Javier Milei é o retrato da falência da política tradicional e todos querem saber para quem irão “seus” votos na final do processo eleitoral. Vilma Gryzinski:
Por falta de imaginação, praticamente todos os jornalistas comparam Javier Milei a Jair Bolsonaro, José Roberto Kast, candidato presidencial que perdeu por pouco no Chile, e Donald Trump.
Em
favor desses jornalistas, diga-se que o autodeclarado anarcocapitalista
realmente é um fenômeno da antipolítica, a rejeição aos profissionais
do ramo que acomete uma parte significativa do eleitorado – muito
compreensível num país como a Argentina, onde direita e esquerda se
sucedem nos mesmos erros com precisão cronográfica.
Depois
de amanhã, o domingo das eleições primárias, saberemos o exato tamanho
do economista que cultiva uma estudada aparência de hobbit, as pequenas e
cabeludas criaturas do Senhor dos Anéis. Até as costeletas em expansão
são parecidas. Ou teria ele se inspirado em Carlos Menem?
Com
Milei, tudo é possível, inclusive copiar uma “marca” populista que
apela aos argentinos do interiorzão, longe dos centros urbanos onde seu
estilo tem mais impacto.
Conseguirá
Milei os cerca de 20% dos votos que indicam as pesquisas? Seja qual for
seu patamar, ele será uma figura fundamental, mais adiante, quando
sobrarem apenas dois candidatos à Casa Rosada.
Quem
irá apoiar? E seus eleitores seguirão o que diz ou voltarão à velha
forma do voto de protesto ao sistema, cravando branco ou nulo?
Ninguém pode garantir uma resposta. Além das costeletas, Milei cultiva deliberadamente a imprevisibilidade.
Sem
contar os fenômenos macro, como uma economia com o dólar a 600 pesos e
inflação de 115%, ou episódicos, como o horrível assassinato de Morena
Domínguez, uma menina de apenas onze anos arrastada e morta por dois
ladrões de moto para arrancar sua mochila quando ia para a escola.
Entre
as inúmeras declarações de repúdio, a de Milei foi a mais elaborada, no
estilo deixa que eu chuto. “Queremos terminar com esse modelo que
defende os delinquentes e voltar ao único modelo que funciona: a
repressão aos delitos sem hesitação”.
“Por
essa razão, estamos propondo uma reforma completa das leis de segurança
interna, defesa, inteligência, do serviço penitenciário, tudo baseado
numa nova doutrina de segurança nacional: quem faz, paga”.
Até
cidadãos argentinos que votam em outros candidatos muito provavelmente
concordam com essa “nova doutrina”. O aumento da criminalidade num país
que, comparado ao Brasil, era um continente de segurança afeta todas as
pessoas, mas, como em todos os lugares, a conta mais alta é dos
moradores das regiões mais pobres.
A
sucessão de crimes horríveis, de uma violência cada vez chocante –
depois de Morena, foi um médico, o cirurgião torácico Juan Carlos Cruz,
morto com um tiro na cabeça para levarem seu carro -, reflete um
embrutecimento social que leva muitos a apoiar a “nova doutrina”
proposta por Milei. Vacilou, dançou.
Um
deputado do partido dele, A Liberdade Avança, foi até El Salvador, onde
o presidente Nayib Bukele se tornou o político eleito mais popular do
planeta, com 91% de aprovação popular por causa de sua política de
repressão em massa às quadrilhas.
O
EL País fez uma ótima entrevista com Milei – obviamente, cheia de
pegadinhas: o jornal espanhol é de esquerda e tem ojeriza a qualquer
coisa que cheire a direita, mesmo que a origem do odor seja tão cheia de
argumentos inesperados como os do argentino.
Chega-se ao final dela sem poder concluir se ele é um louco bem sucedido ou um bem sucedido vigarista.
Pedimos licença para reproduzir alguns trechos.
Como reduzir a inflação?
“O
problema da Argentina é que a solução está nas mãos do problema: os
políticos. Eu sou o único que fala num programa com alcance de 35 a 50
anos. Quando nos aferramos ao curto prazo, tudo dá errado”.
“Acabar
com a inflação não é um problema técnico: é o problema mais fácil de
todos de resolver. O mais complicado é o crescimento econômico.
Começamos o século XX com um país que era o mais rico do mundo e hoje
está em 140º lugar. Temos uma taxa de pobreza de 45%, com 10% de
miseráveis. Existem quatro milhões de pessoas que não comem o suficiente
enquanto a Argentina produz alimentos para 400 milhões de pessoas e tem
uma taxa fiscal de 70%”.
Dolarização?
“A questão é a inversa: por que não dolarizar?”.
“Quando
se tira a maquininha de imprimir dinheiro dos políticos, é isso que
acaba com a inflação. Por que a inflação, em qualquer lugar e qualquer
situação, é um fenômeno monetário gerado por um excesso de moeda em
circulação”.
“É fácil dolarizar? Superfácil”.
A
simplicidade e a convicção com que Javier Milei trata de assuntos tão
complexos conquistaram a fatia do público que será conhecida no domingo.
Muitos
são jovens, filhos da “economia do celular”, vivendo diretamente as
consequências de um estado inchado que produz pobreza e insegurança.
Louco, farsante ou genial? Talvez tudo isso junto?
Mas
certamente produto de circunstâncias muito conhecidas pelos
brasileiros. A criminalidade engole nossos países e só não vê quem não
quer. Javier Milei é um de seus sintomas.
Postado há 3 weeks ago por Orlando Tambosi
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