BLOG ORLANDO TAMBOSI
É cada vez mais difícil não pensar que algo consiga ser provado. Que o ex-Presidente cometeu um crime contra o povo dos EUA. A justiça, por muito lenta, quando chega, deve ser justa e imparcial. Ricardo Silvestre para o Observador:
Título
18, Secção 371: “Se duas ou mais pessoas conspirarem para cometer
qualquer crime contra, ou para fraudar, os Estados Unidos.” Título 18,
Secção 1001: “(a1) [quem] falsifica, oculta ou encobre por qualquer
truque, esquema ou dispositivo, um facto material; (a2) faz qualquer
declaração ou representação materialmente falsa, fictícia ou
fraudulenta; ou (a3) faz ou usa escritos ou documentos falsos, sabendo
que os mesmos contêm qualquer declaração ou registo materialmente falso,
fictício ou fraudulento.” Título 18, Secção 1512(c): “Adulteração de
uma testemunha, vítima ou informante”. E Título 18, Secção 2383: “Quem
incita, inicia, auxilia ou se envolve em qualquer rebelião ou
insurreição contra a autoridade dos Estados Unidos ou das suas leis, ou
dá ajuda ou conforto a estes”.
Estas
são algumas das alíneas do Código de Leis dos Estados Unidos da
América. São também os possíveis crimes que a Comissão Especial da Casa
dos Representantes para Investigar o Ataque ao Capitólio de 6 de janeiro
(Jan6Com) referiu para o Departamento de Justiça (DOJ) para se abrirem
processos de investigação. Estas referências fazem parte de algumas das
recomendações da Jan6Com, resultantes do trabalho feito durante quase
dois anos sob a presidência do Representante Bennie Thompson (Democrata)
e vice-presidência de Liz Cheney (Republicana). A informação recolhida
sobre possíveis crimes será agora transmitida para a Direção do DOJ.
Aquela que pode ser tornada pública fará parte do relatório a ser
publicado brevemente. E queixas formais serão enviadas para a Comissão
de Ética da Casa dos Representantes, referentes a quatro dos seus
membros: os Republicanos Jim Jordan, Scott Perry, Andy Biggs, e Kevin
McCarthy, por estes não terem respeitado intimações legais por parte da
Jan6Com para testemunharem.
Encerra-se
assim um primeiro ciclo, com um passo nunca dado na história dos
Estados Unidos da América, a referenciação para processos criminais de
um ex-Presidente. Nixon não teve de enfrentar tal situação, pois Gerald
Ford emitiu uma “Proclamação Presidencial”, no dia 8 de setembro de
1974, que atribuía um completo e incondicional perdão ao desgraçado
“Tricky Dicky”, que tivera de se demitir para não ser destituído no
Senado pelas suas ações no caso Watergate. Trump não terá tal benesse.
De facto, o residente de Mar-a-Lago vai ter mais uma máquina legal a
construir acusações para levar a um Grande Júri, a juntar àquelas que já
se conhecem. Uma é liderada pelo Procurador Especial Jack Smith que
supervisiona duas investigações criminais, uma sobre o papel de Trump no
ataque de 6 de janeiro ao Capitólio e a outra sobre o manuseio
incorreto de registos do governo, incluindo documentos classificados que
o ex-Presidente levou para o seu resort na Flórida como se fossem
pesa-papéis. E também o Grande Júri criado no estado da Geórgia, no
condado de Fulton, onde a Procuradora Fani Willis lidera o processo
criminal sobre a intromissão de Trump nas eleições nesse Estado.
A
referenciação por parte da Jan6Com “vale o que vale”. Não é a Comissão,
ou os seus membros que terão de, para além de qualquer dúvida razoável,
provar a um Grande Júri que Trump, e os seus co-conspiradores são
realmente culpados. Ainda mais quando algumas das referências serão
muito difíceis de demonstrar. O Título 18, Secção 2383, “Quem incita,
inicia, auxilia ou se envolve em qualquer rebelião ou insurreição” é
extraordinariamente difícil de provar. É verdade que já existem
precedentes, e um deles recente, com a condenação de um dos líderes de
um dos grupos presentes no Capitólio (Elmer Stewart Rhodes do grupo Oath
Keepers), mas isso ser feito com um ex-Presidente será uma tarefa
hercúlea. O DOJ tem instrumentos que a Jan6Com não tem, incluindo o
poder de intimação judicial e a criação de equipas de investigadores com
capacidade de cruzar informação de uma forma mais concisa. Algumas das
testemunhas resistiram à Comissão porque sabiam que uma resposta cabal
por parte desta de os referenciar aos DOJ por desrespeito ao Congresso
seriam vistas como ações políticas, e com a capacidade de retaliação
quando a Casa dos Representantes passar para controlo dos Republicanos
(e eles vão retaliar). Porém não o poderão fazer com o DOJ, a não ser
que queiram ter de se defender em tribunal sob risco de prisão. Já
outras testemunhas, uma delas material para possibilidade de ter havido o
crime que se enquadra no Título 18 Secção 1512(c): “Adulteração de uma
testemunha, vítima ou informante”, já têm os seus testemunhos sobre
juramento com a Jan6Com, e estarão disponíveis para o fazer de novo com
os agentes do DOJ.
Algumas
destas referenciações, incluindo para a Comissão de Ética da Casa dos
Representantes, poderão não ter seguimento, ou resultar em efetivos
processos criminais submetidos em tribunal. Uma Casa dos Representantes
sob controlo Republicano não só impedirá sanções aos membros
referenciados, sendo que um deles poderá ser o Líder da Maioria (Speaker
of the House), como já ameaçou cortar os fundos do DOJ se estes
seguirem investigações criminais contra o ex-Presidente. O próprio DOJ
pode achar que algumas das referenciações não conseguirão ser provadas e
abandoná-las, ou mesmo que consiga um Grande Júri, isso não é garantia
que o veredito seja a favor da acusação. E teflon Don tem mostrado, uma
vez após outra, que parece ser revestido de uma qualquer impunidade,
nunca sendo chamado a pagar pelas suas ações. Essa foi, seguramente, uma
das motivações para ter apresentado a sua candidatura à nomeação para
Presidente pelo Partido Republicano a dois anos das eleições, com a
esperança de que esse estatuto o protegesse das investigações do DOJ.
Pode
ser que sim, que não resultem em nada de significativo. Porém, é cada
vez mais é difícil não pensar que algo consiga ser provado, num júri de
pares, que o ex-Presidente cometeu um crime contra o povo dos Estados
Unidos da América. A justiça, por muito lenta que seja, quando chega,
deve ser justa e imparcial. Fica agora nas mãos daqueles que passam pelo
logo do DOJ a caminho dos seus trabalhos, e pelo moto que se encontra
debaixo da Águia-de-cabeça-branca, que segura numa garra um ramo de
oliveira composto por treze folhas, e na outra, treze flechas. Esse moto
diz, Qui Pro Domina Justitia Sequitur: “Quem faz a prossecução em nome
da justiça”. Com Trump, começa a ser a altura de termos a concretização
dessa nobre missão.
Postado há 20 hours ago por Orlando Tambosi
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