sábado, 28 de janeiro de 2023

Eleição na Câmara? Tô sabendo não.

 

BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

Dizem que o país está polarizado. Só se for com os nomões; com os nominhos, com os deputadinhos, a tranquilidade e o desprezo reinam. Será isso a tal da sabedoria popular? A crônica de Orlando Tosetto para a Crusoé:


Venho, com certa tristeza, expor o modo como constatei que o brasileiro não tem consciência política nenhuma. Eis que fui ao barbeiro anteontem. Querendo puxar assunto, eu disse a ele:

— Sabia que estão para eleger o presidente da Câmara dos Deputados?

Ele, me passando a máquina rente, disse.

— Sabia não.

E começou a falar de futebol.

Depois, fui ao verdureiro. Parece estranho puxar assunto com verdureiro, mas, se ele for com a sua cara, acaba aconselhando a trocar a alface meio murchinha por outra, tira fora da sacola um pimentão furado de bicho, essas coisas. Ataquei:

— Estão para eleger o presidente da Câmara dos Deputados.

— Puxa vida – disse ele, pesando os papaias.

— Parece que a coisa vai ser tranquila – insisti.

Ele:

— Ah, é? Nos outros anos deu briga? Ó, dica de amigo: troca lá esse mamãozinho aqui, que tá quase passado.

De nariz caído, tentei o jornaleiro. Ele lê jornal (creio). Caramba.

— E essa eleição aí do presidente da Câmara dos Deputados, hein?

— Tô sabendo não.

E, descalçando o chinelo, me mostrou a sola do pé, onde tinha um bicho geográfico.

Baqueei. Tinha que haver alguém com quem eu pudesse comentar assunto tão sério. O taxista? Taxista é sempre bom para isso, mas eu não ia a lugar nenhum. O engraxate? Mas isso nem existe mais, e eu sou um velhote prafrentex, só uso tênis e gírias atuais. Algum cunhado? Bah, se cunhado fosse bom, não terminava em “nhado”. O pedreiro? Ele, ao contrário de mim, tinha serviço. Lembrei: o porteiro do meu prédio. Nunca conheci porteiro que não fosse opiniático. Fui lá e repeti a ladainha; ele, vendo sua televisão minúscula, nem deu bola. Me irritei:

— O senhor não liga?

Ele, bonachão:

— Ô, sêo Orlando, ninguém nem sabe nome de deputado. Eles que se lasquem lá.

E depois ainda dizem que o país está polarizado, que a nação está dividida, que o clima é de pé de guerra. Só se for com os nomões; com os nominhos, com os deputadinhos, a tranquilidade e o desprezo reinam. Será isso a tal da sabedoria popular?

Mas, se os brasileiros inconscientes que eu queria aporrinhar tivessem me dado atenção, teriam sabido de coisas muito importantes acerca dessa eleição. É importante saber, por exemplo, que o segundo vice-presidente da Câmara indeniza as despesas médicas dos deputados; que o segundo secretário cuida dos passaportes diplomáticos; que o terceiro autoriza o reembolso de passagens aéreas e analisa as justificativas de faltas; e que está a cargo do quarto secretário autorizar o pagamento de auxílio-moradia aos deputados.

Essas coisas cruciais estão em jogo. (Essas e outras, claro, como o apoio ou o repúdio às pautas do novo governo velho, o poder da oposição, o “centrão” e etc.) O amigo não fica apreensivo? O amigo não rói as unhas? O amigo não concebe a desgraça institucional que seria ter, sei lá, um segundo secretário que mandasse os deputados pagarem do próprio bolso o dentista dos filhos quarentões, o dermatologista da cunhada, a prestação do apartamento da amante e as passagens de avião semanais das segundas e sextas? O amigo não percebe o risco pra Democracia que é alguém mandar deputado pegar visto pra Disney em vez de deixá-lo abraçar o Mickey com um tranquilizador passaporte diplomático no bolso da bermuda? O amigo não teme as consequências legiferantes de um deputado preocupado com o vencimento do condomínio?

Ô, amigo. É por isso que estamos nessa draga.

* * *

Câmara vem do grego, via latim, e quer dizer, originalmente, abóbada (e não abóboda, por favor) ou aposento com teto curvo. Por extensão, se pode também pensar em cúpula. Ou, usando um pouquinho, só um pouquinho, a imaginação, em lona de circo.
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