BLOG ORLANDO TAMBOSI
É chocante pensar que aqueles que se desenvolveram graças à democracia acham que a culpa da desigualdade do mundo é justamente da democracia. Leonardo Coutinho para a Gazeta do Povo:
Nada
menos que 40 países realizarão eleições em 2024. Mais de 40% da
população mundial estará diretamente envolvida nos processos eleitorais
deste ano que se inicia. Mas os impactos dos resultados das urnas serão
globais. A lista serve para nos lembrar que democracia vai além das
eleições e não é a única medida de sua saúde. Não faltam exemplos de
regimes autoritários que usam as urnas como uma fachada para legitimar o
que de fato são: ditaduras.
A
Rússia é de longe o mais bem acabado dos exemplos. Sob o comando de
Vladimir Putin, as eleições tornaram-se meras formalidades para a
manutenção de seu poder. Não há concorrência de fato ou nem sequer
liberdade de expressão. O jogo é jogado segundo as regras do dono da
bola. Além do simulacro eleitoral de Putin, o mundo assistirá a
processos tão ficcionais na Venezuela, Belarus e no Irã, para citar
apenas os casos mais esdrúxulos.
Os
chavistas adoram listar a overdose de eleições realizadas sob o regime
para refutar quem diz que falta democracia por lá. O presidente
brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, sempre que pode, reproduz o mesmo
discurso para justificar a legitimidade do regime herdado por seu
companheiro Nicolás Maduro.
Os
países que vão às urnas em 2024 têm ampla variedade de áreas, economia e
influência. Vão desde as ditaduras já citadas, passando por pontos
nevrálgicos no cenário geopolítico mundial como Taiwan, Índia e
Paquistão; caóticos como o Sudão do Sul e chegando aos estáveis Áustria,
Bélgica e Reino Unido. A eleição presidencial dos Estados Unidos será
aquela que chamará mais a atenção. Mas ela não deveria ser observada sem
o conjunto em disputa e as ameaças à crença na democracia e nos
sistemas eleitorais.
Ao
mesmo tempo em que Rússia, Irã, Venezuela e seus aliados, Cuba e
Nicarágua, usam suas eleições fajutas como escudo, eles trabalham para
minar a confiança na democracia. Em 2016, a Rússia fez isso com maestria
nos Estados Unidos, quando fez a imprensa e o establishment político
acreditarem que houve uma interferência suficientemente capaz de
intervir no resultado da eleição que levou Donald Trump ao poder.
Em
2020, quando Trump perdeu para Biden, Moscou fez o mesmo. Mas desta vez
para valer. Teleguiou a base tresloucada do republicano pelas teorias
do QAnon e plantou a semente da descrença nas instituições democráticas e
no Ocidente. A baderna que resultou na invasão do Capitólio em janeiro
de 2021 foi o resultado mais visível desse esforço das autocracias para
minar as democracias. Um levantamento da organização Freedom House
mostrou que 2023 foi o 17.º ano consecutivo em que a liberdade global
regrediu.
Parte
disso se deve aos ataques sistemáticos à liberdade de expressão – que é
um direito essencial para o pleno funcionamento da democracia e que
antecede as eleições, direito a votar e ser votado. Restrições à
liberdade de imprensa, regulamentações on-line e medidas contra o
discurso de ódio estão ultrapassando os limites do remédio e estão se
tornando veneno. Enquanto de um lado parcelas significativas das
sociedades ocidentais demonstram insatisfação crescente com o
funcionamento atual da democracia, de outro quem não vive sob as regras
democráticas quer exportar para o mundo o seu modelo de governança e
vida.
É
chocante pensar que aqueles que se desenvolveram graças à democracia,
nos Estados Unidos e Europa, acham que a culpa da desigualdade do mundo é
justamente da democracia. Estão acreditando que a “democracia” é coisa
de elite e que mantém os pobres cada vez mais pobres e os ricos cada vez
mais ricos. Parece piada, mas é real. Assim como ditadores querem dizer
que não existe uma democracia apenas, mas várias – a tal democracia
relativa. Abusam da evidente pluralidade dos regimes democráticos para
tentar traficar seus regimes como sendo modelos locais de democracia. A
China trabalha duro com essa teoria, comprando corações e mentes.
Em
2024, guerras e conflitos afetarão as transições. Os ucranianos
deveriam realizar eleições no primeiro trimestre, já que o mandato de
cinco anos de Volodymyr Zelensky terminará em maio. Muito dificilmente
isso ocorrerá e os russos usarão a anomalia para demonstrar como a
Ucrânia é antidemocrática. Vejam só...
Os
impactos geopolíticos e econômicos das eleições servirão de parâmetro
para entender a reorganização do mundo com a redistribuição de poderes
entre China e Estados Unidos. Um teste para a eficácia dos esforços de
Xi Jinping na captura de aliados pelo mundo, frente à capacidade dos
Estados Unidos nos seus esforços de esvaziar a influência chinesa. Sem
exagero algum, o resultado das urnas em 2024 definirá o mundo por muitos
anos.
Feliz ano novo em um mundo novo.
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