domingo, 1 de outubro de 2023

Haddad mentiu! Ameaça da OCDE por causa do Carf não existiu em carta citada por ele

 



Haddad nem precisava ter mentido; foi bobeira, mesmo

Alexa Salomão
Folha

Desde que assumiu, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defendeu publicamente a importância do voto de desempate no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). Em seus discursos, no entanto, carregou nas tintas para pintar o cenário sem o instrumento. Haddad disse inúmeras vezes que o Brasil poderia ser barrado na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) se não tivesse o voto de desempate, e sempre detalhou que tal risco havia sido registrado em carta da organização enviada ao governo brasileiro.

A mencionada carta, no entanto, em nenhum trecho diz que ter ou não ter o instrumento faria diferença na avaliação para o ingresso do Brasil na OCDE.

PODER DE DECISÃO – O voto de desempate garante à Fazenda o poder de decisão em julgamentos administrativos sobre conflitos tributários. Foi extinto pelo Congresso em 2020, mas restituído pelos parlamentares no fim de agosto, após o périplo de Haddad que alertou que, sem o instrumento, a União perdia parte importante da arrecadação e precisava dos recursos.

Haddad citou a carta da OCDE em diferentes momentos. Falou do assunto para congressistas em audiência pública em maio, por exemplo.

“A OCDE já mandou carta para a gente. Nós vamos suspender o processo de adesão na OCDE, porque nós vamos ter problemas com uma regra administrativa dessa”, disse, na ocasião. Na segunda-feira (25), quando relembrou a batalha para restituir o voto de desempate, Haddad voltou a citar a carta.

HADDAD MENTIU – “É uma coisa que a OCDE chegou a mandar uma carta para a gente dizendo o seguinte: ‘Se mantiver essa regra, nós não vamos mais discutir a entrada do Brasil na OCDE’. Uma carta formal, que foi endereçada a todos os parlamentares no Congresso Nacional. E nós conseguimos reaver o chamado voto de qualidade”, afirmou aos presentes. Voto de qualidade é o jargão para se referir ao voto de desempate no Carf.

A carta, enviada em 31 de março ao ministro Haddad, é assinada pela diretora da OCDE para políticas tributárias, Grace Perez-Navarro — ou seja, ainda antes de o Congresso rever a decisão.

De fato, o documento traz críticas ao funcionamento do Carf, mas o texto deixa claro que a manifestação é uma resposta a uma solicitação da própria Fazenda, não um alerta do órgão.

DISSE A OCDE – Após descrever a composição e o funcionamento do Carf, com base em dados apresentados pelo ministério, a diretora destaca, no texto: “O alto volume de casos no Carf, o grande valor de impostos sujeitos a disputas no Carf, bem como o longo tempo que esses casos levam para ser resolvidos por meio do processo de recurso administrativo antes de realmente chegarem à revisão judicial, levantam questões sobre a eficiência e integridade do atual processo de recurso administrativo tributário no Brasil”.

“Você solicitou nossa opinião sobre o Carf e que também fornecêssemos a perspectiva da prática e experiência internacional sobre essa questão. Com base em sua solicitação, iniciamos uma análise comparativa preliminar das diferentes abordagens de revisão administrativa em todo o mundo.”

Na análise, Perez-Navarro pontua problemas, como o peso de juízes leigos e de representantes do setor privado, os riscos de conflitos de interesse, os mecanismos para protelar decisões, e conclui que a volta do voto de desempate seria mais adequada à realidade local.

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