segunda-feira, 1 de maio de 2023

Incentivos de Bolsonaro à exploração da Amazônia desafiam governo Lula

 

BAHIA NOTICIAS

Por Ana Carolina Amaral e Pedro Ladeira | Folhapress

Lula com líder indígena
Foto: Ricardo Stuckert / PR

"Infelizmente, a primeira notícia é a mais forte." É assim que Marcelo Cwerner, um dos quatro brigadistas voluntários de Alter do Chão (PA) presos pela Polícia Civil do Pará no final de 2019, sob a acusação de incendiar uma APA (Área de Proteção Ambiental), percebe ainda hoje o estrago em sua reputação causado pelo episódio.
 

Já no dia seguinte ao anúncio da prisão, a Folha de S.Paulo revelou que o inquérito policial não trazia evidências para a acusação. Dois dias depois, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), trocou o delegado do caso e os brigadistas foram soltos.
 

O caso subiu para a Polícia Federal com outra linha de investigação e, em pouco mais de um ano, foi arquivado pela Justiça Federal.
 

Ainda assim, quatro anos depois, os brigadistas continuam a lidar com boatos que se multiplicam nas ruas de Alter do Chão —onde moram três dos quatro acusados— e voltam a repercutir até mesmo em suas casas, quando recebem um prestador de serviço, ou no trabalho.
 

"Há alguns meses fui fazer um curso da Marinha e o professor citou os ‘brigadistas que tocaram fogo em Alter’, sem saber que eu era um deles", conta João Romano, brigadista que também foi preso.
 

Na Capadócia, parte da APA Alter do Chão atingida pelos incêndios, é fácil chegar até os locais que queimaram: placas de venda de terrenos orientam o caminho. Próxima a uma praia movimentada, a área do incêndio está "limpa", desprovida de vegetação, e loteada.
 

A ação de grileiros já era a principal suspeita do Ministério Público Federal na época dos incêndios, embora a investigação não tenha chegado a acusações.
 

Esclarecida pela imprensa, a desinformação sobre o caso começou com costas quentes. O então presidente Jair Bolsonaro (PL) já havia culpado ONGs ambientalistas por incêndios na Amazônia em setembro de 2019 —quando a crise das queimadas ganhou proporções internacionais e a Polícia Civil do Pará deu início à investigação do incêndio na APA Alter do Chão.
 

No final daquele ano, Bolsonaro ainda elogiou o inquérito da Polícia Civil do Pará, criticou a soltura dos brigadistas e envolveu até o ator Leonardo DiCaprio em acusações sem provas —de que seria financiador de ONGs que queimariam a floresta para afetar a imagem do governo.
 

Na Amazônia, os ataques a ambientalistas compõem o tripé da estratégia antiambiental bolsonarista, que persiste no tempo e se coloca entre os obstáculos do governo Lula (PT). Além da perseguição a ambientalistas, o tripé contou com o apoio político a atividades ilegais e com as "boiadas" —apelido dado pelo então ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) para a desregulamentação de normas.
 

O desafio imposto à nova gestão implica sair do atual patamar de 11 mil km2 de desmate anual e retornar para taxas anteriores de 7.000 km2 e 4.500 km2, rumo ao desmatamento zero no final da década.
 

As ações no período Bolsonaro tiveram repercussão global. De 2019 para cá, o mundo assistiu, além da prisão de brigadistas voluntários acusados de causar os incêndios que combatiam, à ida a campo de Salles para liberar madeira apreendida pela Polícia Federal, no início de 2021. Outro destaque do período, em janeiro de 2022, foram as imagens da mudança de cor do rio Tapajós, contaminado pelo garimpo.
 

Esses três escândalos se concentraram na região do Baixo Tapajós, no Pará. A reportagem percorreu a região, entre os municípios de Santarém e Itaituba, para ouvir as perspectivas de quem convive com a exploração da madeira, do ouro e da terra.
 

Partindo de lancha de Santarém, as águas se estreitam quando deixam a imensidão do rio Tapajós para adentrar as curvas do rio Arapiuns até a vila de Cachoeira do Aruã. Na viagem, de cerca de quatro horas, passa-se por balsas carregadas de madeira e por um porto usado por madeireiras.
 

Desde a operação Handroanthus, da Polícia Federal, que em novembro de 2020 apreendeu 130 mil metros cúbicos de madeira suspeita de extração ilegal —volume que a fez ser considerada a maior operação já feita nesse setor—, os madeireiros da região ficaram ariscos, disse, em condição de anonimato, uma das pessoas que receberam a reportagem em Cachoeira do Aruã.
 

No início daquele ano, Salles extinguiu a autorização ambiental para exportação de madeira, a pedido de associações de madeireiras. A decisão o transformou em alvo de investigação da Polícia Federal e o levou a deixar o cargo em junho de 2021.
 

