domingo, 5 de novembro de 2023

Combate contra Hamas não legitima os crimes de guerra de Israel em Gaza


Relatora da ONU critica países por não pedirem cessar-fogo em Gaza

Tem de haver um cessar´fogo imediato na Faixa de Caza

Demétrio Magnoli
Folha

Gilad Erdan, embaixador de Israel na ONU, prendeu a seu paletó uma estrela de Davi durante o discurso que pronunciou na sessão do Conselho de Segurança de 30/10. O gesto valeu-lhe uma admoestação de Dani Dayan, presidente do Yad Vashem, o Museu do Holocausto em Jerusalém. Dayan lembrou que o símbolo alude “ao desamparo dos judeus” exterminados pelo nazismo e registrou a impropriedade do paralelo implícito.

O antissemitismo puro e duro nega o Holocausto. O antissemitismo maroto, difundido por intelectuais que perderam um sentido mínimo de decoro, prefere uma tática mais “sofisticada”: acusar Israel de reeditar a Alemanha nazista promovendo um “genocídio” dos palestinos. Erdan talvez quisesse responder à acusação absurda, mas acabou desnundando o que há de pior no governo de Netanyahu: a manipulação do Holocausto como justificativa do injustificável.

BANALIZAÇÃO DO MAL – Desde as atrocidades do 7/10, o atual governo de Israel habituou-se a identificar o Hamas ao nazismo. A banalização do mal absoluto serve ao propósito propagandístico de descrever a guerra contra o Hamas como um confronto existencial, o que propiciaria um álibi para circundar as leis de guerra.

O Hamas é uma organização abominável que perpetrou centenas de assassinatos bárbaros de civis indefesos, inclusive crianças, a sangue-frio e fora de um contexto de combate.

Mas seu objetivo programático de eliminar o Estado judeu não se aproxima, nem de longe, do extermínio real de milhões de judeus nas câmaras de gás do nazismo. O Yad Vashem existe precisamente para ensinar a singularidade do Holocausto.

GUERRA DE VINGANÇA – Dayan recomendou a Erdan portar a bandeira de Israel. O embaixador representa um Estado, não os judeus europeus colhidos na fúria degenerada de Hitler. Estados têm direito à autodefesa, o que abrange a destruição militar do aparato governamental e bélico do Hamas. Não podem, entretanto, como faz o governo de Netanyahu, invocar a “ira” para promover uma guerra de “vingança”.

O Tribunal Penal Internacional (TPI) abriu investigação sobre os atos do Hamas e de Israel. Os crimes da organização terrorista estão à vista de todos: sequestro de civis, uso de reféns para propaganda de guerra, uso de civis palestinos como escudos humanos, lançamento aleatório de foguetes contra cidades israelenses.

O combate contra um inimigo sórdido não legitima, porém, a sanguinária punição coletiva imposta aos palestinos de Gaza. Israel precisa ser submetido a uma régua mais rigorosa que o Hamas justamente por ser um poder estatal.

CRIME DE GUERRA – O bloqueio quase completo de entrada de ajuda humanitária, alegadamente para forçar a devolução dos reféns, forma um crime de guerra de primeira magnitude.

A Quarta Convenção de Genebra admite mortes inevitáveis de civis no curso dos combates, mas não concede um passaporte para matar.

A BBC provou que Israel atacou zonas específicas indicadas como refúgios seguros para os habitantes de Gaza. Na guerra, admite-se a transferência provisória de civis para afastá-los de linhas de tiro, mas nunca a limpeza étnica. Contudo, um documento do Ministério da Inteligência de Israel sugere a remoção definitiva da população de Gaza.

AUSCHWITZ – O avô do embaixador Erdan pereceu no campo de Auschwitz. Honrar sua memória é, antes de tudo, abster-se de usar o nome de Auschwitz para justificar violações flagrantes do direito humanitário.

O ombudsman teima em ocultar as investigações sobre a explosão no hospital de Gaza em 17/10 alegando, puerilmente, a ausência de “verdades definitivas”.

Mas o leitor da Folha merece conhecer a verdade provisória disponível aos leitores do Guardian, do NYT, do Washington Post, da BBC e da Economist: a hipótese mais provável é que a tragédia resultou de foguetes errantes lançados a partir de Gaza. Nem tudo que acontece são crimes de guerra israelenses.

 

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