Estudo conduzido pela Embrapa Solos (RJ)
avaliou os impactos econômicos para agricultores que possuem uma
barragem subterrânea instalada em suas propriedades no Semiárido
brasileiro. Levando em conta o período de 18 anos analisado, entre 2006 e
2023, foi verificado um incremento anual médio de 375 Kg na produção,
que gerou uma renda excedente de R$ 7.361,10 por hectare para os
adotantes da tecnologia social em relação aos agricultores que não a
possuem em suas terras.
Já
o estudo de avaliação de impactos econômicos, sociais, ambientais e
institucionais da barragem subterrânea realizado pela Embrapa há muitos
anos, e cujos resultados são apresentados anualmente no seu Balanço
Social, apontou que a relação dos Benefícios e Custos (B/C) em 2023 foi
de 2,27, o que significa que cada R$ 1,00 investido pela Empresa nessa
tecnologia social gerou um retorno R$ 2,27 para a sociedade.
A
barragem subterrânea tem reconhecido sucesso no Semiárido brasileiro,
ao permitir a conversão de áreas secas e inaptas à atividade agrícola em
solos de produção rural agropecuária para agricultores familiares.
Atualmente existem cerca de 3.050 barragens subterrâneas construídas no
Semiárido nordestino, e o público-alvo dessa tecnologia tem em geral
propriedades de pequeno porte.
De acordo com Veramilles Aparecida Fae,
analista da Embrapa Solos e uma das autoras dos estudos, os impactos
econômicos das barragens subterrâneas foram avaliados sob dois itens: o
de incremento de produtividade e o de expansão de produção. “A
produtividade calculada no estudo de viabilidade econômica levou em
consideração um cenário de chuvas regulares, e a quantidade média do
excedente de produção do adotante da tecnologia foi obtido por meio de
dados históricos da avaliação econômica das barragens subterrâneas,
realizada anualmente pela equipe da Embrapa, entre os anos de 2006 e
2023”, explica a economista.
Ela
acrescenta que o preço médio da produção por quilograma estimado foi
calculado a partir de pesquisas realizadas em mercados locais,
verificando-se o comportamento de 78 itens de consumo possivelmente
produzidos pelos agricultores. “O estudo resultou na estimativa de R$
19,65 por quilograma, que multiplicados pela produção anual excedente,
de 375 Kg, resulta num benefício ou incremento anual médio de renda no
valor de R$ 7.361,10 para quem possui uma barragem subterrânea em sua
propriedade”, ressalta Fae.
O
método de tratamento dos dados da análise constituiu em avaliar o valor
do investimento realizado na obra de construção da barragem subterrânea
e o tempo necessário para recuperar esse investimento, utilizando
parâmetros de rentabilidade, em dois cenários diferentes. No primeiro
caso, com um valor inicial gasto pela família agricultora de R$ 20 mil,
com subsídios governamentais e de ONGs, e no segundo caso com o valor
inicial investido na obra de R$ 27 mil, para quem não contou com nenhum
subsídio.
Os
especialistas da Embrapa apontam que em todos cenários analisados, a
Taxa Interna de Retorno (TIR) foi maior que o índice oficial de inflação
do País, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o que demonstra
a viabilidade econômica do empreendimento, garantindo o retorno
econômico do valor investido a partir do terceiro ano, no caso dos
agricultores que contam com subsídios, e no quarto ano, para aqueles que
arcam com todos os custos da obra.
“Nos
aspectos econômicos, considerando os índices de avaliação de que
dispomos, podemos afirmar que a tecnologia se mostra atrativa e viável,
apresentando resultados positivos em todos os índices levantados”,
afirma o analista Igor Rosa Dias de Jesus,
supervisor do Setor de Gestão da Prospecção e Avaliação de Tecnologias
da Embrapa Solos, responsável pelos estudos de avaliação de impactos da
barragem subterrânea.
Ele
explica que a cadeia produtiva das regiões mais áridas do Semiárido
nordestino está fortemente ancorada na agricultura e na pecuária para
consumo humano e animal e venda do excedente em feiras agroecológicas
municipais. “O grande impacto proporcionado pela barragem subterrânea é a
habilitação para o cultivo de áreas que antes de sua instalação não
estavam disponíveis. Essa disponibilização das terras ao longo de quase
todo o ano apresenta impactos significativos nas localidades em que
essas barragens são instaladas”, acrescenta.
A
disponibilidade da água melhora também a qualidade dos solos e promove
recuperação de áreas do Semiárido que sofreram degradação, já que evita
que os nutrientes se percam por meio dos processos de erosão e de
lixiviação. Há ainda a valorização dos terrenos nos quais as barragens
subterrâneas estão instaladas, como aponta o estudo de avaliação de
impactos da tecnologia.
