terça-feira, 27 de junho de 2023

Adam Smith era de esquerda?

 



Smith ter-se-ia mostrado bastante cético se visse como hoje os governos da Europa e dos EUA estão a intervir cada vez mais na economia e os políticos cada vez se acham mais espertos do que o mercado. Rainer Zitelmann para o Observador:


O dia 16 de junho de 2023 marca o 300.º aniversário do batismo de Adam Smith (1723-1790)]

Adam Smith é geralmente considerado o pai do capitalismo moderno. As suas obras são citadas por Milton Friedman, Friedrich August von Hayek e muitos outros pensadores liberais e libertários. “Se não fosse o acidente de ter nascido no século errado”, afirmou Friedman, Adam Smith “teria sido, sem dúvida, Distinguished Service Professor na Universidade de Chicago”.

Mas há quem tenha expressado uma opinião diferente. Num ensaio bem acolhido, a historiadora britânica Emma Rothschild argumentou que o pensamento de Adam Smith foi, pelo menos, tão precursor do que veio a ser conhecido como “a esquerda” como do que agora chamamos “a direita”. E o filósofo americano Samuel Fleischacker afirmou no seu ensaio “Adam Smith and the Left” [Adam Smith e a Esquerda]: “Muitos académicos têm defendido a existência de tendências de esquerda em Smith.”

A crítica mais contundente a Smith no seio do campo libertário veio do economista Murray N. Rothbard, que, na sua monumental obra An Austrian Perspective on the History of Economic Thought, não poupa palavras na vilificação de Smith, argumentando que Smith não foi, de forma alguma, o defensor da economia de livre-mercado que habitualmente tem sido retratado. E Rothbard vai mais longe. Devido à sua errónea teoria trabalhista do valor, Rothbard vê Smith como o precursor de Karl Marx: “Têm um pouco mais razão os marxistas ao aclamarem Smith como a inspiração última do seu próprio Pai Fundador, Karl Marx.” Segundo Rothbard, Smith não compreendia a função económica do empreendedor e ficava até aquém da clarividência revelada por economistas como Richard Cantillon, para além de ter apoiado a imposição estatal de limites máximos à taxa de juro, impostos pesados sobre o consumo de luxo e uma intervenção abrangente do Estado na economia. A nível pessoal, Rothbard diz que Smith também não era digno de confiança, pois, apesar de anteriormente ter feito campanha pelo livre-comércio, passou os últimos doze anos da sua vida como comissário da alfândega escocesa.

Muitas destas críticas são certamente justificadas. Ainda assim, seria errado dizer que Adam Smith era de esquerda, como o demonstra a sua profunda desconfiança em relação ao governo. Segundo Smith, se uma economia se arruína, isso nunca se deve aos empresários e aos comerciantes, mas sempre ao Estado: “As grandes nações não são jamais arruinadas pela prodigalidade e mau emprego dos capitais privados, embora às vezes o sejam pelos públicos”, escreveu o escocês na sua principal obra, A Riqueza das Nações. E acrescentou com otimismo que “O esforço uniforme, constante e ininterrupto de todos os homens para melhorarem a sua situação, princípio de que deriva originariamente a opulência pública e nacional, tal como a privada, é muitas vezes suficientemente poderoso para manter o progresso natural das coisas no sentido da sua melhoria, a despeito tanto da extravagância do governo como dos erros de administração. Tal como o princípio desconhecido da vida animal, ele consegue muitas vezes restituir a saúde e o vigor à constituição, apesar não só da doença, mas também dos absurdos tratamentos prescritos pelo médico.”

A metáfora é bastante expressiva: os agentes económicos privados representam um desenvolvimento saudável e positivo, enquanto os políticos obstruem a economia com as suas regulamentações sem sentido.

Adam Smith ter-se-ia revelado bastante cético hoje em dia, se visse como os governos da Europa e dos Estados Unidos estão a intervir cada vez mais na economia e os políticos cada vez se acham mais espertos do que o mercado. “Cada indivíduo”, escreveu Smith na sua magnum opus, “esforça-se continuamente por encontrar o emprego mais vantajoso para qualquer que seja o capital que detém. Na verdade, aquilo que tem em vista é o seu próprio benefício e não o da sociedade. Mas o juízo da sua própria vantagem leva-o, naturalmente, ou melhor, necessariamente, a preferir o emprego mais vantajoso para a sociedade.” Adam Smith acreditava que os legisladores deveriam ter mais confiança no facto de que “cada indivíduo é capaz, na sua situação local, de ajuizar muito melhor do que qualquer estadista ou legislador poderá fazer por ele.”

Talvez a ideia de que Smith era de esquerda se deva também ao facto de o escocês ter repetidamente criticado os comerciantes, os empresários e os mais ricos, ao passo que defendia apaixonadamente melhores condições para os trabalhadores. No entanto, para Smith, a melhoria da situação dos cidadãos comuns não se faria através da redistribuição e da intervenção excessiva do Estado, mas seria sim o resultado natural do crescimento económico, que, por sua vez, necessitava sobretudo de uma coisa: liberdade económica. Na medida em que a liberdade económica prevalecesse e os mercados se expandissem, o nível de vida das pessoas também aumentaria. Trezentos anos após o nascimento de Smith e cerca de 250 anos após a publicação da sua mais famosa obra, sabemos hoje que este filósofo e economista tinha razão.

Rainer Zitelmann é o autor do livro Em Defesa do Capitalismo: Um Antídoto para os Mitos Anticapitalistas, publicado em 2022 pela Alêtheia Editores em parceria com o Instituto Mais Liberdade.

Postado há por

Nenhum comentário:

Postar um comentário