Com o revisionismo histórico da prisão de Lula, Dias Toffoli lança as piores suspeitas sobre o Supremo, como se fosse órgão instável, parcial e submisso aos ventos políticos do momento. Editorial do Estadão:
Diz-se,
com inteira razão, que todos os cidadãos têm de respeitar o Judiciário e
cumprir suas decisões. O funcionamento livre da Justiça é aspecto
essencial do Estado Democrático de Direito. Mas infelizmente, algumas
vezes, parece que o Judiciário se esforça para não ser respeitado, para
não ser levado a sério, para ser visto como um órgão político, submisso
às circunstâncias do poder do momento.
Na
quarta-feira, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli
aproveitou o ensejo de um despacho – no qual anulou todos os atos da
Justiça tomados a partir do acordo de leniência firmado pela Odebrecht –
para fazer um revisionismo histórico. Segundo ele, a prisão do
presidente Lula foi um dos “maiores erros judiciários da história do
País”; “uma armação fruto de um projeto de poder de determinados agentes
públicos em seu objetivo de conquista do Estado”; “uma verdadeira
conspiração com o objetivo de colocar um inocente como tendo cometido
crimes jamais por ele praticados”; “o verdadeiro ovo da serpente dos
ataques à democracia e às instituições”.
De
fato, a Justiça, depois de um longo vai e vem, entendeu que o princípio
da presunção da inocência impede o início da execução da pena antes do
trânsito em julgado. De fato, a Justiça, depois de longos anos, entendeu
que a 13.ª Vara Criminal Federal de Curitiba não era competente para
julgar os casos envolvendo Lula, anulando as condenações correlatas.
Mas
nada disso obnubila a obviedade mais cristalina. De uma forma ou de
outra, com mais ou menos intensidade, o STF participou de todos esses
atos, tanto os que conduziram Lula à prisão como aqueles que o tiraram
de lá. E igualmente se pode dizer dos atos que retiraram a elegibilidade
de Lula e dos que a devolveram. Se, como disse Toffoli, os processos
contra Lula foram “uma verdadeira conspiração com o objetivo de colocar
um inocente como tendo cometido crimes jamais por ele praticados”, o STF
participou integralmente dessa conspiração.
Não
há nenhum problema em que a Justiça corrija seus erros. Na verdade, é
seu dever primário. Mas que o faça em tempo razoável e, principalmente,
de forma honesta, sem politizar os assuntos. No entanto, quando Dias
Toffoli profere uma decisão como a de quarta-feira, produz-se uma grave
inversão. As revisões da Justiça, que deveriam servir para fortalecer a
confiança no Poder Judiciário – explicitando que não há compromisso com o
erro –, perdem seu caráter pedagógico, gerando a impressão contrária.
Para a população, parecem confirmar-se seus piores temores: uma Justiça
parcial e instável, preocupada em estar alinhada com os ventos da
política.
O
habeas corpus de Lula foi impetrado no Supremo em 2018. Se eram tão
graves e evidentes os elementos indicando a parcialidade do juiz, por
que houve tanta demora em seu julgamento? No caso da decisão pela
incompetência do foro, o Judiciário tardou sete anos. Toda essa história
é longa e tem muitos aspectos. Mas os fatos não podem ser negados. Por
causa dessa flagrante incompetência da Justiça – no sentido corriqueiro
do termo: a incapacidade de aplicar o Direito em tempo razoável e de
forma estável –, os casos contra Lula prescreveram, os indícios de
corrupção reunidos perderam sua serventia processual e o mérito dos
processos nunca foi julgado por um magistrado competente e imparcial,
como deveria ter ocorrido.
As
palavras de Dias Toffoli devem servir, por contraste, de alerta a todo o
Judiciário; em especial, ao STF. Respeitem o cidadão e sua memória. A
Justiça tem de ser funcional. Ninguém deseja – não é isso o que prevê o
Estado Democrático de Direito – um Judiciário voluntarista, instável,
histérico ou politizado.
Fala-se
que o STF, por ser o órgão de maior hierarquia do Judiciário, tem o
direito de errar por último. A afirmação é um tanto cínica, a
desprestigiar o próprio Supremo. Na verdade, nenhum órgão estatal tem o
direito de errar. De toda forma, tenha ou não esse direito, é mais que
hora de reconhecer que o STF tem abusado da possibilidade de errar.
Postado há 3 weeks ago por Orlando Tambosi
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