O que se produz nas áreas com barragem subterrânea
O
cultivo nas barragens subterrâneas avaliadas pelo estudo conduzido pela
Embrapa Solos e parceiros destina-se basicamente ao consumo próprio,
constando da produção de milho, feijão-comum, feijão de corda e fava,
macaxeira, batata-doce, cenoura, inhame, alface, cebolinha, beterraba,
coentro, alho, repolho, couve, quiabo, tomate, chicória, pimentão,
abóbora, chuchu, melancia, melão, acerola, goiaba, manga, mamão,
abacaxi, maracujá, graviola, caju, coco e cana-de-açúcar, além de capim e
palma forrageira, que são armazenados em silagem para alimentação
animal.
Fotos acima: Fernando Gregio
Com
a tecnologia em pleno funcionamento, cada família possui entre seis e
oito cabeças de gado, geralmente duas delas produzindo leite. As
galinhas e perus são em torno de 10 e 15 cabeças, porcos ou ovelhas de 5
a 10. “Em época de chuvas, a média tende a aumentar, fazendo com que
haja comercialização do excedente, como a venda de derivados de ovos e
leite.
Alguns
agricultores chegaram a contabilizar até 30 cabeças de gado e 50 aves. O
plantel de criação se altera de acordo com a intensidade da estiagem.
Em cenários mais secos, estima-se uma redução de 60% a 70% em relação a
períodos mais chuvosos. Há casos de agricultores que possuem apiários e
outros produzem e comercializam sementes crioulas de melancia, feijão e
outros grãos de cultivos regionais”, acrescenta Igor de Jesus.
Como funciona a barragem subterrânea
A
barragem subterrânea é uma tecnologia que consiste, basicamente, na
utilização de uma lona plástica que desce no solo a profundidades de 3 a
5 metros, em valas que são cavadas em regiões declivosas de áreas
agrícolas. Dessa forma, como a água não escorre para o lado a jusante da
barragem subterrânea por ficar retida antes da lona, o solo a montante
fica umedecido durante vários meses, tornando-se apto para o cultivo. É
construído também um sangradouro para quando ocorrem fluxos de água
acima do esperado, o que permite que esta água adicional seja acumulada
em poços construídos a montante da barragem subterrânea.
A
ideia dessa barragem é que, em áreas de instabilidade hídrica, como é o
caso do Semiárido brasileiro, a água das poucas chuvas que ocorrem
durante o ano fique estocada no interior do solo a montante da lona
instalada, de forma que a umidade do solo permita o cultivo durante três
a cinco meses após o período chuvoso, a depender das chuvas ocorridas
no ano. “Algumas barragens subterrâneas construídas em ambientes muito
propícios produzem durante todo o ano, inclusive em períodos de escassez
de chuvas”, afirma Albani Vieira da Rocha, coordenador executivo
do Centro de Desenvolvimento Comunitário de Maravilha (Cdecma), entidade
referência no território do Médio Sertão de Alagoas.
A
tecnologia é de domínio público, e as ações de pesquisa e
desenvolvimento (P&D) vêm sendo desenvolvidas desde a década de
1980, inicialmente pela Embrapa Semiárido (PE), dando origem ao seu
modelo atual com algumas inovações, a exemplo da utilização de lonas
plásticas, em vez de pedras e cimento. A partir de 2007, a Embrapa
Solos, por meio da sua Unidade de Execução de Pesquisa e Desenvolvimento
de Recife (UEP Recife),
iniciou o desenvolvimento de ações de P&D que têm contribuído com
estratégias de mitigação e adaptação da barragem subterrânea às mudanças
climáticas na região.
Projeto GuardeÁgua
O
estudo de avaliação de impacto, desenvolvido ao longo das últimas
décadas, aponta que as famílias agricultoras têm realizado o redesenho
de seus agroecossistemas a partir da barragem subterrânea, por meio de
atividades que os diversos projetos vinculados à tecnologia têm
proporcionado. Porém, o relatório do estudo salienta que essa tecnologia
social possui a constante necessidade de atuação de equipes
especializadas de técnicos que deem suporte aos agricultores que a
adotam.
Nessa
linha, a partir de uma demanda de agricultores e agricultoras
alagoanos, a Embrapa Solos e um conjunto de parceiros – como a
Articulação Semiárido Brasileiro (ASA Alagoas),
representada pelo Centro de Apoio Comunitário de Tapera em União a
Senador (Cactus), Centro de Desenvolvimento Comunitário de Maravilha
(Cdecma), Associação de Agricultores Alternativos (Aagra) e Instituto Terra Viva (ITViva); Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Alagoas (Faeal) e Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-AL) – elaboraram o Projeto GuardeÁgua,
cuja execução teve início em julho de 2023. O objetivo é codesenvolver e
aprimorar sistemas de manejo da água, do solo e de cultivos para
aumentar a sustentabilidade de agroecossistemas com barragem subterrânea
no estado de Alagoas, para fortalecer a reprodução social, econômica e
ecológica das famílias agricultoras do Semiárido alagoano, tornando-as
menos dependentes de políticas compensatórias.
