terça-feira, 27 de junho de 2023

Os políticos, esses coitadinhos.

 

BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

Vocês venceram mais uma vez: o certo, ou pelo menos mais fácil, é criminalizar o cidadão comum que não morra de amores pela classe política. Ulysses Guimarães está morto, mas Eduardo Cunha, eleito ou não, viverá para sempre. A crônica de Ruy Goiaba para a revista Crusoé:


Você alguma vez pensou nos políticos e nos integrantes do Poder Judiciário, especialmente os brasileiros, como uma minoria oprimida? A não ser que você viva no Mundo Bizarro — e o Bananão, se não chegou lá ainda, está muito perto —, eles são a própria definição de classe dominante, considerando tanto aquilo que ganham, legalmente ou por fora, quanto o poder que detêm. Uns fazem as leis, outros aplicam (na verdade, também fazem, porque somos um povo criativo), e a única participação de uma minoria oprimida nesse roteiro deveria ser apreciar o chicote, infelizmente sem ter-lhe o cabo na mão. Certo?

Errado: ao mesmo tempo em que têm o cabo do chicote na mão, os políticos deste Brasilzão de meu Deus são a VERDADEIRA minoria oprimida e, assim, têm o direito de mandar para a cadeia quem não goste de levar chicotada no lombo. Prova disso é o ridículo projeto de lei que criminaliza a “discriminação” contra políticos, aprovado pela Cãmara em regime de urgência na última quarta-feira (14). A proposta é da deputada Dani Cunha, que antes disso tinha como único item digno de menção no seu currículo ser filha do glorioso Eduardo Cunha. A versão original, não aprovada pelos deputados, era ainda pior: previa cadeia para quem injuriasse “pessoa politicamente exposta”. Ou seja, ser do PCC e ser preso em flagrante com 2 kg de cocaína não pega nada (depois alguém nos tribunais superiores solta); chamar político corrupto de corrupto é que é inadmissível.

(E notem: o crime de injúria existe, está em vigor e os políticos que se sentem injuriados têm tanto direito de recorrer à Justiça como qualquer outro cidadão. O que o projeto fazia originalmente era aumentar a pena para esse crime caso a vítima fosse um desses alecrins dourados ou uma dessas donzelas da política. Remeto os eventuais interessados ao ótimo texto que o advogado André Marsiglia, meu colega de colunismo nesta Crusoé, publicou na semana passada.)

Do modo como a Câmara o aprovou, o texto “tipifica o crime de discriminação contra pessoas politicamente expostas no âmbito do Código de Defesa do Consumidor”. Traduzindo do juridiquês, sua vida vai ficar mais difícil se você, por exemplo, tiver sido agraciado pelo destino com um cargo de gerente de banco. Apenas experimente se recusar a abrir conta ou dar crédito a um político, um parente de político ou um “estreito colaborador” (às vezes conhecido como laranja) de político: você estará sujeito a cadeia de dois a quatro anos, além de multa de R$ 10 mil diários, a ser cobrada do banco. Há um bom motivo para que o Coaf mande as instituições financeiras ficarem de olho nas transações das pessoas expostas politicamente — aliás, dois: corrupção e lavagem de dinheiro. Mas por que ser deselegante assim com os políticos, minha gente? Não é bacana oprimir aquela minoria que só quer ficar mais à vontade para lavar dinheiro.

O projeto ainda precisa passar pelo Senado, mas já deixo aqui meus sinceros parabéns a todos os políticos, seus advogados e seus porta-vozes na imprensa que passaram os últimos anos chorando pela “criminalização da política”. Vocês venceram mais uma vez: o certo, ou pelo menos mais fácil, é criminalizar o cidadão comum que não morra de amores pela classe política. Ulysses Guimarães está morto, mas Eduardo Cunha, eleito ou não, viverá para sempre.

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A GOIABICE DA SEMANA

A internet nos brinda todos os dias com desastres provocados pelas modernas técnicas de harmonização facial, mas poucos são tão eloquentes quanto o “antes e depois” de Stênio Garcia: o grande ator de 91 anos submeteu-se ao procedimento recentemente, e seu rosto se tornou algo entre a monja Coen e uma drag queen no início do processo de se montar. Que falta faz — e aqui arrisco dizer que para todos nós, não só para o Stênio — um superego parecido com o Antônio Fagundes para gritar “é uma cilada, Bino!” nesses momentos.

O “antes e depois” da harmonização facial de Stênio Garcia: carga pesada
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