terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Com moeda comum, o brasileiro assumirá risco de calote argentino.

 

BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

É fácil perceber que o Estado brasileiro estaria, com essa ideia, assumindo o risco de conversibilidade para fomentar as trocas com um parceiro regional afundado em problemas econômicos e com grande risco de inadimplência. Reportagem de Rodrigo Oliveira para a Crusoé:


A primeira viagem internacional do presidente Lula no ano levantou uma polêmica antiga sobre a integração dos países sul-americanos: a criação de uma moeda, agora comum, e, anteriormente, única. A ideia defendida pelo brasileiro em artigo assinado no jornal Perfil em conjunto com o presidente argentino Alberto Fernandez ressuscitou uma discussão que se julgava esquecida. Ainda quando ministro da Economia do governo Bolsonaro, Paulo Guedes, defendeu ideia ainda mais abrangente, de criação de uma espécie de “euro” da América Latina. Agora, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sob a tutela sempre atenta do presidente, defende algo mais modesto: uma moeda comum — específica e limitada para trocas comerciais entre os países que aderirem à novidade.

É bem verdade que, até agora, o que se tem é a intenção de estudar o assunto, mas com países vivendo situações tão distintas economicamente é improvável que as normas necessárias para a concretização da ideia consigam avançar na próxima legislatura do Congresso Nacional. A mudança precisaria de um consenso razoável para permitir possíveis adequações tributárias e fiscais entre os dois países. E o Legislativo brasileiro tem contratado para este ano embates bastante complicados no que diz respeito à economia, considerando-se somente a discussão sobre a reforma tributária interna.

Além disso, antes mesmo de ser uma proposta concreta, a simples menção à possibilidade de uma moeda comum entre Brasil e Argentina já é motivo de preocupação para economistas brasileiros. De acordo com o secretário-executivo do ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, em entrevista a uma emissora de televisão nesta semana, a iniciativa objetiva dinamizar o comércio entre os vizinhos. “O que estamos tentando fazer é superar o risco de conversibilidade do peso para o real, de início, solicitando garantias para esse crédito para exportação brasileira/importação argentina, posteriormente, pensando em sistemas de compensação entre esse comércio (…) que precisa de uma unidade de conta e de um meio de troca”, explicou.

E o problema está justamente nesse risco de conversibilidade, que ocorre quando um país não consegue trocar a moeda local por uma estrangeira. No caso atual da Argentina, se refere à dificuldade em acessar dólares para concluir transações comerciais internacionais. A moeda compartilhada atenderia, portanto, a essa necessidade. Dessa forma, o Brasil facilitaria as trocas entre os dois países e ampliaria o comércio internacional. Mas será que vale a pena?

De acordo com dados do governo federal, as exportações brasileiras para a Argentina somaram US$ 15,35 bilhões em 2022 — praticamente 30% do resultado do ano anterior. Além disso, o comércio com o vizinho internacional é historicamente superavitário em favor do Brasil. No entanto, isso representa apenas 4,5% do total de exportações brasileiras, que ultrapassaram os US$ 334 bilhões no ano passado

Com isso em mente, é fácil perceber que o Estado brasileiro estaria, então, assumindo o risco de conversibilidade para fomentar as trocas com um parceiro regional afundado em problemas econômicos e com grande risco de inadimplência para ganhos possíveis pouco atraentes. “Iria um pouco mais longe, parafraseando o Armínio (Fraga): o meu, o seu, o nosso dinheiro está bancando o risco Argentina e sem cobrar por isso. Não é o Estado: é o contribuinte”, alerta o economista e ex-diretor de assuntos internacionais do Banco Central, Alexandre Schwartsman.

Para ele, a criação de uma moeda comum entre os dois países é uma ideia que faz pouco sentido do ponto de vista do exportador brasileiro. “(O exportador) acabaria com uma moeda com demanda limitada (brasileiros importadores da Argentina), restringida precisamente pela importação — historicamente abaixo das exportações”, explica Schwartsman.

A crítica é compartilhada pelo também economista e professor do Insper, Roberto Dumas Damas, que destaca ainda a estratégia equivocada do governo na discussão sobre o comércio internacional. “O problema do Brasil agora não é o Mercosul. É o relacionamento com a China, que é nosso maior parceiro; com a União Europeia, que é segundo maior; e com os EUA, terceiro. A agenda está errada”, aponta Dumas.

Seja como for, a criação da moeda única ainda terá de enfrentar obstáculos importantes para avançar e se tornar uma realidade. Não só em âmbito Legislativo nacional, mas também para tentar equalizar as diferenças gritantes entre as economias dos dois países. “Tenho esperança que essas dificuldades deem tempo para ambos os países evitarem mais este erro na política econômica”, conclui Schwartsman.
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