BLOG ORLANDO TAMBOSI
Ainda é difícil cravar, mas o papel de perseguido por forças sinistras do sistema alimenta as convicções dos trumpistas mais ardorosos. Vilma Gryzinski:
Acabou”, “Pode morrer na prisão” e, claro, “Por que dessa vez é sério mesmo”.
As manchetes da maioria dos meios de comunicação refletem a realidade ou são uma expressão de desejo?
Talvez ambas as coisas. O terceiro processo em que Donald Trump
se tornou réu, com o quarto, na Geórgia, vindo a caminho, é certamente
sério porque envolve o âmago da democracia, com uma acusação de
conspirar para fraudar o resultado de uma eleição ao convocar
manifestantes a protestar, redundando na invasão do Capitólio, a sede do
Congresso americano (a peça de acusação não menciona que Trump usou os
advérbios “pacificamente” e “patrioticamente” nessa convocação, mas os
advogados do ex-presidente não vão deixar de lembrar isso).
Como
não existe justiça eleitoral, o processo vai ter que passar por todas
as etapas devidas, uma garantia do sistema americano. Não é impossível
que chegue à Suprema Corte, bem mais à
frente.
Um
dos maiores advogados constitucionalistas dos Estados Unidos, Alan
Dershowitz, escreveu que na peça apresentada para tornar Trump réu, o
procurador especial Jack Smith argumenta que o ex-presidente “sabia ou
devia saber que havia perdido a eleição de forma limpa e, portanto, suas
ações ao contestar o resultado foram corruptoras e ilegais”.
O
problema, acrescentou, é que a Suprema Corte já manteve em várias
decisões o conceito de que “não existe uma coisa chamada falsa opinião”.
“Todos
os americanos, especialmente os políticos, têm o direito de errar em
suas opiniões. Também têm o direito de manifestar suas falsas opiniões
ou pelo menos na medida em que acreditem honestamente que são
verdadeiras”.
Nada,
no mundo, se iguala às garantias à liberdade de expressão escritas na
primeira emenda, ou primeiro artigo da constituição americana.
Dershowitz
ainda provoca: “Imaginem como seria o mundo se todo político que conta
uma inverdade para conseguir ser eleito fosse processado ou preso”.
“As sessões de nosso Legislativo teriam que ser realizadas na penitenciária de Allenwood em vez dos salões do Congresso”.
A
defesa ao direito de mentir feita por Dershowitz pode ser minada por
vários flancos, mas ele é um constitucionalista respeitado.
Outra
rara voz que contesta a maioria da mídia, que todo dia dá Trump por
preso, algemado, condenado e trancafiado até o fim dos tempos, é o
professor de direito Jonathan Turley. Ele vai na mesma linha: a peça
contra Trump “basicamente o acusa de desinformação”.
De novo, é um assunto que cai na alçada da primeira emenda. Não existe delito de desinformação nos Estados Unidos.
O
fato de que o julgamento será realizado em Washington, com um júri a
ser escolhido no futuro, pode ter enorme influência no resultado. Os
eleitores da capital americana, com uma população 45% negra, odeiam
Trump. Na eleição de 2020, deram nada menos do que 92,15% dos votos a
Joe Biden e míseros 5,40% ao ex-presidente.
É possível que ele tenha um julgamento justo num lugar assim? Isso vão argumentar seus advogados.
Enquanto
isso, o tribunal da opinião pública, obviamente, não para. A grande, e
inevitável, espetacularização dos processos contra Trump parece que já
está sendo absorvida. Tem até um ritual: a comitiva de carrões pretos
sai de Mar-a-Lago, o palacete na Flórida para onde se mudou, ou de
Bedford, seu outro clube de golfe, ele pega o magnificamente chamado
Trump Force One, seu Boeing particular, chega na cidade onde tem que se
apresentar ao juiz e depois faz todo o caminho inverso. Câmeras aéreas
acompanham tudo e os canais de notícias são totalmente ocupados pelo
assunto. O processo todo está sendo chamado de “TV Justiça de Trump”.