Desde
2007, a UEP Recife da Embrapa Solos desenvolve pesquisas no Semiárido
do estado de Alagoas com agricultores experimentadores, rede de
parceiros da sociedade civil, governos e terceiro setor, visando
diminuir a fome e erradicar a pobreza por meio da tecnologia social
hídrica barragem subterrânea, que promove o aumento ao acesso e usos
múltiplos da água.
O
GuardeÁgua, cuja finalização está prevista para maio de 2026, está
sendo desenvolvido em comunidades difusas nos territórios do Baixo,
Médio e Alto Sertão de Alagoas, para e com agricultores que são
referência e constituem lideranças reconhecidas pelas comunidades, e que
serão os multiplicadores irradiadores das inovações tecnológicas
desenvolvidas.
“Contamos
com a consolidação e a participação ativa de uma rede sociotécnica que
está primando pela formação de capacidades locais, com planejamento e
implementação de estratégias para o fortalecimento de espaços solidários
com autogestão e protagonismo das famílias. Essa rede de instituições
prevê estratégias metodológicas, tecnológicas e práticas que irão
viabilizar a inclusão socioprodutiva das famílias participantes e das
comunidades onde elas se inserem”, detalha a pesquisadora da UEP Recife Maria Sonia Lopes da Silva, líder do projeto.
A
cientista ressalta que, além do investimento oriundo do Sistema Embrapa
de Gestão, o projeto está buscando captar recursos junto ao governo
federal, governo estadual de Alagoas e prefeituras, por meio de
programas sociais e de políticas públicas, além de emendas parlamentares
e fontes de fomento a projetos de pesquisa e desenvolvimento e de
parcerias com o terceiro setor.
Projeto foi demandado por agricultores
O
Semiárido alagoano abrange 38 municípios, constituindo-se numa região
caracterizada pelas frequentes ausências, escassez e alta variabilidade
espacial e temporal das chuvas, com média anual entre 400 mm a 800 mm, e
valores médios de evapotranspiração entre 1.400 mm a 1.500 mm.
Os
pesquisadores e técnicos envolvidos no projeto ressaltam que a
implantação de tecnologias sociais de captação e estocagem da água de
chuva para usos múltiplos tem aumentado muito nos últimos anos, por meio
de programas governamentais e de iniciativas individuais de
agricultores, buscando a inclusão socioprodutiva, a geração de renda e
de valor e a autonomia e dignidade das famílias agricultoras da região.
“A
barragem subterrânea é uma das tecnologias sociais hídricas já
validadas nas comunidades do Semiárido alagoano, mas alguns desafios
precisam ser enfrentados, principalmente em relação à seleção do local
adequado para implantação dessa tecnologia e ao uso e manejo da água, do
solo e de cultivos em suas áreas de plantio”, declara Maria da Paz
Souza Pimentel, coordenadora institucional do Cactus.
Maria
Sonia da Silva explica que a questão dos locais apropriados para a
construção das barragens subterrâneas a Embrapa resolveu em um outro
projeto, o ZonBarragem Alagoas, que elaborou e entregou ao governo do
estado, em 2019, oito mapas de áreas com potencial para barragem
subterrânea. “No início de 2020, a Embrapa Solos foi demandada por
agricultoras e agricultores da região, representados pelo Cactus, a
codesenvolver pesquisas para a definição de práticas agrícolas de base
ecológica, bem como a cocriação de ferramentas digitais para auxiliar na
definição de áreas potenciais à construção da referida tecnologia. Foi
essa demanda que originou a ideia do projeto GuardeÁgua”, ressalta
Flávio Adriano Marques, coordenador técnico da UEP Recife.
De acordo com Antônio Gomes Barbosa, coordenador do Programa P1+2 da
ASA, o alto risco de variações climáticas no bioma Caatinga é mais um
desafio que justifica a realização de estudos voltados às práticas de
estocagem da água no solo e aos cultivos apropriados, colaborando para a
inclusão produtiva das famílias agricultoras e a sua convivência com o
ambiente semiárido.
Fotos: Fernando Gregio
Leia mais aqui sobre o projeto GuardeÁgua.*
Acesse os vídeos da Embrapa sobre as barraginhas:
https://youtu.be/ayz9uhFTRrc
https://youtu.be/mU4b9d2J59M
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