domingo, 28 de maio de 2023

Ruas de Istambul refletem polarização do 2º turno histórico na Turquia

 

POLITICA LIVRE
mundo

Os cartazes de Recep Tayyip Erdogan e de Kemal Kilicdaroglu, que disputam o segundo turno das eleições presidenciais da Turquia neste domingo (28), estão por toda a parte na principal cidade do país.

Mas há um lugar de Istambul em que os do último, que desafia o atual líder turco, levam pequena vantagem. É em Cihangir, bairro de classe média alta onde os véus islâmicos são menos presentes, as fachadas menos atulhadas de quinquilharia, e os restaurantes se parecem mais com os das demais metrópoles europeias.

É em parte uma amostra do que está em jogo no pleito, o mais importante das últimas duas décadas num país que é estratégico no jogo geopolítico. Erdogan, no poder desde 2003 e favorito a ficar por mais cinco anos, tem apelado para um nacionalismo de corte religioso.

Já seu opositor, o funcionário público aposentado Kilicdaroglu, que concentra uma coalizão de partidos da oposição, conta com mais apoio da elite laica, mais ocidentalizada.

Apoiado no balcão de um café vazio em Beyoglu, distrito central de Istambul, um homem de meia-idade assistia à transmissão de uma espécie de sabatina em que o candidato da oposição respondia a perguntas de eleitores indecisos.

“Eles estão assim, ó, colados”, dizia Ahmet, dono do estabelecimento, que preferiu não dar sobrenome, fazendo um gesto com os dedos para mostrar como estavam empatados na preferência do eleitorado. Kilicdaroglu era uma opção melhor? “Não sei dizer”, respondeu, emendando que o principal problema ali “é o preço das coisas”.

O país que vai às urnas está cindido. É um cenário que, em parte, assemelha-se ao da polarização no Brasil, temperado por assuntos como inflação, retórica nacionalista, cerceamento da liberdade de expressão e perseguição a minorias.

Mas não se vê em Istambul a mesma disposição a falar de política em público —à parte os cartazes fixados nas vias públicas pelos partidos, os turcos não vestem camisetas, não empunham bandeiras nem decoram suas fachadas com apoio a um ou outro candidato.

Mesmo andando pela principal praça da cidade, a praça Taksim, onde conflui todo tipo de gente em Istambul, é difícil perceber que o dia é histórico. As pessoas também parecem pouco receptivas a falar de política. Quando abordadas, franzem a testa ou dão tapinhas nas costas como se dissessem “não, obrigado”.

Manifestações mais explícitas somente nos comícios. Erdogan resolveu encerrar a sua campanha com um discurso na tarde de sábado (27), conclamando a chegada do que chamou de um “século turco” para apoiadores reunidos num bairro da parte asiática da cidade.

Na quinta-feira (25), o Fórum Muçulmano Europeu havia dado o seu apoio a ele, com o presidente da entidade dizendo que Erdogan era não apenas o líder da Turquia, mas líder de toda a Umma, como se referem à nação muçulmana global.

O cenário não poderia ser mais propício: tinha ao fundo a cúpula e os minaretes de Hagia Sophia, monumento mais famoso de Istambul e símbolo das disputas religiosas no país.

Erguida como catedral bizantina no século 6º d.C., foi transformada em mesquita com a tomada de Constantinopla pelos turco-otomanos, em 1453, e depois virou um museu na década de 1930, logo após a proclamação da república —o gesto foi um marco da secularização do país, levada a cabo por Musatafá Kemal Atatürk, fundador da Turquia moderna.

Três anos atrás, por meio de decreto, Erdogan devolveu a Hagia Sophia o seu status de mesquita, um aceno aos seus apoiadores muçulmanos que foi visto como uma afronta a quem defende um país mais laico.

Guilherme Genestreti/Folhapress

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