Dois meses antes, o então ministro ainda foi até a região de Cachoeira do Aruã e defendeu publicamente a legalidade de toras de madeiras apreendidas pela PF.
 

O desafio da rastreabilidade da madeira ilegal está no "esquentamento" de cargas que pegam carona em lotes regulares, com informações adulteradas sobre a origem da exploração.
 

Cachoeira do Aruã fica na divisa da gleba Nova Olinda com a Reserva Extrativista (Resex) Tapajós-Arapiuns. A área protegida convive com a invasão de madeireiros ilegais.
 

"A política do setor madeireiro é assim: o papel de fiscalizar não é meu, até pelo risco de vida. É um setor em que a gente tem histórico de assassinatos, então não há uma denúncia abundante", diz o engenheiro florestal Murilo Moda, dono da Ampe Ambiental, empresa responsável pelos projetos de manejo e licenças ambientais de 9 das 11 madeireiras em operação em Cachoeira do Aruã.
 

Seu escritório é a única representação das madeireiras na vila. Em volta dele, jovens se reúnem para se conectar à internet pela rede da empresa. Para além do ponto de wifi, a Ampe é vista como parceira por boa parte da comunidade.
 

Em conversas com a reportagem, os moradores citam benefícios como asfalto, a construção de uma escola (financiada em parte por projetos de manejo) em área mais afastada, além da movimentação do comércio local e a oportunidade de trabalhos temporários na estação seca, para extração da madeira.
 

Até mesmo um banheiro de alvenaria, construído em uma casa de madeira que serve almoços para os madeireiros, foi feito pelo setor e estampa, logo acima da porta, a marca da Ampe.
 

"Aqui o Estado não chega, então a comunidade tem um desenvolvimento melhor com as empresas. E elas também exigem contrapartidas sociais, não tem mais comunidade bobinha", diz Moda.
 

Fora da vila, porém, o clima de cooperação entre a comunidade e as madeireiras ganha outro nome.
 

"O que acontece ali chama aliciamento. As comunidades são bastante manipuladas. Acham que a exploração da madeira vai trazer infraestrutura e isso não acontece", afirma Ian Camará, 22, enquanto varre o chão do quintal da sua casa na aldeia Camará.
 

Parte do assentamento extrativista Lago Grande, a comunidade é uma das poucas que recusaram a exploração madeireira na região das margens do Arapiuns.
 

"[A atividade] muda a temperatura da água, a cor, a quantidade de peixes, além de descartar no rio casca de madeira e óleo", descreve Ian, que integra o grupo ativista Guardiões do Bem Viver e tem puxado "rabetaços", protestos em rabetas (canoas motorizadas), contra madeireiras.
 

Se em Cachoeira do Aruã a madeira domina as atividades, em Itaituba, a "cidade pepita", o garimpo é o destaque. O município, a 368 km de Santarém pela rodovia Transamazônica, concentra boa parte das concessões de lavras garimpeiras do país.
 

Itaituba vive uma explosão do garimpo impulsionada, segundo o prefeito Valmir Climaco (MDB), pela adoção de máquinas retroescavadeiras, na última década, e pelo aumento do preço do ouro, especialmente de 2020 para cá.
 

Na cidade, são comuns as lojas de equipamentos para garimpo e as agências de compra de ouro. Nos carros, o adesivo "Garimpeiro não é bandido, é trabalhador" pode ser visto com frequência.
 

Na virada para 2022, a lama movimentada pelo garimpo tornou barrentas as águas, geralmente cristalinas, do rio Tapajós. As imagens do rio contaminado na região turística de Alter do Chão, conhecida como caribe amazônico, foram destaque na mídia internacional.
 

As licenças ambientais do município para o garimpo facilitam o "esquentamento" da exploração ilegal. Segundo estudo da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) em cooperação com o MPF (Ministério Público Federal), a região de Itaituba foi origem de 81% do ouro ilegal explorado no país 2019 e 2020.
 

A prefeitura publicou uma nova instrução normativa relativa ao licenciamento um mês após a operação Caribe Amazônico, da Polícia Federal, ter destruído 21 escavadeiras em garimpos ilegais em Itaituba e Jacareacanga, em fevereiro de 2022.
 

"Agora toda vez que vamos dar uma licença, nós mandamos para o ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade] dar o aval", diz Climaco, que também é dono de garimpo, madeireiro e fazendeiro. "Reconheço que algum ouro tirado de terra indígena se legaliza com as licenças que nós damos."
 

Apesar do reforço normativo, Climaco sinaliza que a "cidade pepita" manterá a tradição.
 

"O mercúrio não contamina ninguém. Essa cor de água barrenta que você está vendo aí não tem nada a ver com mercúrio", diz.

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