domingo, 28 de janeiro de 2024

O Estreito de Áden ameaçado: a Europa não fará nada?

 

BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

O Estreito de Áden não pode ser um instrumento de chantagem permanente de um grupo armado fundamentalista aliado do Irã sobre as economias da Europa. Bruno Cardoso Reis para o Observador:


Quando Afonso de Albuquerque, no início do século XVI, procurou dominar o Oceano Índico com meios limitados, o brilhante e brutal estrategista apostou em controlar os estreitos de Malaca, de Ormuz e de Áden. São exemplos de pontos de estrangulamento da geopolítica global, estreitos e canais que são pontos de passagem quase obrigatória da navegação mundial, e que por isso são vitais para a segurança marítima e económica global. O Estreito de Áden é especialmente importante para a Europa.

A importância do Estreito de Áden

Entre 80 e 90% do comércio internacional é feito por via marítima. É a forma de transporte mais barata. A segurança marítima é, portanto, indispensável para a nossa segurança económica e energética, bem como para ajudar a conter a inflação. Ela é especialmente importante para os países europeus, como Portugal, historicamente muito dependentes do comércio externo, como grandes exportadores e importadores. O Estreio de Áden representa 15% do comércio mundial e 30% do transporte de contentores, o que é muito significativo. Mas, sobretudo, representa mais de metade do comércio entre a Europa e a Ásia, bem como a maioria da exportação de petróleo e gás dos países do Golfo Arábico para a Europa. A alternativa é a velha rota do Cabo que implica, no mínimo, mais 10 dias de viagem e maiores custos. Nas últimas semanas, com a ameaça mortal à segurança da navegação civil pelos ataques dos Houthis a partir do Iémen, o número de navios que transitam pelo estreito de Áden já caiu para menos de metade. É um precedente muito perigoso para a segurança marítima global, e, em especial, para a segurança económica da Europa.

Uma boa causa?

Os Houthis alegam que estão a atacar navios que se dirigem a Israel por solidariedade com Gaza. Mesmo que fosse verdade seria uma violação das leis da guerra, não se pode atacar deliberadamente alvos civis, seja em nome de que causa for, em terra ou no mar. Além disso, este grupo armado fundamentalista xiita aliado do Irão já estaria a preparar ações deste tipo, e os ataques têm sido indiscriminados, até um petroleio russo terá escapado por pouco. Só não causaram vítimas, para já, sobretudo graças à ação defensiva da marinha dos EUA e de um par de outros países. Há boas razões humanitárias e políticas para um cessar-fogo em Gaza, mas ceder à chantagem dos Houthis não é uma delas.

O Iémen – a par da Síria e da Líbia – é um dos exemplos de mudanças de regime que correram especialmente mal, durante as chamadas “Primaveras Árabes”, resultando no colapso do Estado e em guerras civis prolongadas. O regime teocrático fundamentalista do Irão aplicou aí a receita que tem usado por todo o Médio Oriente para expandir a sua influência: dividir para reinar, armar e financiar grupos armados em particular xiitas. Foi assim que os Houthis conseguirem controlar a parte norte do país, inclusive a capital. Estiveram à beira de perder o único porto que controlavam, mas a pressão da comunidade internacional para um cessar-fogo acabou por congelar o conflito antes disso. É também esse acordo de cessar-fogo que os Houthis estão agora a violar.

O que estamos a fazer?

Pouco ou nada. Há quem na Europa, inclusive em alguns governos, como o de Espanha, se não simpatiza com a ação dos Houthis, pelos menos opõe-se a que se faça algo eficaz e rápido para lidar com a ameaça. O governo de Madrid vetou o alargamento para esta região da missão naval europeia Atalanta. Seria o normal, visto que tem combatido com algum sucesso, um pouco mais a sul, a pirataria somali. Haverá, aparentemente, uma revisão do mandato de outra missão europeia no estreio de Ormuz, bem mais afastada. Mesmo nesses termos, a Espanha e outros países, recusam participar.

A prioridade atual de uma série de governos na Europa parece ser o reconhecimento do Estado independente da Palestina. O que seria uma ótima notícia, se correspondesse à realidade. Mas não passa de mais retórica vazia, que em nada alterará a realidade da ocupação israelita da Palestina e a dificuldade das partes em negociar uma paz durável. A seguir os europeus vão reconhecer o Tibete? Este tipo de postura só dá crédito à ideia, infelizmente com algo de verdadeiro, de que os europeus apostam em declarações bombásticas para esconder a ausência de ações eficazes.

O ministro italiano Antonio Tajani disse que esta crise no estreito de Áden é um teste à credibilidade da Europa da Defesa. E tem razão. Infelizmente, a União Europeia está a chumbar o teste. O último encontro dos ministros europeus dos negócios estrangeiros limitou-se a aprovar vagamente a ideia de uma missão na zona, mas deixou a decisão definitiva para a próxima reunião, como se não fosse algo urgente. O chefe da diplomacia da União, Josep Borrell, até veio declarar que não seria uma missão de combate! Mas então o que iriam os navios europeus fazer numa zona de conflito aberto? Demonstrar in loco a fraqueza e hesitações europeias? Parece que, no fundo, há quem tenha esperança de que a questão se resolva por si, ou por uma ação militar dos EUA.

E Portugal?

O nosso país tem na segurança marítima um interesse vital, inclusive pela dimensão da sua costa, por ser um país arquipelágico, pelo enorme espaço marítimo sob sua responsabilidade. Não é por acaso que desde o século XVII uma aliança sólida com a principal potência naval do Atlântico tem sido uma prioridade da política externa portuguesa. Devemos ter um papel ativo como coprodutores de segurança marítima, até para podermos legitimamente pedir ajuda aos nossos aliados se dela viermos a precisar. É fundamental que, em momentos chave como este, não fiquemos à margem, sem uma posição clara, sem uma participação efetiva, à escala dos nossos recursos, não apenas ao lado da União Europeia, mas também ao lado dos EUA, para conter a ameaça Houthi à segurança de navios civis e ao princípio da liberdade de navegação. E temos bem mais recursos navais do que, por exemplo, a Ucrânia, que tem conseguido manter a Rússia na defensiva no Mar Negro.

O Estreito de Áden não pode ser um instrumento de chantagem permanente de um grupo armado fundamentalista aliado do Irão sobre as economias da Europa. Isto exige um apoio efetivo à missão naval norte-americana. Isto exige uma missão naval europeia credível nos meios e no mandato. Isto provavelmente exigirá reforçar o apoio aos adversários do regime teocrático dos Houthis no interior do Iémen, inclusive o governo internacionalmente reconhecido do país, que condenou estas ações. No Médio Oriente, uma região propensa a conflitos armados e onde abundam os barris de pólvora, o espetáculo de uma Europa incapaz de defender os seus interesses vitais no estreio de Áden só reforçará o seu descrédito e reduzirá a sua influência. Espero que não acabemos todos a pagar um preço elevado por uma demonstração de fraqueza e de incapacidade da Europa de pensar e agir estrategicamente, sobretudo se os EUA se cansarem de resolver este tipo de problemas por nossa conta.

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