domingo, 1 de outubro de 2023

Governo vai mobilizar ministros para desarmar bombas fiscais no Judiciário

POLITICA LIVRE
brasil

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quer aprimorar o monitoramento de riscos fiscais judiciais para evitar que surpresas indesejadas vindas de sentenças contrárias à União voltem a pressionar as contas públicas no futuro.

A ideia é unir diferentes áreas do Executivo em uma força-tarefa para fazer esse mapeamento antes de as ações chegarem a um desfecho incontornável de condenação, gerando uma fatura extra para a administração pública.

Órgãos jurídicos do governo já fazem esse acompanhamento hoje, mas não de forma transversal. A proposta da atual gestão é promover maior integração e até envolver ministros na tarefa de desarmar bombas que representem uma ameaça ao planejamento fiscal.

Um exemplo prático recente é a atuação do ministro Luiz Marinho (Trabalho), com representantes da AGU (Advocacia-Geral da União) e do Ministério da Fazenda, no diálogo com ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre os impactos de eventual decisão desfavorável à União no julgamento sobre a revisão do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).

Futuramente, o plano é identificar o tempo que uma decisão transitada em julgado —quando não cabem mais recursos— leva para se materializar nas contas públicas, conforme o tipo de impacto: precatório, elevação permanente de despesa ou redução da arrecadação. Isso ajudará a estimar com maior precisão os valores a serem contabilizados no Orçamento nos próximos anos.

A estratégia de maior integração começou a ser traçada em janeiro, quando Lula assinou um decreto criando o Conselho de Acompanhamento e Monitoramento de Riscos Fiscais Judiciais.

O colegiado é formado pelos ministros Jorge Messias, da AGU (Advocacia-Geral da União), Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento).

O trio é assessorado por uma câmara técnica, formada por representantes das três pastas envolvidas. O conselho também pode convidar especialistas de outros órgãos para participar das reuniões e oferecer subsídios às deliberações.

O colegiado já teve três reuniões, duas delas virtuais, e traçou um plano com dez ações a serem conduzidas até junho de 2024.

“Além de olhar para frente, a criação do conselho põe na mão dos ministros a decisão estratégica de atuar, chamar os ministérios setoriais, a Caixa Econômica, ou outros atores”, afirma à Folha a procuradora-geral da Fazenda Nacional, Anelize de Almeida.

“O segundo passo é quando a derrota judicial da União se concretizou. Não é mais um risco, é uma perda. Como resolver esse problema? O conselho deixa a decisão das duas soluções, seja do risco, seja da perda via precatório, mais transversal.”

O risco judicial é um componente relevante para a trajetória fiscal do país.

No PLDO (projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024, o governo informou a existência de R$ 1 trilhão em ações com “risco provável”, selo que indica maior probabilidade de perda. Há valores ainda mais significativos na classificação de “risco possível”, mais distante.

Nem todo esse impacto se materializa de forma imediata, mas, pelos montantes envolvidos, uma pequena parcela dessa fatura já tem potencial de gerar um baque nas contas do país.

Em 2021, o então ministro Paulo Guedes (Economia) classificou de “meteoro” a expansão da despesa com precatórios de R$ 54,4 bilhões naquele ano para R$ 89,1 bilhões em 2022.

A pressão acabou desaguando na proposta que ficou conhecida como PEC do Calote —cujos efeitos a equipe de Haddad tenta agora reverter.

“Fico imaginando se esse comitê ministerial existisse de 2020 para 2021, quando a conta de precatórios apareceu em um crescimento exponencial. O conselho de ministros é o local ideal para decidir qual é o caminho estratégico que o governo vai tomar”, diz Almeida.

Embora tenha sido criado em janeiro, o conselho ainda está na fase inicial dos trabalhos. Um primeiro relatório deve ser concluído nos próximos dias para exibir um panorama da situação atual.

Porém, o trabalho de articulação já tem fornecido subsídios para a atuação do governo. Os técnicos analisaram os dados de precatórios e concluíram que, do valor total das obrigações em estoque, em média 60% são principal e 40% são encargos para pagamentos dentro do primeiro ano.

“À medida que o tempo vai passando, essa proporção vai invertendo. No terceiro ano, isso já vira 40% de principal e 60% de juros. Isso é caro para o Estado brasileiro”, diz a titular da PGFN.

Até junho de 2024, os ministérios terão uma série de tarefas a cumprir. A lista inclui identificar as causas que têm provocado impacto fiscal em virtude de decisões judiciais e avaliar a oportunidade de alterações legislativas que reduzam o custo das ações —o que inclui os acordos de transação, recentemente fortalecidos com a nova lei do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais).

