domingo, 1 de outubro de 2023

Defeito de Lula é a enganação. Ele promete uma coisa, mas faz outra, totalmente diversa



Lula discursa na ONU

Lula foi obediente e leu o discurso todo, sem improvisar

Carlos Alberto Sardenberg
O Globo

O discurso do presidente Lula na Assembleia Geral da ONU foi sucesso de público e crítica. Como conseguiu? Começa pela redação. Foi escrito por profissionais da diplomacia, que sabem colocar as palavras adequadas para agradar às plateias amigas e guardar neutralidade em relação às outras. Retórica, claro, mas a diplomacia se faz assim.

Não é preciso expor planos detalhados. Bastam intenções. E, sobretudo, não é o palco para brigas locais — aqui vai a grande diferença entre Lula e Bolsonaro. O ex-presidente comportou-se na mesma Assembleia Geral como se estivesse numa discussão de rua com desafetos. Lula não caiu nessa. Não improvisou, leu o discurso todo. Foi um alívio.

TEMAS OPORTUNOS – Mas não é apenas a comparação que favoreceu o presidente. A escolha dos temas caiu como uma luva. O que se discute hoje no mundo? Clima, crescimento econômico com mais igualdade, programas de resgate das populações vulneráveis, solução para conflitos regionais, desequilíbrios geopolíticos, governança global.

O discurso de Lula passeou por aí. À maneira diplomática: apontando o problema, indicando caminhos, reclamando dos outros, especialmente dos países ricos. Apareceram agendas alimentadas há décadas pela política externa brasileira, como a busca de um papel de equilíbrio entre as nações em desenvolvimento e as potências, econômicas e militares.

Muita gente por aqui entendeu que, assim, Lula se apresentou como liderança mundial – algo que ele busca ostensivamente. Aí fica mais difícil. Precisa ir além de um bom discurso. Precisa do exercício prático da liderança naqueles diversos assuntos, o que depende de como o presidente trata desses temas em seu próprio quintal.

VISÕES OPOSTAS – Mudanças climáticas, por exemplo. O Brasil tem a Amazônia, um ativo e um enorme problema. Há um esforço de conter o desmatamento, mas não uma política de longo alcance.

O petróleo da Margem Equatorial. Os minérios enterrados em áreas amazônicas. Qual a política do governo? Explorar ou deixar tudo enterrado? Há visões totalmente opostas dentro do governo. E não se trata de questão local. O presidente não pode se apresentar ao mundo como campeão da energia renovável e, ao mesmo tempo, mandar explorar o petróleo da Foz do Amazonas.

Há até um argumento que tenta combinar as duas posições. Algo assim: precisamos do dinheiro do petróleo para usá-lo no financiamento de novas modalidades de energia. Muitos governantes pensam assim: sujar para limpar depois.

COM QUE DINHEIRO? – Se descartada essa linha, resta outra questão: como promover a melhoria de vida das populações amazônicas? Moradia sustentável, renda, internet, escolas — como prover isso tudo? Se perguntarmos a Marina Silva, uma estrela na Assembleia da ONU, ela terá respostas. Mas nada, até agora pelo menos, garante que se tornarão políticas nacionais.

Parece mesmo que, no núcleo do governo, muita gente se dará por satisfeita com o controle do desmatamento e maior proteção aos povos indígenas.

Mas, quando se olha para as políticas de desenvolvimento, tem muita coisa velha e geradora de carbono: refinarias de óleo e indústria automobilística. Há incentivos para aquela do motor a combustão, nada para os elétricos.

GEOPOLÍTICA, AGORA – Lula até que disfarçou seu antiamericanismo endógeno, mas colocar o Sul global como um bloco? Não faz sentido. O presidente apresentou o Brics como modelo de nova organização mundial. Depois atacou as potências nucleares, cujo dinheiro aplicado em bombas é retirado de programas de desenvolvimento. Ora, três membros fundadores do Brics são nucleares, Rússia, China e Índia. Tudo bem?

Tem mais. O presidente pode falar em garantia dos territórios nacionais sem um reparo sequer à Rússia, notória invasora?

E democracia? O presidente se apresenta como o líder cuja eleição recuperou a democracia. Ok. Mas como pode, ao mesmo tempo, condenar os regimes arbitrários de direita e apoiar as notórias ditaduras ditas de esquerda? A retórica tem limites.

 

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