Isso
ajuda ou atrapalha a candidatura presidencial dele? Entre os eleitores
do Partido Republicano, está ajudando. A imagem de perseguido pelo
sistema propeliu seu domínio nas eleições primárias, onde tem 53% das
preferências. Ron DeSantis, o governador da Flórida que em algum momento
pareceu ser uma alternativa, caiu para 14%.
E
na eleição presidencial propriamente? Vários especialistas democratas
estão tocando, discretamente, os alarmes. Barack Obama conversou com Joe
Biden sobre os “pontos fortes” de Trump – um encontro prontamente
vazado, o que pode ser interpretado como um “hedge”, uma proteção
erguida pelo ex-presidente para poder dizer no futuro “Eu bem que
avisei”.
Na
CNN, quase um órgão oficial do Partido Democrata, o analista Harry
Ertem avaliou: ”Trump não apenas está numa posição historicamente forte
para, fora da presidência, conseguir a indicação pelo Partido Democrata,
como também numa posição melhor para ganhar a eleição geral do que
esteve em qualquer ponto do ciclo de 2020 e quase que em qualquer ponto
do ciclo de 2016”.
A
pesquisa do New York Times que deu um empate cravado em 43% entre os
dois candidatos continua a causar pesadelos entre os democratas.
Outra pesquisa, a Harvard/Harris, coloca pela primeira vez Trump na frente: 45% dos votos contra 40% para Biden.
Também
dá uma grande vantagem ao ex-presidente entre os eleitores que se
declaram independentes, de 45% de preferências por Trump contra 27% para
Biden.
Um
dos fatores que pesam em favor de Trump para esse tipo de eleitor é a
impressão de que ele está sendo massacrado para deixar de existir na
vida política. Por exemplo, no outro processo em que virou réu, por
comprar indiretamente o silêncio de uma ex-amante, são nada menos do que
34 acusações.
Uma
infidelidade conjugal pode virar assunto de estado? Uma parcela
importante da opinião pública interpreta isso como lawfare, o uso
abusivo de instrumentos legais para eliminar um adversário político. Os
dois mais conhecidos políticos brasileiros argumentam, ou argumentavam,
exatamente a mesma coisa.
Os
mais conspiracionistas acreditam até que Trump quer ser preso para
consolidar a imagem de mártir, o que explicaria os ataques tuitados
(impossível dizer “xizados”, culpa do Elon Musk) contra o procurador
especial, Jack Smith, e a juíza Tanya Chutkan.
A
imagem de perseguição não é uma fantasia pró-Trump. Tem números para
sustentá-la: segundo uma pesquisa CBS/YouGov, 59% dos entrevistados
concordam que a enxurrada de protestos constitui “uma tentativa de parar
a sua campanha presidencial para 2024”. Dividindo por preferência
política: 86% dos republicanos fazem essa interpretação, 63% dos
independentes e até 31% dos democratas, um número bastante alto.
A
TV Justiça de Trump vai continuar com um novo processo no estado da
Geórgia, também envolvendo acusações de interferência eleitoral. É
impossível um candidato não ser desgastado com tanta informação
negativa. Mas Trump se especializou em desafiar o impossível. Como isso
vai chegar até novembro do ano que vem? A resposta envolve a saúde
física e mental de Joe Biden, o estado da economia, a guerra na Ucrânia e
o preço do petróleo, entre outros elementos. Fora o próprio andamento
dos processos.
Espertamente, Trump começou a apresentar propostas econômicas, o assunto que de fato interessa à maioria da população.
“Nós
tivemos a melhor economia da história do mundo”, disse ao site
Breitbart, com o exagero habitual. “Vamos fazer isso de novo. Vamos
perfurar para encontrar energia. Vamos encontrar o que está debaixo dos
nossos pés – ouro líquido. Depois, vamos começar a pagar a dívida e
diminuir impostos”.
É
ouro em forma de palavras para a parcela do eleitorado que pensa
exatamente da mesma maneira. Impossível cravar se basta para elegê-lo.
Talvez o desgaste já tenha acabado com suas chances. Mas também pode ser
que não.
Quantos eleitores rejeitariam categoricamente a tentação do “ouro líquido”?
Postado há 3 weeks ago por Orlando Tambosi
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