GOVERNO VAI LANÇAR MANUAL PARA PADRONIZAR RISCOS JUDICIAIS FISCAIS
O governo também pretende lançar, em junho de 2024, a 1ª Edição do Manual de Gestão de Riscos Judiciais Fiscais, para uniformizar procedimentos dentro do governo.

“Falta uma linguagem comum entre os diversos órgãos que participam dessa construção. O que é risco fiscal judicial para a Procuradoria-Geral da União é diferente daquilo que a PGFN entende, daquilo que a Secretaria do Tesouro e a Secretaria da Receita Federal entendem. Todo mundo fala um idioma diferente”, explica o advogado-geral da União substituto, Flávio Roman.

Segundo ele, até mesmo as métricas de risco judicial que estão nas LDOs anuais seguem interpretações distintas adotadas pelos órgãos. Por isso, a padronização por meio do manual é considerada essencial.

“Talvez uma dívida só deva ficar no anexo fiscal depois que ela transitar em julgado. Ali eu tenho clareza de quanto eu devo, para quem eu devo e como eu vou pagar. A gente estava colocando o cara que ingressa com uma ação, que, no Brasil, leva às vezes 15 anos para se encerrar”, diz Roman.

Para ele, o número hoje reflete muito mais um “palpite do que pode vir a ser”. O refinamento dessa metodologia de cálculo de impacto será uma das tarefas do conselho.

GOVERNO PEDE AO STF DERRUBADA DE LIMITE DE PAGAMENTO DE PRECATÓRIOS
O que fez a PEC dos Precatórios?

Aprovada no fim de 2021, a proposta foi uma iniciativa da gestão Bolsonaro para criar um limite anual para o pagamento de dívidas judiciais
A exemplo do mecanismo do teto de gastos, o texto tomou como base o valor repassado a essas sentenças em 2016 e previu sua atualização pela inflação do período
O montante excedente é adiado para pagamento nos anos seguintes, formando uma espécie de fila de dívidas —que cresce à medida que novos valores surgem a cada ano
O que motivou a proposta?

Em meados de 2021, o governo Bolsonaro precisava enviar a proposta de Orçamento de 2022, ano de eleição presidencial, e turbinar o Auxílio Brasil (substituto do Bolsa Família)
Os planos foram atravessados por um “meteoro” de R$ 89 bilhões em dívidas judiciais, como chamou o então ministro Paulo Guedes; o valor era quase 64% maior do que os R$ 54,4 bilhões programados para 2021
A regra vale por quanto tempo?

O primeiro ano de vigência da nova regra para precatórios foi 2022 Como resultado, o governo adiou R$ 21,9 bilhões em dívidas judiciais
A emenda constitucional diz que o limite vale até o fim de 2026
O que acontece após o fim do prazo, em 2027?

O sucessivo adiamento de dívidas judiciais pode gerar uma verdadeira bola de neve, segundo análise do próprio governo
O Tesouro Nacional alerta para o risco de uma bomba superior a R$ 250 bilhões em precatórios acumulados a serem pagos pela União em 2027
Como o governo Lula pretende resolver o impasse dos precatórios?

A AGU (Advocacia-Geral da União) protocolou no STF (Supremo Tribunal Federal), na segunda-feira (25), um pedido para declarar a inconstitucionalidade do teto de precatórios e dos instrumentos de “encontro de contas” que permitem o uso de dívidas judiciais para abater débitos com a União
Qual a estratégia para regularizar os pagamentos?

A principal medida para resolver o estoque acumulado de precatórios, estimado em cerca de R$ 95 bilhões, bem como o fluxo futuro desses pagamentos, prevê classificar os encargos que corrigem o valor original dos precatórios como despesas financeiras (categoria ligada ao serviço da dívida pública), o que deixaria essa parcela do gasto fora do alcance do novo arcabouço fiscal e da meta de resultado primário (que desconsidera despesas com juros da dívida)
O estoque represado até o momento também seria pago via crédito extraordinário, que fica igualmente livre do limite de gastos vigente para 2023
O que dizem os críticos à iniciativa?

Especialistas chamam de contabilidade criativa o plano de dividir os precatórios em principal e juros
Economistas dizem não entender os juros de precatórios como despesa financeira, porque decorrem de uma despesa primária; logo, não haveria o envolvimento de uma operação de crédito
Parte dos economistas diz que não consegue fazer estimativas precisas para traçar nenhum cenário por falta de dados; principal e juros de precatórios, historicamente, ficam consolidados

Idiana Tomazelli/Folhapress

 

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