BLOG ORLANDO TAMBOSI
O ataque a Salman Rushdie mostra como a cultura do cancelamento pode ser brutal e a nossa reação, covarde. Brendan O'Neill, da Spiked, para a Oeste:
Vamos
lembrar, horrorizados, a ideia de “olho por olho, dente por dente”; a
crença do Antigo Testamento de que a vingança era a melhor forma de
justiça. E, no entanto, na nossa implacável era do cancelamento,
enfrentamos algo ainda pior. Hoje temos o “olho por uma mágoa”. O “olho
por um ego ferido”. Vejamos a foto mais recente de Salman Rushdie, a
primeira a ser publicada desde que ele foi brutalmente atacado no Estado
de Nova Iorque, em agosto do ano passado. O autor está de óculos, com
um tampão na lente direita. Isso porque ele ficou cego do olho direito.
Um homem ficou ofendido com um romance que Rushdie escreveu 35 anos
atrás e tirou um dos olhos dele para compensar.
Todo
mundo precisa olhar para o rosto de Rushdie depois do ataque medieval
sofrido por ele no ano passado. Aqueles que usam o termo “islamofobia”,
que acreditam que as críticas ao Islã são uma questão moral que a
sociedade não deve tolerar, devem ser forçados a olhar, para que possam
enxergar o preço dessa ideologia. A foto foi publicada pela revista New
Yorker, com uma entrevista feita por David Remnick com o autor. Rushdie
foi esfaqueado aproximadamente 12 vezes. Ele tem cicatrizes no rosto.
Sua boca fica caída quando ele fala. Ele tem dificuldade de digitar,
porque a ruptura do nervo ulnal em sua mão esquerda acabou com a
sensibilidade na ponta de seus dedos. Ler também é difícil, porque sua
visão foi comprometida. Rushdie agora “lê usando um iPad, para poder
ajustar a luminosidade e o tamanho da fonte”. Nos tempos da Inquisição,
um objeto cortante era usado para arrancar a língua daqueles que diziam
heresias. Na Nova Inquisição, um escritor tem sua capacidade de escrever
violentamente prejudicada pelo crime de ofender o Islã.
David Remnick on the defiance of Salman Rushdie https://t.co/MgD6ieG1Ne
— New Yorker Fiction (@NYerFiction) February 6, 2023
Um
dos aspectos mais assustadores sobre o ataque sofrido por Rushdie foi o
silêncio que se seguiu. Claro, houve uma explosão na cobertura da mídia
nas horas e nos dias depois que Hadi Matar, 24 anos, um cidadão
norte-americano de origem libanesa, supostamente esfaqueou Rushdie no
palco da Instituição Chautauqua por causa de Os Versos Satânicos, seu
romance de 1988. Mas a repercussão diminuiu com uma rapidez indecorosa e
covarde. Houve algumas pequenas leituras públicas pró-Rushdie, mas um
movimento “Je S’uis Salman” ficou visivelmente ausente. A tentativa de
execução extrajudicial de um dos maiores romancistas da era moderna por
escrever um livro que os aiatolás desaprovam não incomodou a consciência
do Ocidente por muito tempo.
Somos
forçados a nos perguntar se o silêncio continua sendo violência.
“Silêncio é violência” é o grande grito de guerra woke, amado pelos
ativistas do Black Lives Matter em particular. Se você fica quieto
diante da injustiça, dizem eles, você faz parte dessa injustiça. O
silêncio ensurdecedor entre os “progressistas” depois do suposto ataque
islamita contra Rushdie também não foi uma espécie de cumplicidade? Esse
silêncio não foi uma violência? Porque sem dúvida foi uma covardia. O
instinto básico de autopreservação, de fazer tudo ao seu alcance para
evitar chamar a atenção dos islamitas descontrolados, se tornou o
princípio organizador das elites da mídia e da cultura no Ocidente. A
solidariedade literária que se dane — temos nosso pescoço para proteger.
