O progressismo de Soros e Abramovay concentra energias em outros temas: a agenda cultural (na concepção ampla do termo), especialmente no que diz respeito a raça, gênero, drogas e “direitos humanos.” Gabriel de Arruda Castro para a Gazeta do Povo:
Uma
das figuras mais influentes do debate público brasileiro nos últimos
anos circula entre autoridades e é amigo de famosos, mas continua
desconhecido para a grande maioria do público. Pedro Abramovay,
recentemente alçado
ao posto de vice-presidente da poderosa Open Society Foundations,
construiu sua carreira tentando tornar o Brasil um país mais próximo do
que os progressistas dos Estados Unidos desejam para a própria nação. Em
certa medida, ele tem conseguido.
Filho
do sociólogo e professor da USP (Universidade de São Paulo) Ricardo
Abramovay, Pedro nasceu na capital paulista em 1980. Ele estudou no
tradicional colégio Santa Cruz e cursou Direito na mesma universidade em
que o pai lecionava. Lá, foi coordenador do Centro Acadêmico 11 de
Agosto. As conexões do pai e os vínculos políticos formados no movimento
estudantil ajudaram: quando se formou, em 2002, ele já era assessor do
gabinete da então prefeita de São Paulo, Marta Suplicy.
Pedro
Abramovay tem pesadelos até hoje com sua passagem pela Faculdade de
Direito mais tradicional do Brasil o motivo: o machismo. “Uma parte
significativa do meu machismo — e todos os dias eu tento me livrar dele —
eu adquiri na Faculdade de Direito da USP. Sério. Difícil descrever o
nível de machismo daquele lugar e ainda hoje me assombra pensar como eu
era conivente com isso", ele escreveu, quase duas décadas depois de se formar.
A
passagem pela prefeitura paulistana não durou muito. Pedro Abramovay
chegou a Brasília junto com Luiz Inácio Lula da Silva, que tomou posse
pela primeira vez em 2003. Aos 23 anos, o jovem passou a ser assessor
jurídico da liderança do governo no Senado. Seu chefe era Aloizio
Mercadante (PT-SP).
Outro
nome do PT paulista, José Eduardo Cardozo, foi quem o levou para o
governo federal: Abramovay foi assessor especial do Ministério da
Justiça, secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e
Secretário Nacional de Justiça. Foi a sua indicação para este cargo que o
trouxe mais perto dos holofotes. Também por isso ele foi obrigado a pedir demissão
pela primeira vez. Abramovay declarou, em entrevista ao jornal O Globo,
ser favorável à descriminalização das drogas não apenas para os
usuários mas também os pequenos traficantes. A essa altura ele acabara
de ser indicado por Cardoso para chefiar a Secretaria Nacional de
Políticas sobre Drogas. Acabou sem o novo cargo e sem o antigo também.
Em
2017, Abramovay concluiu um doutorado em Ciência Política pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O tema da tese: o processo de
aprovação do Marco Civil da Internet, do qual ele participou enquanto
estava no governo. A passagem mais interessante da publicação é a
dedicatória, em que Abramovay revela não conseguir deixar a militância
de lado nem mesmo quando faz uma declaração de amor à esposa: “Essa
aliança, forjada no amor, que a gente construiu, se consolida no desejo
mútuo de lutar, juntos, por um mundo mais justo e solidário” anotou,
logo após agradecer a companheira por cuidar da filha pequena para que
ele se dedicasse ao doutorado.
Depois
de deixar o governo, Abramovay ocupou um cargo de direção na Avaaz
(organização que promove petições online a favor de causas de esquerda) e
deu aula na Fundação Getúlio Vargas antes de ingressar na Open Society,
em 2013. Na organização fundada pelo bilionário George Soros, ele chefiou o escritório para a América Latina e o Caribe.
Imagem de arquivo datada de 31 de janeiro de 2012 mostra Pedro Abramovay (à direita), então diretor de Campanhas da Avaaz, apresentando ao líder de Sani Isla, Patricio Jipa, os resultados da solicitação de apoio à comunidade, de cerca de 850.000 pessoas de todo o mundo que aderiram a uma campanha na internet que pedia ao então presidente do Equador, Rafael Correa, que não houvesse exploração de petróleo no território da comunidade indígena, na Amazônia equatoriana. EFE/José Jácome
Agora,
dez anos depois, em meio a uma reestruturação no comando da Open
Society, Pedro passou a ser um dos três vice-presidentes da entidade.
Agora, ele vai ajudar a desenhar a estratégia global da entidade, que
teve um orçamento de US$ 1,5 bilhão [R$ 7,4 bilhões na cotação atual] em
2021.
Pauta importada
A
agenda progressista é, com frequência, confundida a causa socialista.
Mas há diferenças importantes. Para os progressistas, o objetivo não é a
expropriação dos meios de produção e a instalação de um regime que
centralize a gestão da economia.
