Por Felipe Kury
Nas últimas semanas, o Oriente Médio tornou-se o foco da atenção internacional em função dos ataques terrorista do Hamas à Israel, provocando um conflito de grandes proporções com potencial impacto em importantes atores no mercado mundial de petróleo.
Embora qualquer guerra no Oriente Médio seja uma ameaça potencial à segurança do abastecimento de petróleo, uma guerra que envolva um produtor da dimensão do Irã e/ou países do Golfo Pérsico, poderá ter implicações ainda mais profundas para o mercado global de petróleo. Certamente, nenhuma dessas implicações é positiva.
De fato, o setor pode enfrentar um risco significativo na oferta a depender da escalada dos conflitos. Entretanto, pelo menos por hora, em função dos recentes cortes na produção para manutenção dos preços de petróleo em patamares desejáveis pela OPEP+ (Organização dos Países Exportadores de Petróleo e aliados liderados pela Rússia) – na faixa de US$ 80 a US$ 90 – os principais produtores do grupo parecem estar mais bem equipados para resistir ao choque, se comparado com crises anteriores.
Desta forma, depois de reduzir a produção de petróleo para sustentar os preços, a Arábia Saudita e os seus aliados da OPEP+ dispõe de uma elevada reserva técnica de capacidade de produção de petróleo. De acordo com a EIA (US Energy Information Administration) é a maior capacidade ociosa em mais de uma década, estimada em cerca de 4 MM bpd (milhões de barris por dia), ou seja, aproximadamente 4% da oferta global.
Portanto, os países da OPEP+ buscam manter a produção de petróleo abaixo do consumo global. Com isto, esperam obter uma pressão ascendente sobre os preços, com o objetivo de aumentar a média para cerca de US$ 95 por barril em 2024. Isto posto, importante considerar que a guerra pode alterar significativamente as condições de oferta a depender da amplitude e duração do conflito – tudo indica que deve continuar intenso e, possivelmente, se agravar dependendo do envolvimento de outros países.
No momento, o principal ponto a observar é se o Irã vai se envolver direta ou indiretamente, especialmente em razão de o país deter o controle do chamado Estreito de Ormuz que, diariamente, escoa cerca de 17 MM bpd, o que representa 17% da demanda global (projeção OPEP 2023: 102 MM bpd) e cerca de 90% do petróleo do Oriente Médio que transita no Golfo Pérsico.
Outro acontecimento importante e que pode influenciar a oferta no médio/longo prazo, é que os EUA levantaram a maioria das sanções ao setor energético da Venezuela durante seis meses, abrindo, assim, caminho para exportações adicionais de petróleo bruto pesado que o país produz. Entretando, no curto prazo, em função de anos de subinvestimento e má gestão do setor no país, devem limitar o crescimento da produção de petróleo bruto a menos de 200 mil barris por dia (mbd) até ao final de 2024, exigindo mais tempo e investimento para crescimento adicional da oferta.
As importações de petróleo bruto dos EUA provenientes da Venezuela pararam pouco depois de janeiro de 2019, quando os Estados Unidos impuseram sanções à empresa petrolífera estatal Petróleos de Venezuela SA (PdVSA). Os EUA aliviaram essas sanções no fim do ano passado, proporcionando isenções à Chevron para que esta pudesse retomar a exportação de petróleo bruto das suas operações de joint venture na Venezuela para as refinarias da Costa do Golfo dos EUA, que foram reiniciadas no início de 2023.
Neste contexto, o mercado global de petróleo deverá permanecer extremamente tensionado, e ainda mais incerto em função dos conflitos no Oriente Médio. Espera-se que a Arábia Saudita cumpra as quotas de produção reduzidas que acordou com os seus parceiros do grupo OPEP+, pelo menos até o final do primeiro trimestre de 2024. Portanto, é pouco provável que OPEP+ aumente a produção de forma acentuada durante o resto do ano. Além disso, o mercado espera atingir um patamar de produção histórico, estimado em 102 milhões de barris/dia em 2023, e a procura global de petróleo deverá aumentar em cerca de mais 1,3 milhões de barris/dia em 2024.
O mundo já vinha enfrentando uma crise energética de grandes proporções, especialmente em função da guerra entre Rússia e Ucrania, desafios no controle da inflação e elevados preços da energia pós-pandemia com repercussão relevante na segurança e transição energética dos países. E, para agravar ainda mais, surge a guerra no Oriente Médio que está limitada a Israel, Faixa de Gaza e sul do Libano, ainda sem impacto direto na oferta de petróleo. Contudo, pode haver maior amplitude na região, afetando de forma significativa o mercado de energia no mundo.
Assim, pelo menos por enquanto, as principais agências de informações do setor esperam que os preços do barril de petróleo fiquem na faixa de US$ 80-100/barril com volatilidade elevada. Porém, se a guerra Israel-Hamas se transformar em um conflito regional e/ou ameaçar o escoamento do petróleo pelo Golfo Pérsico, o mercado deverá enfrentar uma jornada bem mais difícil, com muita volatilidade e forte elevação dos preços.
Em meio a tantas adversidades externas, o Brasil se encontra numa posição favorável para enfrentar os desafios do momento. Primeiro, por estar longe da região de conflito; segundo, por ser um exportador de petróleo em ascensão e com grande potencial de estar entre os cinco maiores produtores até 2030.
Somado a isso, o país possui uma enorme diversidade de fontes de energia renováveis e abundância de recursos naturais. Desta forma, o Brasil reúne muitos elementos que propiciam uma maior resiliência em relação aos impactos resultantes das guerras na Europa e no Oriente Médio no médio/longo prazo e, mais importante, pode contribuir para amenizar os efeitos da crise energética no mundo.
No entanto, no curto prazo, especialmente na hipótese de uma escalada nos conflitos, o Brasil, por ser importador líquido de derivados (principalmente diesel, gasolina, nafta, QAV e GLP), pode sofrer os efeitos adversos e indesejáveis, resultado de uma grande elevação dos preços do petróleo.
O momento requer cautela e urge uma compreensão mais ampla dos efeitos da crise, com a necessidade eminente em se estabelecer um plano de contingência nacional, evitando potenciais descontinuidade no suprimento de combustível e mitigando os efeitos das variações nos preços para o setor produtivo e para a sociedade. A grande pergunta é: estamos preparados? O governo, agências reguladoras e a Petrobras precisam assumir a liderança para garantir o abastecimento nacional, ampliando assim a segurança energética no país.
Felipe Kury é ex-diretor da ANP – Agência Nacional de Petróleo e Managing Partner na FK Energy Partners.
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