Dois
dias depois do ataque, um jornalista da revista The Atlantic afirmou
que a ausência de indignação justificada em relação ao ataque sofrido
por Rushdie apontava para uma “falha na cultura”. Parecemos não
acreditar mais “que a liberdade individual é algo pelo que vale a pena
lutar e morrer”, escreveu ele. Essa timidez das elites sobre um suposto
ato de terror digno da Inquisição fez eco ao comportamento vergonhoso de
setores do establishment literário quando o Irã emitiu a fatwa pela
primeira vez, em 1989. Como Remnick nos fez lembrar, muitas figuras de
peso não apoiaram Rushdie naquela época. O escritor John le Carré
sugeriu que ele recolhesse o romance, “até que um momento mais calmo
chegasse”. Outro romancista, Roald Dahl, o acusou de ser um “oportunista
perigoso”. O cantou e compositor Cat Stevens afirmou que o autor
deveria saber que, de acordo com o Corão, “se alguém difama o profeta,
deve morrer”. Jimmy Carter, ex-presidente americano, Germaine Greer,
escritora, Auberon Waugh, jornalista, o arcebispo da Cantuária e outros
manifestaram sua desaprovação em relação a Salman Rushdie e seu livro
problemático.
Cat Stevens
Mas,
de certa forma, o silêncio depois do esfaqueamento de Rushdie foi ainda
pior. Não foi apenas um caso de olhar para o chão e torcer para os
canceladores islamitas violentos passarem reto, o que já seria
suficientemente ruim. Foi também uma confirmação tão brutal de que
algumas figuras das novas elites de fato compartilham a crença islâmica
de que é errado zombar do Islã. Claro, elas nunca agrediriam Rushdie nem
atacariam a redação do Charlie Hebdo. Mas concordam com esses violentos
algozes de que blasfemar contra o Islã — ou a islamofobia, como está na
moda dizer — é algo tão socialmente desestabilizador que causa
“sofrimento”. Vamos lembrar quando escritores do alto escalão
contestaram o fato de a PEN America ter oferecido um prêmio de coragem
ao Charlie Hebdo? O massacre foi triste, eles disseram, mas não vamos
esquecer as montagens feitas pela revista semanal com o objetivo de
causar “humilhação e sofrimento”. Falar sobre a mágoa “sofrida” poucos
meses depois da violência real sofrida pelos cartunistas e escritores do
Charlie Hebdo foi uma prova da desordem moral das elites modernas.
Essa
é a sombria verdade sobre a situação de Salman Rushdie: ela representa
uma fusão da antiga intolerância religiosa com o novo credo secular do
cancelamento. Nos últimos 30 e tantos anos, Rushdie ficou preso numa
espécie de movimento convergente, com devotados censores religiosos de
um lado e controladores politicamente corretos do discurso público do
outro. O ataque sofrido por ele em agosto não foi tão atípico para a
nossa civilização como gostaríamos de acreditar. Na verdade, foi uma
manifestação mais medieval e mais violenta de uma ideia que é
tragicamente banal hoje em dia — de que as palavras podem machucar, que
se sentir ofendido é terrível, e às vezes é preciso tomar medidas para
banir ou silenciar as pessoas que magoam você. Hadi Matar pode acabar se
tornando apenas um algoz mais ameaçador do culto do cancelamento que
tomou conta da sociedade ocidental de forma nefasta.
A
capitulação liberal à violência dos que se ofendem com facilidade
precisa acabar. Em vez disso, vamos nos lembrar do texto de Rushdie em
Joseph Anton: Memórias, das coisas que pelas quais realmente “vale a
pena lutar” — “liberdade de expressão, liberdade de imaginação,
liberdade em relação ao medo… Além de ceticismo, irreverência, dúvida,
sátira, comédia e júbilo ímpio”. Precisamos nunca “recuar de defender
essas coisas”, disse ele. Essas, sim, são palavras para levar para a
vida.
Condolências
ao ataque terrorista à revista Charlie Hebdo, em 7 de janeiro de 2015,
em frente à Embaixada da França, em Berlim, Alemanha
Postado há Yesterday por Orlando Tambosi
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