domingo, 2 de abril de 2023

As preferências de Gilsinha

 BLOG  ORLANDO  TAMBOSI



O que uma amiga descobriu sobre as ferramentas de Inteligência Artificial ao testar um "gerador de conversas" na internet. A crônica de Orlando Tosetto para a Crusoé:


Ultimamente se vem falando muito na Inteligência Artificial (assim mesmo, com maiúsculas, como se fosse nome de mulher: Inteligência Artificial de Souza) e nos seus milagres e maravilhas, entre os quais um serviço online de bate-papo ou, segundo as minhas esmaecidas luzes, gerador de conversa fiada. Caso o amigo não saiba, e eu duvido que não saiba, na verdade esse gerador de bate-papo online pretende ser uma ferramenta e também um exemplo ou carranca de proa dos recursos e excelências da Inteligência Artificial. De Souza.

Antes de eu entrar no assunto, permita o amigo que eu diga que nessas coisas de Inteligência tenho pendores meio hippies, e gosto de Inteligência como gosto de sanduíche: natural. Mas não posso negar que a Inteligência Natural (de Almeida) tem andado mal das pernas e do ânimo, combalida, macambúzia e sorumbática, senão mesmo anêmica e cheia de olheiras e lombrigas, e não está em condições de dispensar nem desdenhar qualquer muleta tecnológica que lhe ofereçam.

E permita também que eu, à maneira do Ivan Lessa, abrevie esse nome comprido de Inteligência Artificial (de Souza) e passe a chamá-la, digamos, de Gilsinha.

Pois bem: quis testar o “gerador de conversa” da Gilsinha e fui lá, mas descobri que, para conversar com ela, precisava criar uma conta. Confesso que não gostei nadinha da ideia de criar conta para poder conversar. Admito que é coisa de velho essa chateação com cadastro: a gente lembra de como era no tempo dos crediários e já sente aquela vertigem enjoada. Então, sendo eu velho, senti a tal vertigem: não criei conta, não falei com a Gilsinha, e decidi me escorar nos exemplos dos amigos que, mais pacientes ou jovens do que eu, criaram conta e bateram papo com a Gilsinha. E eis que os amigos descobriram que a Gilsinha tem lá suas limitações, seus pruridos, mas que, apesar disso, é inteligente sim.

Tomemos o caso da amiga que pediu à Gilsinha uma loa ao nunca assaz louvado senhor Presidente Atual. A Gilsinha nem pestanejou: deu-lhe, em fração de segundo, uma loa muito musculosa, muito altissonante, muito cortesã; fez-lhe, em suma, um elogio tão tremendo, com rimas tão belas, que seria capaz de empalidecer os superlativos do José Dias. Uma loa que, fosse Gilsinha humana e brasileira, talvez lhe garantisse um belo cargo de aspone no gabinete de algum deputado situacionista. Esta é a primeira prova de que, artificial ou não, a tal Gilsinha é, senão de Souza, ao menos inteligente mesmo.

Satisfeita ma non troppo, a mesma amiga pediu à Gilsinha o inverso, ou seja, uma quadrinha falando mal do excelso Primeiro Mandatário. A amiga não deu a Gilsinha parâmetros nem fórmulas; a amiga não sugeriu termos nem expressões; a amigo se contentaria com qualquer suave, mirrado, esmaecido mal-dizer, porque só queria mesmo é testar. Mas nem isto ela obteve: afirmou Gilsinha que mal-dizer o Augusto Presida feria ou estava fora dos seus “parâmetros” e “políticas”.

(Imagine o amigo que delícia se você pudesse dizer ao seu patrão – porque o usuário do “serviço Gilsinha” vira patrão dela, confere? – que não vai fazer o que ele manda porque fere seus parâmetros e políticas. “Vai lá fazer a planilha”, diz o chefe. “Sinto muito, fere as minhas políticas”, responde você, palitando os dentes e olhando o celular.)

Aí a amiga pensou, pensou… e pediu à Gilsinha uma cantiga maldizendo o já bem amaldiçoado Mandatário Anterior. Desta vez Gilsinha não se fez de rogada: gastou ainda menos tempo do que gastara na loa para vituperar, até com mais força, o nunca assaz vituperado ex-Presidente. E aí a amiga viu, sagaz, a segunda prova de que a Gilsinha é mesmo muito inteligente: humana, demasiado humanamente inteligente. Inteligente como só um assessor parlamentar pode ser. Em todo caso, Artificial (de Souza) é que ela não é, não pode ser.

De sorte que a amiga e eu ainda estamos à espera da verdadeira Inteligência Artificial (de Souza). Que há de vir; temos fé. Enquanto isso, eu, do meu lado, digo que estou precisando, senão de Inteligência, ao menos de Atenção Artificial. De Souza, de Almeida, de Andrade, tanto faz. Quem sabe alguém inventa uma pílula ou um site que me acorde, que me concentre, que me force a prestar atenção nesse mundo novo e chato de Gilsinhas e seus parâmetros e políticas tão afiados com as modas e os modos correntes.

Há de vir; tenho fé.

Ah, sim: não transcrevi as loas e os vitupérios porque, esperta como é, tenho certeza de que a Gilsinha cobraria direitos autorais.
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