A vocação de Dino para o exibicionismo não combina com a discrição que o cargo exige. É tempo de zelar pelo Direito, e não transformar tudo num espetáculo político. Editorial do Estadão:
Pelo
teor de suas manifestações, Flávio Dino não entendeu o que significa
ser ministro da Justiça, tampouco as responsabilidades e os limites que o
cargo impõe. Trata-se de uma pasta de especial relevância
institucional, com papel fundamental no funcionamento do Estado
Democrático de Direito, a exigir equilíbrio e contenção do titular. O
Ministério da Justiça é responsável, no âmbito do Executivo federal,
pela defesa da ordem jurídica, dos direitos políticos e das garantias
constitucionais.
No
entanto, Flávio Dino age como se fosse um animador de auditório. Opina
sobre tudo. Na segunda-feira, pôs-se a discorrer sobre as eleições em um
país estrangeiro. Depois do resultado das primárias na Argentina, o
ministro da Justiça do governo Lula pontificou que, “em eleições, os
monstros de extrema direita só chegam ao poder quando o centro e os
liberais caminham com as aberrações”.
Dias
depois, sem esperar o resultado das investigações – dando a entender
que elas são desnecessárias para a formação das convicções do ministro
da Justiça –, Flávio Dino afirmou haver “direta relação entre o
desespero golpista e o comércio criminoso de joias milionárias” de Jair
Bolsonaro, isto é, houve “uma tentativa de golpe monetizado”. E
acrescentou: “Acima de tudo e de todos, estava o vil metal – Mamom – e
não Deus ou o Brasil”.
O
caso das joias envolvendo Jair Bolsonaro é escandaloso, a suscitar
veemente indignação e a demandar rigorosa investigação. Mas o comentário
de Flávio Dino não condiz com o papel de ministro da Justiça no Estado
Democrático de Direito. Existe o princípio da presunção de inocência, e o
titular da pasta da Justiça deve ser o primeiro a respeitar o
mandamento constitucional, sem emitir juízos com as investigações ainda
em andamento.
Ao
agir da forma como vem atuando, Flávio Dino faz o oposto que o seu
cargo exige. O ministro da Justiça deve contribuir para que o Executivo
federal atue dentro dos limites e critérios estabelecidos pelo
ordenamento jurídico: moldar a política pelo Direito. No entanto, Flávio
Dino parece trabalhar para que o Direito – incluindo o Judiciário e as
instituições auxiliares da Justiça – esteja moldado e seja visto pelas
lentes da política. Prejudicial em qualquer circunstância, isso é
especialmente grave nos dias de hoje, quando parcela considerável da
população nutre desconfianças sobre a isenção e independência do
Judiciário.
Em
vez de contribuir para serenar os ânimos – por exemplo, cuidando para
que as instituições de Estado não sejam envolvidas em questões
político-partidárias –, Flávio Dino parece obstinado em alimentar a
equivocada impressão de que o Judiciário é uma grande arena política.
Essa
contaminação política é também especialmente danosa quando envolve a
Polícia Federal (PF). Anos atrás, em 2016, quando o então ministro da
Justiça do governo Temer, Alexandre de Moraes, antecipou a realização de
operações da PF no âmbito da Lava Jato, justamente na véspera da prisão
do ex-ministro petista Antonio Palocci, dissemos neste espaço que o
titular da pasta não tinha mais condições de permanecer no cargo.
“Vocação para o exibicionismo não combina com a discrição que o cargo de
ministro da Justiça exige” (ver o editorial Um ministro insustentável, do dia 28/9/2016).
Rigorosamente
o mesmo se pode e se deve dizer agora sobre o atual ministro da
Justiça. Flávio Dino também antecipou passos da PF em investigação que
corre sob segredo de justiça. No fim de julho, após divulgar a
realização de um acordo de delação premiada com um dos suspeitos de
envolvimento no assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, o
ministro da Justiça disse haver “outros fatos novos que vão surgir nas
próximas semanas”.
Depois
do que o País viveu nos últimos quatro anos, especialmente após o 8 de
Janeiro, é tempo de zelar pelo Direito e pelas instituições de Estado.
Em vez de fazer do Ministério da Justiça um grande espetáculo que
converte tudo o que toca em política eleitoral, que tal trabalhar para
que a Constituição seja mais conhecida e respeitada por todos?
Postado há 3 weeks ago por Orlando Tambosi
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