BLOG ORLANDO TAMBOSI
O contrário de desfilar em marchas ridículas não é ser conservador, fascista, racista, homofóbico, etc. É só alargar aos “costumes” a racionalidade que a Iiniciativa Liberal trouxe à discussão da economia. A crônica semanal de Alberto Gonçalves para o Observador:
No
congresso da Iniciativa Liberal (IL), um orador, de voz trémula,
confessa ter “medo de adormecer agarrado ao sonho liberal e acordar
agarrado a um partido conservador”. Imagino os pesadelos. É que o homem
quer “continuar a acordar num partido que desça a avenida no dia 25 de
Abril”. De repente, a voz dele salta do trémulo para a frequência das
gémeas Mortágua, e o mero conservadorismo ganha foros de Terceiro Reich:
“Não à extrema-direita, fascista, racista, xenófoba e homofóbica!”. A
julgar pelo barulho, a sala aprovou.
Vários
membros da IL, e um artigo do João Caetano Dias no Observador,
garantem-me que semelhantes entusiasmos ou são residuais no partido ou
se devem à inexperiência de muitos dos congressistas. Também há quem,
também na IL, me garanta que o partido está repleto de fervorosos
idênticos ao citado. Não sei. Sei que a IL já desceu a avenida no 25 de
Abril, e se teve de o fazer sozinha não foi porque se visse impedida
pela “extrema-direita, fascista, racista, xenófoba e homofóbica”: a
proibição veio da esquerda em peso, democrática e ecuménica.
Ao
invés do que a direcção da IL pensou, e com certeza ainda pensa, a mera
intenção de desfilar ao lado de forças comunistas e do actual PS não
reivindica “Abril”. Apenas legitima os propósitos dos que tentaram, e
quase conseguiram, aproveitar “Abril” para instaurar uma ditadura. E
esta tendência da IL para a ilusão, ou para a inocência, não me parece
residual nem se esgota nas comemorações do golpe de Estado de 1974.
Já
vi, por exemplo, delegações da IL em marchas do “orgulho” gay e
provavelmente perdi, por distracção, participações da IL em marchas de
orgulhos similares. É possível que a IL, ou uma parcela da IL, se limite
a apreciar convívios ao ar livre. Porém, é mais provável que aconteça o
que é natural acontecer com gente que aplaude o que outro orador
afirmou no congresso: “Se uma ideia liberal, em algum momento e por obra
do acaso, é partilhada pelo Bloco de Esquerda, não somos nós que
estamos mal: são eles que estão bem”.
Eis
a doença infantil da IL, ou de uma parte da IL: imaginar que, em
matéria de “costumes”, a liberdade passa perto do BE. Não passa. Nunca
passou. Se uma ideia é partilhada pela IL e pelo BE, ambos estão errados
e a ideia não é liberal. Tirando o haxixe, que é tema para
adolescentes, em que ocasião o BE defendeu alguma coisa cuja finalidade
não fosse a opressão? Parafraseando um comentador desportivo, diga uma!
Diga uma! Diga uma! Não digo porque não me ocorre. Ocorre-me que, em
debate das últimas “legislativas”, Catarina Martins usou contra João
Cotrim Figueiredo o facto de a IL se ter oposto a diversas restrições
aplicadas a pretexto da Covid. Ou seja: o BE acusou a IL de não ajudar à
repressão das massas, que é o sonho a que os leninistas se agarram ao
adormecer. Curiosamente, por esquecimento ou por recear maçadas, Cotrim
Figueiredo, um bom parlamentar, negou que tivesse rejeitado as
proibições. Proibir é o que move o BE, e é triste que às vezes a IL ache
necessário esconder a discordância. E que às vezes ache importante
negá-la.
É
preciso explicar? Berrar pelas minorias sexuais, raciais ou o que
calhar não significa real interesse em reconhecer-lhes a dignidade que,
em princípio, qualquer pessoa merece. Os delírios “identitários”
consistem justamente em subjugar as pessoas a caldos colectivos – as
“comunidades” – que as tornam utilizáveis para brincar aos conflitos
sociais. Aqui não há indivíduos, por definição dotados de autonomia e
especificidade, e sim arquétipos construídos sob instruções como bonecos
da Lego. Nada devia ser tão enxovalhante para um homossexual ou um
negro quanto passearem “orgulho” por uma característica que não
escolheram, não os define e, numa sociedade decente, não os distingue.
Discriminar, positiva ou negativamente, cidadãos pelos parceiros que
preferem ou pela melanina de que dispõem é um insulto aos que combateram
a sério pelos direitos civis. E é sobretudo um abuso de seres humanos.
A
IL, ou um pedaço excitável da IL, não identifica o abuso e, talvez sem
querer, confunde-o com “liberalismo”. Repito: é o contrário. E o
contrário de desfilar em marchas ridículas não é ser conservador, e
muito menos de extrema-direita, fascista, racista, homofóbico, etc. É só
ter a decência de respeitar os adultos da espécie enquanto tal. É só
alargar aos “costumes” a racionalidade que a IL trouxe à discussão da
economia. É só traçar as famosas “linhas vermelhas” aquém da cultura de
segregação, padronização e coacção que a loucura “woke” representa. É só
perceber que no BE e em todos os projectos totalitários não existem
bocadinhos “bons” ou sequer aproveitáveis: é da natureza daquilo ser
intolerante da cabeça aos pés. Convinha que a IL pensasse com a primeira
e não com os segundos. Pedir o voto a jovens baralhados de idades
sortidas não implica entregar-lhes o partido. Ou assim espero.
Postado há 5 hours ago por Orlando Tambosi
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