Em um país com péssimo desempenho nas disciplinas fundamentais, como português e matemática, a politização da sala de aula pode prejudicar o aprendizado de disciplinas básicas em favor de um conteúdo fortemente ideológico. Gabriel de Arruda Castro para a Gazeta do Povo:
Cada
vez mais estados e prefeituras têm implementado uma “educação
antirracista” em suas redes de ensino. O avanço desse tipo de currículo é
problemático: embora seja razoável que o combate ao preconceito faça
parte do conteúdo escolar, a forma como o tema é apresentado segue a
cartilha da esquerda radical.
O
ponto de partida da abordagem “antirracista” é a crença na existência
do “racismo estrutural” (ou “institucional”). Em vez da abordagem
convencional, que busca promover a igualdade e combater o preconceito, a
agenda “antirracista” pretende demonstrar que a sociedade brasileira é
racista por essência. Mesmo que já não houvesse indivíduos racistas,
seria preciso combater a “estrutura” que discrimina negros e índios.
Além
de trazer para a sala de aula termos importados diretamente da esquerda
acadêmica, a promoção desse tipo de conteúdo tem um efeito colateral
preocupante: em um país com péssimo desempenho nas disciplinas
fundamentais, como português e matemática, a politização da sala de aula
pode prejudicar o aprendizado de disciplinas básicas em favor de um
conteúdo fortemente ideológico.
Sem “Dia do Índio” nas escolas
O governo do Espírito Santo diz ser “pioneiro”
na adoção de um programa educacional com foco nas “relações
étnico-raciais”. O Executivo estadual costuma promover oficinas para
incentivar os professores a adotarem desse tipo de conteúdo em sala de
aula.
Além
disso, o governo lançou no ano passado uma espécie de cartilha sobre o
tema para professores da rede pública. Nela, até mesmo a celebração do
Dia do Índio é alvo dos militantes radicais a serviço do governo
estadual.
Na
publicação capixaba, o vilão é o “racismo estrutural”, descrito como “o
conjunto de práticas institucionais e relações sociais, econômicas e
políticas que privilegiam um grupo étnico em detrimento de outro.”
Em
tom acusatório, o material traz uma lista de artistas brancos que
usaram o “blackface” (pintaram o rosto para interpretar algum personagem
negro). Estes artistas, segundo a cartilha, praticaram “racismo
recreativo.”
O
documento chega a afirmar que a ideia de que o Brasil é uma democracia
racial, por si só, já é preconceituosa. “A argumentação de que vivemos
em uma democracia racial contribui para a perpetuação do racismo”, diz a
publicação, intitulada “Educação das Relações Étnico-Raciais e
Modalidades Indígenas e Quilombola.”
Celebrar
o Dia do Índio vestindo-se de índio? Nem pensar: “Reafirma-se, assim,
estereótipos presentes em nossa sociedade”, afirma o guia. A propósito, o
próprio termo “índio” precisa ser riscado do dicionário, segundo os
organizadores do material. “A caracterização ‘índio’ (...) menospreza
toda a multiplicidade cultural, étnica e linguística que caracteriza
tanto o passado quanto o presente dos povos originários desse
continente”, diz o texto.
Crítica a “brancos, ocidentais e cristãos”
No Ceará, que também se orgulha de ter uma abordagem “antirracista” da educação, um dos documentos elaborados para orientar os professores mais parece um panfleto de propaganda política.
“Nesse
processo de branqueamento, a instituição escolar refletiu, em sua
estrutura organizacional pedagógica e administrativa, essa realidade,
propagando práticas discriminatórias e racistas no espaço social, sendo o
currículo o fator mais atingido, o que resultou na imposição de
conceitos brancos, ocidentais e cristãos, em que o saber dominante
ignorou e colocou na invisibilidade e negação a história negra e
indígena e suas trajetórias de luta pela cidadania”, diz um trecho
publicação, em português semi-inteligível.
O
material foi lançado pelo governo cearense em 2022 com o título
“Educação para as Relações Étnico-Raciais e Semana da Consciência
Negra”. Assim como no Espírito Santo, um dos principais alvos da
publicação é o “mito da democracia racial”.