Na
verdade, o próprio Soros, nascido na Hungria, fomentou a oposição aos
soviéticos no leste europeu. Abramovay, por sua vez, já criticou
o regime da Venezuela. “Um regime autoritário que deve ser condenado
por quem preza pelo respeito aos direitos humanos”, ele escreveu, em
2018.
O
progressismo de Soros e Abramovay concentra energias em outros temas: a
agenda cultural (na concepção ampla do termo), especialmente no que diz
respeito a raça, gênero, drogas e “direitos humanos.”
“Pedro
Abromavay que jamais escreveu qualquer coisa realmente original em toda
sua vida”, afirma Eduardo Matos de Alencar, doutor em Sociologia,
presidente do Instituto Arrecife e autor do livro De quem é o Comando.
Para ele, a agenda vendida (ou comprada) pela Open Society no Brasil
destoa da tradição da esquerda brasileira — mesmo a esquerda acadêmica,
que tende a ser mais aberta a novidades intelectuais.
“Há
algo de artificial nisso. Temas tradicionalmente caros para a academia
brasileira como desigualdade, pobreza, mundo do trabalho, cultura
popular e mesmo participação democrática têm ficado cada vez mais
esquecidos”, analisa.
Alencar
enxerga o advento do "capitalismo woke" como um marco da aproximação
entre a elite empresarial (da qual George Soros é parte) e grupos
militantes à esquerda. Há não muito tempo, Soros seria visto como um
vilão — o bilionário que fez fortunas com especulação financeira e agora
tenta influenciar governos. Hoje, ele é tido como um aliado porque abre
o cofre para financiar ONGs mundo afora.
Não
há nada que possa parar uma ideia cujo tempo chegou, diz a frase
atribuída (de forma imprecisa) ao francês Victor Hugo e citada por
políticos de tempos em tempos. A função de Pedro Abramovay na Open
Society Foundations é fazer esse tempo chegar. Como? Injetando dinheiro e
mais dinheiro e organizações que as defendam.
Sob
a supervisão de Abramovay, a Open Society aplicou centenas de milhões
de reais no Brasil nos últimos anos (apenas em 2021, foram R$107 mihões).
Grande parte dos recursos vai para organizações que promovem a
liberação das drogas, o abrandamento das penas a criminosos, a
legalização do aborto e a promoção da agenda LGBT e a “defesa dos
direitos humanos.”
Os
critérios, entretanto, não parecem se aplicar de maneira uniforme. Os
mais de mil presos pelos atos de 8 de janeiro — muitos dos quais nem
chegaram perto da Praça dos Três Poderes — não receberam apoio das
entidades financiadas pela Open Society. Neste caso, a defesa do
desencarceramento sumiu de cena.
“A
diferença de tratamento é clara: se o grupo supostamente perseguido for
alinhado ideologicamente com essas instituições, elas prestam total
apoio. Se forem grupos com pensamentos diversos do progressismo
financiado pela Open Society, não há qualquer apoio”, critica o advogado
Ezequiel Silveira, que representa alguns dos presos no 8 de janeiro.
Conflitos de interesse
A
participação ativa da fundação em território nacional aumentou a
influência de Abramovay e gerou situações delicadas — embora, por não
serem públicos, os recursos possam ser distribuídos como a Open Society
bem entender.
Desde 2017,
o Instituto Clima e Sociedade recebeu aproximadamente R$ 15,3 milhões
da Open Society. Por sua vez, o Instituto repassou R$ 4,2 milhões ao
Imaflora, uma ONG que tem Ricardo Abramovay — pai de Pedro — como
presidente do seu conselho diretor.
Ricardo
Abramovay também já participou de pelo menos um evento do Instituto
Update, que recebeu R$ 2,7 milhões da Open Society desde 2017.
A
Open Society também doou cerca de R$ 5 milhões ao governo do Maranhão
em 2020, durante a pandemia. À época, o governador do Estado era Flávio
Dino, atual ministro da Justiça. A organização de George Soros financiou
ainda o Instituto Marielle Franco, comandado pela hoje ministra da
Igualdade Racial, Anielle Franco. No ano passado, Dino e Anielle
compareceram ao lançamento de um livro escrito por Abramovay (na
ocasião, o homem forte da Open Society demonstrou ser uma pessoa ousada
ao vestir uma espalhafatosa camiseta florida num evento noturno a 12 mil
quilômetros do Havaí.)
A
quarta capa do livro tem apresentações de Lula e Fernando Henrique
Cardoso. Abramovay pode não ter ideias originais. Mas ele certamente
sabe fazer amizades.
Metamorfose da esquerda
A
trajetória de Abramovay é reveladora da mudança pela qual a esquerda
brasileira passou nas últimas duas décadas. Tendo conseguido o seu
primeiro emprego graças ao PT —- fundado por operários e com uma forte
ligação com um braço Igreja Católica —, ele ajudou a mover foco de
assuntos econômicos para outros temas, como a liberação das drogas e do
aborto, o “desencarceramento”, a agenda LGBT e o combate ao "racismo
estrutural." Uma cópia da esquerda americana.
