quarta-feira, 28 de junho de 2023

O Brasil é um encanto

 

blog  orlando  tambosi

Me encantou esta primeira metade do mês de junho. Como tenho certeza de que vão me encantar muito os próximos três anos e meio. A crônica de Orlando Tosetto para a revista Crusoé:


Chega-me a notícia, upa, de que está acontecendo uma CPI para investigar a liberdade que uns tiozões e umas tiazonas do zap tiveram para entrar nos palácios de Brasília, e outra para investigar as liberdades que o MST tem tomado com terras alheias. Ora, há compromissos nesta vida que são fáceis de manter ou de cumprir, e outros há que são muito difíceis, quase impossíveis. Um dos mais fáceis que já assumi foi o de só assistir CPIs que tenham anões comedores de fogo, carecas vestidos de pele de onça levantando pesos, malabaristas vendados, engolidores de facas, amestradores variados e sujeitos maquiados tocando buzinas, levando tortas na cara e caindo de bicicletas. Como até o momento nenhuma CPI me deu esse show, ainda que nelas haja um bocado desses sujeitos maquiados, eu nunca assisti a nenhuma.

Isso não impede que minha imaginação se exercite fantasiando que CPIs e debates sejam como aqueles bate-bocas dos pátios de escola. Por exemplo, por qualquer razão própria das CPIs, o deputado Joanete Bigorrilho (situação) começa a discutir com o senador Coronel 38 (oposição) e lhe diz:

— A podridão da alma de Vossa Excelência transparece no seu hálito!

E os senadores e deputados em roda:

— Visssshhhh!

— Eu não deixava!

— Ah, se é comigo…

O Coronel 38 responde:

— Já Vossa Excelência nem alma tem para que apodreça.

Os deputados e senadores explodem em assovios. Joanete e Coronel partem para cima um do outro, sem muita convicção, e são facilmente separados pelos presentes enquanto se mimoseiam com desaforos impublicáveis. Todos aguardam o próximo bate-boca, que será entre o senador Jaboatão Sambutahy (oposição) e o deputado Frankensteinson Veridiano (situação).

Amigos que, por penitência ou depressão, acompanham essas CPIs dizem que minha imaginação é tão certeira que deve ficar assistindo os debates quando eu me distraio.

* * *

Enquanto isso, o Festival de Amor que Assola o País segue encantador e me encantando.

Me encanta saber que há estado brasileiro tão rico e tão isento de problemas que possa destacar um senador só para bem servir (lembrei dos saquinhos das padarias de antigamente: servir bem para servir sempre) aos anseios prementes e às necessidades urgentes do partido do senhor presidente.

Me encanta saber que o mesmo partido do senhor presidente achou útil, necessário, amoroso e democrático ter um canal de TV só seu. Parece que é para cumprir o “dever constitucional, legal e estatutário” de, ora, ter um canal de TV. Dever estatutário, medite bem o amigo. Depois junte os dedos das mãos e diga, como meu avô italiano: ma quale statuto?

Me encanta saber que defender a democracia, a justiça, o amor, a fraternidade universal, o mavioso coral dos anjos e o aroma delicado das flores mais belas, tudo isso resumido na excelsa pessoa do senhor presidente, tenha como recompensa humilde uma vaga mal paga num tribunal.

Me encanta saber que o chanceler que é (não o que está) ia viajar à Noruega para pleitear um Nobel pro excelso senhor presidente, decerto sob o argumento de que “ah, ele merece, vá!”. E me encanta saber que não vai mais, talvez porque pairem dúvidas quanto à força desse argumento.

Me encanta saber que o avião presidencial atual é pequeno, é um teco-teco, e que toda a possância e importância e relevância do Brasil aí nesse mundão de meu Deus sejam mais bem representadas por uma aeronave maiorzinha, que leve e traga mais gente e mais coisas e faça um barulhão subindo e descendo e etc.

Me encanta saber que os restos imortais do roqueiro Roger Waters serão presos pelo maior dos nossos ministros caso ele se fantasie de nazista em algum palco nacional. Porque a gente não sabe e nem quer saber a diferença entre zoar nazista e referendar nazista.

Me encanta saber que vão dar desconto em carro popular, mas na base da promoção-relâmpago, válida só por trinta dias.

Me encanta ver deputado da situação reclamando de invasão a uma invasão do MST. O deputado acha feio a gente ir entrando assim, como bem quer, no que é dos outros.

Ou seja, me encantou esta primeira metade do mês de junho. Como tenho certeza de que vão me encantar muito os próximos três anos e meio.
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