BLOG ORLANDO TAMBOSI
O estado judeu não sobreviveria sem apoio estratégico dado pelos americanos, mas a lógica do extremismo domina até o pragmático Netanyahu. Vilma Gryzinski:
“Biden
precisa compreender que Israel não é mais uma outra estrela na bandeira
americana”. A frase totalmente maluca foi dita pelo ministro da
Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, um dos mais extremistas integrantes
da coalizão de governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.
É
uma besteira sem tamanho. Israel nunca foi “uma estrela a mais” para os
Estados Unidos, mas uma encrenca danada que prejudica historicamente as
ligações com o mundo árabe, embora diferentes governos americanos
mantenham a aliança inquebrantável que já proporcionou, desde a criação
do estado judeu, uma ajuda de 247 bilhões de dólares. Também é o
guarda-chuva americano que protege Israel de sanções da ONU, sobre as
quais os Estados Unidos têm poder de veto, como um dos cinco membros
permanentes do Conselho de Segurança.
Apesar
das críticas do esquerdismo infantil, não é uma relação fácil. O
presidente Dwight Eisenhower teve que lembrar quem é que tinha o
verdadeiro poder, em termos educados, mas inabaláveis, para obrigar
Israel a se retirar do Egito, onde havia entrado na desastrada tentativa
da Inglaterra e da França de tomar o Canal de Suez. Israel, claro,
obedeceu? Qual era a alternativa em 1956?
Outra relação que parecia tão amistosa, a de Donald Trump
com Netanyahu, foi bem mais complicada. Trump, aparentemente, se
surpreendeu ao constatar que Bibi não queria acordo nenhum para terminar
o conflito com os palestinos segundo o plano americano, pois teria que
fazer concessões territoriais. Depois da vitória de Joe Biden, Trump
subiu pelas paredes ao ver que Netanyahu foi o primeiro líder
estrangeiro a congratular o presidente eleito. “Dane-se Netanyahu”,
disse, na versão publicável.
Agora
é a vez de Biden se estranhar com Bibi, e pela mesma questão de sempre,
agravada pelos integrantes ultranacionalistas da direita religiosa que
estão fazendo o pragmático Netanyahu, sempre tão hábil para prorrogar as
intenções pacificadoras dos Estados Unidos, a se comprometer com
medidas extremas como a reforma do sistema judiciário.
Mestre
em sobrevivência política, Netanyahu caiu numa armadilha de amadores:
achar que a maioria construída no Parlamento, através da aliança com os
radicais, dá a seu governo o direito de promover uma reforma nos
próprios fundamentos institucionais do Estado, com um alto índice de
rejeição da maioria da população.
O
ponto fraco do escolado primeiro-ministro está justamente no
judiciário: os três processos por corrupção e abuso de poder que
continuam em andamento mesmo que ele ocupe a chefia de governo.
A
ultradireita tem um bom argumento a seu favor: a composição política do
país mudou desde que seus fundamentos foram lançados pela maioria
socialista que fundou Israel dos tempos modernos. Mas incorporar as
transformações não significa derrubar toda uma coluna de sustentação
institucional, mesmo que exista uma maioria de parlamentares a favor.
Governar só para os seus é um dos maiores — e piores — efeitos da
maioria que despreza a parte do país com a qual discorda.
A
oposição é tão forte porque a reforma tem um conteúdo altamente
contencioso e aliena não só da população mais à esquerda, como da
própria direita tradicional ou de insuspeitos de falta de pulso. Para
dar um exemplo: o comandante da polícia de Telaviv, Amir Eshed,
renunciou ao cargo, denunciando ter sido pressionado pelo ministro
Ben-Gvir para usar mais força contra os manifestantes que voltaram à
ruas diante de um novo projeto de alteração dos poderes do judiciário.
Assim
que ele saiu, a polícia passou a intensificar o uso de canhões d’água
contra manifestantes. Um parlamentar da ultradireita chegou a
ridicularizar a lesão ocular sofrida por um ex-piloto da Força Aérea,
Uai Ori, por causa justamente de um jato d’água. “Não se pode servir a
um ditador”, disse o ex-piloto.
A
participação de reservistas nos protestos tem chegado ao ponto em que
muitos deles se recusam a fazer os treinamentos que os mantém
atualizados para funcionar como uma das camadas fundamentais para a
defesa de Israel.
