A discussão de Mises está contida em “As razões do fascismo”, uma seção do primeiro capítulo de Liberalismo, “Os fundamentos da política econômica liberal”. David Gordon para o Instituto Mises:
“Fascista”
hoje em dia é pouco mais do que um termo ofensivo para os oponentes e
não tem valor cognitivo, mas a seguir o usarei em um sentido preciso,
para designar um apoiador do regime instaurado por Benito Mussolini na
Itália. Nesse sentido, Ludwig von Mises era um fascista ou um
simpatizante do fascismo? A pergunta à primeira vista parece absurda e,
de fato, devo argumentar que é; Mises era um defensor do livre mercado,
da liberdade e das relações internacionais pacíficas, em contraste com a
economia controlada pelo Estado e a violência do ditador italiano.
Apesar
de tudo isso, alguns historiadores responderam afirmativamente à nossa
pergunta, e o principal deles é Perry Anderson, um formidável estudioso
marxista. No ensaio “The Intransigent Right at the End of the Century”,
que apareceu na London Review of Books em setembro de 1992 e tem sido
frequentemente referenciado desde então, Anderson diz sobre Mises que:
“não
havia defensor mais intransigente do liberalismo clássico no mundo de
língua alemã dos anos XX... [mas] olhando além da fronteira, ele podia
ver as virtudes de Mussolini. Os camisas-negras haviam, para o momento,
salvado a civilização europeia pelo princípio da propriedade privada; ‘o
mérito que o fascismo conquistou com isso viverá eternamente na
história’”.
Anderson
cita com precisão o Liberalismo de Mises, mas distorce completamente a
visão de Mises. Mises oferece nesse livro uma crítica penetrante ao
fascismo italiano, e somente extraindo a frase citada de seu contexto, e
distorcendo seu significado, Anderson foi capaz de retratar Mises como
um apoiador de Mussolini. A seguir, tentarei explicar a visão de Mises
sobre o fascismo, conforme ele a expõe no Liberalismo. Ao fazer isso,
fui precedido pelo grande historiador Ralph Raico, que abordou o tópico
em um ensaio de brilho característico, “Mises on Fascism, Democracy, and
Other Questions”, mas seu relato tem uma ênfase diferente da minha.
A
discussão de Mises está contida em “As razões do fascismo”, uma seção
do primeiro capítulo de Liberalismo, “Os fundamentos da política
econômica liberal”. Mises afirma que a chegada ao poder dos “partidos da
Terceira Internacional” – ou seja, os partidos comunistas controlados
pela Rússia soviética – mudou a natureza da política europeia para pior,
de uma forma que nem mesmo a Primeira Guerra Mundial fez. Antes de os
comunistas chegarem ao poder, a influência das ideias liberais impunha
padrões de contenção às forças autoritárias.
Antes
de 1914, mesmo os inimigos mais obstinados e ferozes do liberalismo
tiveram de resignar-se a aceitar muitos dos princípios liberais, sem
contestação. Mesmo na Rússia, onde uns poucos raios do liberalismo
haviam penetrado, os defensores do despotismo czarista, ao perseguirem
seus oponentes, tinham, ainda assim, de levar em conta as opiniões
liberais da Europa. Durante a Grande Guerra, as partes em conflito das
nações beligerantes, mesmo com todo o zelo, tiveram, ainda assim, de
usar de certa moderação na luta contra a oposição em sua terra (p. 73).
(Todas as citações subsequentes são do Liberalismo). As coisas mudaram quando os comunistas chegaram ao poder.
Os
partidos da Terceira Internacional consideram permissíveis quaisquer
meios, desde que lhes pareçam úteis na consecução de seus objetivos.
Quem não reconhecer, incondicionalmente, todos os seus ensinamentos como
os únicos corretos e a eles não se conformarem com toda a lealdade, a
seu juízo, sujeita-se à pena de morte. Não hesitam em exterminá-lo e a
toda a sua família, inclusive as crianças pequenas, quando e onde for
fisicamente possível. (p. 73).
