Se tivermos boas relações de amizade, o corpo e a mente agradecem. João Pereira Coutinho via FSP:
Baltazar
Lemos, 60, natural de Curitiba, decidiu morrer. Explico melhor. Ele, um
cerimonialista de luto com certa experiência em preparar e testemunhar o
funeral dos outros, decidiu organizar um funeral só para ele.
Fingiu doença, fingiu morte, fingiu velório –tudo publicitado pelas redes sociais, claro– e esperou para ver quem aparecia.
Vieram amigos. Vieram familiares. E até veio o próprio Baltazar, para agradecer aos presentes. Não sei se saltou do caixão para causar maior impacto, mas quero muito acreditar que sim.
Os
presentes não gostaram da brincadeira. Consta até que houve insultos e
agressões físicas dentro da capela. Creio que a família cortou relações
com ele.
Li
tudo isso na imprensa. É bom demais para ser verdade. Mas, acreditando
na história, posso enviar um abraço fraterno ao nosso Baltazar?
Também
eu, pobre homem, tenho essa curiosidade mórbida desde a mais tenra
idade. Quantos serão, afinal, prestando suas homenagens?
E quantos vão contar piadas, soltar risinhos cínicos, fazer comentários impróprios sobre minha aparência amarelada?
Os
epicuristas, para aliviar nosso medo da morte, tinham uma máxima
conhecida: onde eu estou, a morte não está; onde a morte está, eu não
estou.
Faz
sentido. Mas para personalidades narcísicas –estou falando de nós,
Baltazar– isso não consola; perturba. Se eu não estou lá, como saber
quem está?
Infelizmente,
essa dúvida não revela nada sobre os outros, muito menos sobre a
bondade deles. Velórios são acontecimentos sociais, como casamentos e
batizados.
Vamos
porque temos de ir. Vamos porque os outros, os vivos, os sobreviventes,
esperam isso de nós. Vamos porque existem mil interesses em jogo
–reputações, heranças, boa gastronomia, uma súbita viúva– que convidam
ao supremo sacrifício.
Se
Baltazar queria realmente testar a lealdade da sua tribo, teria sido
mais útil simular um internamento no hospital. Quantos familiares e
amigos caminhariam até sua cama enferma sem esperar nada em troca?
A
pergunta é válida para qualquer um de nós. E é talvez a pergunta mais
importante para medir a nossa hipótese de felicidade terrena: quão
fortes são as nossas amizades?
Recentemente,
o "Wall Street Journal" divulgou o mais longo estudo alguma vez feito
sobre o assunto. Começou em Harvard, em 1938, com centenas de
participantes, todos rapazes, respondendo a questionários sobre o grau
de satisfação com a vida.
Nos
anos seguintes, o estudo continuou a medir a felicidade dos rapazes,
mas incluiu também as mulheres; com o tempo, alargou-se para os mais de
1.300 descendentes do grupo original.
As conclusões estão no livro "The Good Life: Lessons from the World’s Longest Scientific Study of Happiness" (Simon & Schuster), de Robert Waldinger e Marc Schulz.
Aqui
vai um aperitivo: esqueça o jogging, a comida vegana, a meditação
oriental. Esqueça também a riqueza, a fama e outras ilusões mundanas.
Nesses
quase 90 anos de acompanhamento constante, a principal conclusão é que a
saúde e a longevidade são fortalecidas de forma dramática pelos amigos
que somos capazes de manter.
Se tivermos boas relações, o corpo e a mente agradecem.
Inversamente,
os mais solitários tiveram existências mais pobres e curtas, em média,
porque a solidão é corrosiva para nossas pobres carcaças.
Explicam
Robert Waldinger e Marc Schulz que há razões evolutivas para isso:
quando nossos antepassados ficavam sozinhos no mundo, o estado de alerta
era ativado. A sobrevivência dependia disso: como dormir tranquilo
quando um predador poderia aparecer a qualquer momento?
Hoje,
pode não haver uma fera para nos devorar; mas quando estamos por nossa
conta, o corpo e a mente continuam lá atrás, libertando seus hormônios
estressores, em dolorosa vigília.
Segundo
os autores, uma existência despojada de gente pode ser mais perigosa do
que a obesidade, sobretudo para os mais velhos. Se essa solidão é
crônica, o risco de morte aumenta 26%.
Sim, o poeta tinha razão: ou amamos ou morremos.
É
por essa razão que o nosso amigo Baltazar faria bem em pedir desculpas,
de joelhos, aos crédulos que foram chorar sobre o seu caixão. A falta
que eles fazem é agora, não depois.
Postado há 6 hours ago por Orlando Tambosi
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