Em 2008, por exemplo, Abramovay publicou um artigo defendendo que o STF legalizasse o aborto. O argumento é construído sobre referências dos Estados Unidos. Em 2012, em outro artigo,
o alvo era a proibição das drogas. Na visão dele, proibir o consumo de
entorpecentes como o crack fere a democracia. “O desenvolvimento e a
implementação das atuais políticas de drogas produzem sérios danos à
democracia, não apenas (...) pela falta de accountability possível em
uma política pública que se constrói na lógica da guerra e não na busca
dos objetivos realizados, mas, como se verá, pela supressão que se faz
da possibilidade de debate público no tema”, ele afirmou. Sem explicar
bem o porquê nem analisar os argumentos a favor da proibição, ele
escreveu que "a insensatez da política de drogas atinge diretamente a
garantia a direitos fundamentais.”
Credenciado
pelo currículo e pelo diploma de doutor, Pedro Abramovay distribui
opiniões todo o tempo, sempre com convicção. A mesma convicção de quem
um dia sustentou que um assassino era um homem inocente. “Cesare
Battisti não matou ninguém. Tenho essa convicção. Eu li o processo todo.
De cabo a rabo. Várias vezes”, disse ele em 2017.
Abramovay
não foi apenas um espectador nesse caso: ele foi um dos responsáveis
diretos pela decisão em que o então ministro da Justiça, Tarso Genro,
concedeu refúgio a Battisti.
Em
2019, entretanto, o italiano confessou ter cometido quatro assassinatos
quando atuava em um grupo terrorista de esquerda. Até Lula, que
raramente faz mea culpas em púbico, disse estar arrependido. Pedro
Abramovay se disse
“decepcionado” por ter sido “enganado” por Battisti, mas em seguida
insistiu que a Justiça da Itália — que já vivia sob um regime
democrático — “era claramente carregada de perseguições políticas.”
Compositor amador
Enquanto
desencarcerava terroristas e tenta assegurar o direito ao uso de
entorpecentes, Pedro Abramovay achou tempo para dar vazão ao seu lado
artístico. Ele escreveu e produziu um álbum em parceria com o irmão
Juliano, que é músico profissional. O disco combina construções
melódicas interessantes com letras carregadas de ideologia. Por exemplo:
uma das músicas, gravadas pelo ex-titã Paulo Miklos, ensina que um
homem pode ser mulher e vice-versa:
“Ela faz xixi em pé
Ele é dono de casa
Ele adora ir no balé
Ela conserta o que vaza”
(,,,)
"Somos mais que cromossomos
Cada um é o que quiser
Somos mais que cromossomos
Ela é homem, ele é mulher"
A música alcançou 67 visualizações em quatro anos no YouTube.
Aliás, Abramovay trabalhou com Manoela Miklos, filha do cantor, na Open Society. Amizades.
O
insucesso musical não deve abalar Abramovay. Na sua ocupação principal,
ele tem resultados a apresentar. Em 2011, foi demitido de um governo de
esquerda por ser a favor da liberação das drogas. Em 2023, quando ele
assume a vice-presidência da Open Society, o Supremo Tribunal Federal caminha para legalizar a maconha.
Na lista de amicus curiae ouvidos na ação, aparecem sete entidades
financiadas pela Open Society (Viva Rio, Instituto Brasileiro de
Ciências Criminais, Instituto de Defesa do Direito de Defesa, Instituto
Sou da Paz, Conectas Direitos Humanos, Iniciativa Pública por uma Nova
Política sobre Drogas e Instituto Terra, Trabalho e Cidadania).
O
que não conseguiu no governo, Abramovay deve conseguir pela via
judicial. E, se depender dele, é apenas o começo. “Restringir apenas a
maconha é muito limitado. No caso de outras drogas, é fundamental que
não se trate mais usuários como criminosos”, ele escreveu, logo após o
voto do ministro Alexandre de Moraes.
A
Gazeta do Povo procurou a Open Society com perguntas sobre a atuação de
Pedro Abramovay. Em nota, o diretor global de Comunicação da Open
Society, Mark Arena, afirmou que "a carreira profissional de Pedro
Abramovay tem sido consistentemente marcada pela defesa da democracia e
dos direitos humanos." Segundo Arena, o período em que ele esteve à
frente do programa para a América Latina e o Caribe foi marcado pelo
enfrentamento aos efeitos da pandemia e o combate às fake news, ao
feminicídio e à violência policial contra os mais vulneráveis. "Temos
orgulho de anunciar sua nomeação como nosso vice-presidente de
programas".
Postado há 3 weeks ago por Orlando Tambosi
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