, na prática, em uma forma de tirar todo o poder da escolha popular, deslegitimando o Legislativo e o Executivo, eleitos pelo povo e podendo perpetuar no poder uma ideologia que já tenha sido derrotada nas urnas, além de introduzir outras que jamais vingariam no país; pior, pode atingir qualquer aspecto legislado ou regulamentado; o que, em conjunto com o ativismo judicial mais tradicional, completa o ciclo de: exercer função legislativa e executiva e limitar ou impedir o exercício delas pelos Poderes legislativo e executivo. 

E aí, estaremos sujeitos àquela famosa hipótese de Aristóteles sobre o que pode acontecer com a Aristocracia...

Deus me proteja de mim,

E da maldade de gente boa,

Da bondade de pessoa ruim

Deus me governe e guarde ilumine e zele assim

(Chico César)

Hoje, 17 de fevereiro de 2024, faço uma homenagem àquele que faleceu ontem e mais que um tio, foi o Tião!!!

 

* Crux Sacra Sit Mihi Lux / Non Draco Sit Mihi Dux 
Vade Retro Satana / Nunquam Suade Mihi Vana 
Sunt Mala Quae Libas / Ipse Venena Bibas

(Oração de São Bento cuja proteção eu suplico)

 

*     Adriano Alves-Marreiros, 

Cronista, Cristão, Devoto de São Jorge, Vascaíno, Mestre em Direito e escritor.

[1] Mas isso pode custar caro nas eleições seguintes...

[2] Isso será assunto dos “próximos capítulos”.

[3] Ectoplasma é a substância da qual são feitos os fantasmas, segundo o filme  e o desenho Ghosbusters.  Leia o capítulo DAS ELEMENTARES ECTOPLÁSMICAS na obra Direito Penal Militar: Teoria Crítica e Prática.

[4] Mas só os clarividentes o vêem, hierofantes que são.

[5] Falaremos dele nesta série...

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