Enquanto
isso, na Bahia, o governo estadual acaba de lançar um edital que
premiará professores e gestores educacionais para desenvolver um projeto
de “valorização da cultura africana, afro-brasileira e indígena”. A
ideia é selecionar 108 projetos e 54 produtos (como livros).
Segundo
o governo baiano, o objetivo é “implementar ações educativas que
potencializem a construção de novas concepções e novos modelos
pedagógicos capazes de gerar práticas antirracistas, em prol da
valorização desses povos e do fortalecimento identitário nas comunidades
escolares”. Cada projeto escolhido receberá até R$ 50 mil; para os
produtos, o valor é de R$ 10 mil. O valor total do programa se aproxima
de R$ 6 milhões.
O
edital informa que, dentre os critérios de seleção, estão a “Promoção
da Educação Antirracista e da Educação das Relações Étnico-Raciais” e a
“Implementação de pedagogias decoloniais”. O termo “decolonial”, copiada
do vocabulário da esquerda dos Estados Unidos, se refere a uma visão de
mundo diferente da do “colonizador”. No caso do Brasil, é uma tentativa
de se livrar da herança portuguesa na educação.
A
comissão julgadora do prêmio será composta por dez representantes do
Centro de Estudos em Gênero, Raça/Etnia e Sexualidade da (UNEB)
Universidade do Estado da Bahia e outros dez da Secretaria da Promoção
da Igualdade Racial e dos Povos e Comunidades Tradicionais.
Municípios embarcam
O
governo federal também tem promovido a chamada educação antirracista.
Em junho, a Fundação Palmares, em parceria com a Fundação Roberto
Marinho, anunciou
um projeto que inclui “a produção de novos kits pedagógicos,
considerando a inserção dos debates e desafios contemporâneos na
educação para relações étnico-raciais”.
Essa agenda também chegou aos municípios. A Prefeitura de Contagem firmou uma parceria com a UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto) para criar uma espécie de guia escolar antirracista. O projeto resultou em uma publicação repleta de lugares-comuns da militância radical de esquerda.
“A
abertura que as participantes do projeto tiveram às epistemologias
feministas negras possibilitou a construção dessas ações interventivas
que possam problematizar aquilo que parecia naturalizado e
invisibilizado pelo discurso da mestiçagem e da democracia racial”,
escreve, na apresentação do material, o professor da Universidade de
Brasília Wanderson Flor do Nascimento.
Leis abriram portas para conteúdo “antirracista”
O
avanço dos cursos “antirracistas” está ligado a duas leis que abriram
as portas para a inclusão desse tipo de conteúdo no currículo escolar. A
lei 10.639/2003 inclui no currículo oficial “o estudo da História da
África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra
brasileira e o negro na formação da sociedade nacional.” O texto,
entretanto, é curto e não traz detalhes de como o ensino se dará.
Cinco
anos depois, a lei 11.645/2008 tornou obrigatório ensino da história e
da cultura afro-brasileira e indígena. Também pouco detalhado, o texto
diz que “os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e
dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o
currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de
literatura e história brasileiras”.
As
duas leis são citadas na maioria dos materiais “antirracistas”
produzidos pelas secretarias de educação. Ambas foram sancionadas por
Luiz Inácio Lula da Silva em sua primeira passagem pela Presidência da
República.
Excessos prejudicam aprendizado
Para
João Batista de Oliveira, doutor em Educação e fundador do Instituto
Alfa e Beto, o problema dos programas “antirracistas” está na abordagem e
na forma. “O tema do racismo – sem adjetivos tais como institucional,
estrutural ou qualquer outro – deve ser parte natural do estudo de
ciências, geografia e história”, diz ele, que prossegue: “A ideia do
racismo institucional ou estrutural é uma teoria que, por mais correta
ou adequada que fosse, introduz um viés desnecessário e que pode ser
prejudicial ao tratamento adequado de um tema tão complexo.”
Na
opinião de Oliveira, o tema do racismo não precisa necessariamente
fazer parte de um currículo específico. Além disso, a adoção dessa pauta
pode potencializar o patrulhamento ideológico dentro da sala de aula.
Se a ideia de “democracia racial” é racista por si mesma, não há espaço
para debate.
“Esta é mais uma iniciativa potencialmente fadada a criar mais problemas do que ajudar a resolvê-los”, diz Oliveira.
Postado há 3 weeks ago por Orlando Tambosi

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