Chegamos
agora a uma parte do argumento de Mises que é crucial para entender sua
opinião sobre o fascismo. Ele diz que alguns oponentes do socialismo
revolucionário pensaram que haviam cometido um erro. Se ao menos
estivessem dispostos a matar seus oponentes revolucionários,
desrespeitando as restrições do estado de direito, teriam conseguido
impedir a tomada do poder pelos bolcheviques. Mises claramente associa
os fascistas a esses “nacionalistas e militaristas” e diz que eles
estavam enganados. O socialismo revolucionário é uma ideia, e apenas a
melhor ideia do liberalismo clássico pode derrotá-lo.
O
que distingue a tática política liberal da do fascismo não é uma
diferença de opinião relativa à necessidade de usar a força armada para
resistir a atacantes armados, mas uma diferença na consideração do
fundamento do papel da violência na luta pelo poder. O grande perigo que
ameaça a política interna na perspectiva do fascismo reside na sua
total fé no decisivo poder da violência. Para assegurar o êxito, deve-se
estar imbuído da vontade de vencer e de sempre proceder de modo
violento. É este o mais alto princípio. O que ocorre, porém, quando um
adversário, de modo semelhante, animado pelo desejo de tornar-se
vitorioso, também age de modo violento? O resultado é, necessariamente,
uma batalha, uma guerra civil. O vitorioso final, a surgir desse
conflito, será a facção mais numerosa. A longo prazo, a minoria, mesmo
que composta dos mais capazes e enérgicos, não pode resistir à maioria.
Por conseguinte, permanece sempre a questão decisiva: como obter a
maioria para o seu próprio partido? Esta, entretanto, é uma questão
puramente intelectual. É uma vitória que somente poderá ser obtida,
utilizando-se as armas do intelecto, nunca a força. A supressão de toda
oposição pela violência é o caminho mais inadequado para ganhar adeptos
para uma causa. O recurso à força bruta (isto é, sem justificativa, no
que concerne aos argumentos intelectuais aceitos pela opinião pública)
simplesmente faz com que se ganhem novos amigos entre aqueles que se
tenta combater. Numa batalha entre a força e a ideia, esta última sempre
prevalece (pp. 75-76).
Mises não tem utilidade para a política doméstica fascista, e sua política externa não é melhor.
Não
merece maiores considerações o fato de que a política externa do
fascismo, baseada no reconhecido princípio da força nas relações
internacionais, não pode deixar de causar uma série de conflitos
internacionais que, necessariamente, destruirão toda a civilização
moderna. Para manter e aumentar o atual nível de desenvolvimento
econômico, deve-se assegurar a paz entre as nações. Porém, estas não
podem viver em paz, se o princípio básico da ideologia que as governa
for a crença de que somente pela força se pode assegurar, para si, um
lugar na comunidade das nações (pp. 76-77).
Mas
e a frase citada por Perry Anderson? O mérito que Mises atribui ao
fascismo italiano é que ele salvou a Itália de uma tomada comunista, que
teria resultado na aplicação de métodos bolcheviques de extermínio. É a
esse respeito, afirma Mises, que “salvou a civilização europeia” e
conquistou para si um mérito que “viverá eternamente na história”. Mises
não afirma que apenas os fascistas poderiam ter detido os comunistas;
sua afirmação é que os fascistas de fato o fizeram. (Este é um assunto
que tem despertado muita controvérsia entre os historiadores; para outra
defesa da visão de Mises, veja o artigo de Ralph Raico citado
anteriormente).
Ao
arrancar uma frase de seu contexto, Anderson converteu uma condenação
do fascismo em uma defesa dele. É como se alguém fosse chamado de
simpatizante do comunismo porque escreveu que "o comunismo soviético
conquistou a glória eterna ao salvar a Europa da barbárie nazista",
embora o escritor fosse um forte crítico do comunismo. Na verdade, essa é
exatamente a visão de Mises, como os leitores de Governo Onipotente
devem se lembrar.
Postado há 3 weeks ago por Orlando Tambosi
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