A
extrema polarização levou Joe Biden a dizer numa entrevista que o atual
governo israelense tem “alguns dos ministros mais extremos que já vi”.
Não foi uma declaração improvisada, do tipo que o presidente americano
faz por incontinência verbal, mas um recado bem dirigido.
“Existe
hoje um sentimento de choque entre diplomatas americanos que têm
tratado com Netanyahu, um homem de considerável esperteza e talento
político. Eles acham difícil acreditar que Bibi seja conduzido pelo
nariz por gente como Ben-Gvir”, escreveu Thomas Friedman na coluna do
New York Times que é praticamente um retrato da opinião do establishment
democrata.
O
tom de Friedman deixou muitos israelenses preocupados: se ele está
falando de maneira tão crua é porque ouve isso, ou coisa pior, de suas
fontes no governo.
Um
dos pontos ressaltados pelo colunista: o próximo ministro das Finanças,
Aryeh Deri, tem três condenações por sonegação fiscal e futuramente
supervisionará o uso da generosa ajuda americana a Israel.
A
ajuda americana depende do Congresso, não do executivo, mas obviamente
um governo insatisfeito pode dificultar muita coisa para Israel.
Os
radicais do governo israelense rejeitam abertamente o próprio
fundamento da política americana de procurar, por mais distante que
seja, a criação de um estado palestino com garantias de segurança a
Israel. Em vez de sabotar a ideia, como sempre fez Netanyahu nos
bastidores, a oposição agora é assumida e agressiva. A mesma atitude de
confronto é tomada em relação à manutenção ou criação de cidades
habitadas por judeus em territórios que entraria num cada vez mais
remoto estado palestino.
Daí
declarações como a de Ben-Gvir. Outro ministro, Amichai Chiki, disse
que o governo Biden está “coordenando” as críticas ao governo Netanyahu
com o líder da oposição, Yair Lapid.
Todas
essas questões são de alta complexidade e sempre acompanharam o
igualmente complexo relacionamento de Israel com os Estados Unidos.
Estaria Biden perto de dar mais um passo nesse balé nem sempre
confortável e “reavaliar” a relação, como disse Thomas Friedman?
“Não
temos conhecimento de nenhuma decisão a respeito”, disse um
representante do governo, usando o tipo de linguagem que significa, em
geral, o seu oposto.
“Não
é segredo que temos discordâncias com o governo americano sobre a
criação de um Estado palestino, o retorno ao perigoso acordo nuclear com
o Irã e a posição do primeiro-ministro Netanyahu contra uma política de
‘surpresa zero’ em relação às ações de Israel contra o Irã”.
Entra
aí um complicador adicional: a firme oposição dos Estados Unidos sempre
foi o fator mais importante para segurar a ala da política israelense
favorável a uma intervenção relâmpago para impedir que o Irã obtenha
armamentos nucleares, como está muito perto de fazer.
Os
Estados Unidos estão tentando impedir que Israel “saia dos trilhos”,
disse, sem meias palavras, o embaixador americano Tom Nides, com a
liberdade de que está deixando o cargo (“Vá cuidar da sua vida”, foi o
comentário nada contido de Amichai Chikli).
Os
respectivos recados estão ficando cada vez mais agressivos e isso não é
bom para ninguém. Se o poder moderador dos Estados Unidos refluir, o
primeiro da lista a sair perdendo é Israel. O ministro Ben-Gvir
respondeu a Biden dizendo também que “a terra de Israel é para o povo de
Israel segundo a torah de Israel e não vamos fazer compromisso algum
quanto a isso”. É uma ilusão: a terra de Israel só continua sendo de
Israel porque tem o apoio americano.
O
ódio da esquerda a Israel pode vazar para outras camadas políticas e
influenciar a opinião pública americana, a mutante base sobre a qual o
apoio existencial ao estado judeu se sustenta. A deputada democrata
Ilhan Omar já disse que em hipótese alguma irá à sessão conjunta em que o
presidente de Israel, Isaac Herzog, de origem esquerdista, falará ao
Congresso — uma honra que jamais será dada nas circunstâncias atuais a
Bibi Netanyahu. Ela e Rashida Tlaib, de origem palestina, são as mais
ferozes representantes de tudo o que seja contra Israel — e o risco é
que convençam cada vez mais americanos, principalmente quando
representantes do governo israelense falam bobagens e compram briga com o
aliado essencial.
Postado há 3 weeks ago por Orlando Tambosi
Nenhum comentário:
Postar um comentário