Cada vez mais a esquerda iliberal se crê autorizada a empregar todo e qualquer meio, solapando a ordem jurídica e o processo democrático para impor seus fins messiânicos. Editorial do Estadão - no alvo:
Está
em curso uma campanha, em boa parte promovida pelos integrantes do
Executivo, de discriminação e no limite criminalização das pautas de
direita, como se a disputa entre progressistas e conservadores fosse uma
batalha existencial da civilização contra a barbárie.
A
pretensão do PT ao monopólio do bem e da verdade é constitutiva.
Expoentes da direita sempre foram demonizados como “fascistas” e
“inimigos do povo”. Mesmo a outros progressistas a oferta do partido se
resume à vassalagem ou à apostasia. Toda crítica é desmoralizada como
conspiração das “elites”. Ainda hoje o partido exige reparações pelo
“golpe” do Legislativo e do Judiciário em Dilma Rousseff e por sua
“perseguição política” a Lula e outros “guerreiros do povo brasileiro”
flagrados em tramoias antirrepublicanas, como no mensalão e no petrolão.
O
jihadismo esquerdista encabeçado pelo lulopetismo frequentemente foi
propagado por setores que, marcados, por razões históricas e
sociológicas, por uma hegemonia progressista, funcionam como sua caixa
de ressonância, como a academia, redações ou a chamada classe artística.
Na última geração, a intolerância maniqueísta das vanguardas da “luta
de classes” foi inflamada pelas pautas identitárias da nova esquerda.
Para
a esquerda iliberal, as responsabilidades individuais são dissolvidas
em “estruturas” de opressão. Nesse estado de espírito paranoico, não
basta não ser racista, misógino, homofóbico; quem não é ostensivamente
“anti”, quem não milita pela causa, quem não faz rituais de expiação
pelo mero fato de ter uma determinada cor de pele, pertencer a um gênero
ou ter uma orientação sexual é desmoralizado como uma peça da máquina
de opressão. A política é submetida a emoções tribais e quem questiona a
pureza ideológica dos redentores deve ser disciplinado, punido ou mesmo
eliminado do debate público por tribunais midiáticos e campanhas de
“cancelamento”.
Considerem-se
alguns debates recentes, como a exploração de novas fronteiras
petrolíferas, a demarcação de reservas indígenas ou a legalização do
aborto. Em todos esses casos, não há uma disputa inequívoca entre o bem e
o mal, mas zonas de conflito entre bens juridicamente tutelados. No
caso da exploração de petróleo na Margem Equatorial, por exemplo, há uma
equação entre riscos ambientais e ganhos socioeconômicos; no caso das
reservas indígenas, entre os direitos dos povos originários e os de
proprietários (muitas vezes indígenas aculturados) de boa-fé; no caso do
aborto, entre a autonomia das mulheres e a vida do nascituro. Além do
mérito, há a questão da competência para arbitrar esses conflitos, por
exemplo, entre o Legislativo e o Judiciário.
Mas
os progressistas iliberais se creem portadores de verdades absolutas e
condutores da História legitimados a empregar quaisquer meios para a
consumação de seus fins. O mero questionamento é denunciado como
“violência”. A reação em defesa de direitos plausivelmente legítimos é
anatematizada como reacionarismo. As teses de quem advoga por explorar
as riquezas do petróleo, por garantir as propriedades de agricultores ou
por preservar a vida do nascituro não são meramente objetadas, com base
na Constituição, em função de supostas lesões a direitos do meio
ambiente, dos indígenas ou das mulheres, mas recriminadas como ataques
de predadores desalmados.
Isso
exprime uma visão da vida pública típica de um Estado confessional, do
tipo que o liberalismo veio a superar com a instauração do Estado
Democrático de Direito e o princípio de que o progresso humano deve ser
conquistado por debates, negociações e reformas. A direita iliberal
representa uma ameaça a esse marco civilizacional, como se viu no 8 de
Janeiro. Mas, ao equiparar todos os seus críticos a “extremistas” dignos
de serem alijados da vida pública, a esquerda iliberal também é uma
ameaça, não tanto pelos seus ideais, em princípio tão legítimos quanto
os de seus adversários, mas pelos seus métodos: a intimidação, a
censura, a ruptura, a imposição. Numa democracia, essa intolerância é
intolerável.
Postado há 1st October por Orlando Tambosi
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