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O 25 de Novembro de 1975 repôs e garantiu o respeito pela promessa de uma democracia liberal — nem de esquerda, nem de direita, mas de ambas — anunciada pelo 25 de Abril de 1974. Artigo do professor João Carlos Espada para o Observador:
Voltou
a passar relativamente despercebida entre nós a data de 25 de Novembro,
47 anos após a derrota da tentativa de golpe de estado comunista.
Convém recordar que esta tentativa de golpe de estado visava restaurar
entre nós uma ditadura — ainda que de sinal contrário à que havia sido
apeada no 25 de Abril de 1974. E convém igualmente recordar que os
comunistas queriam restaurar uma ditadura, desta vez em nome da chamada
“democracia popular”, contra a democracia liberal e parlamentar, a que
chamavam “capitalista”.
Por
que motivo continua o 25 de Novembro a ser menosprezado entre nós é um
tema que merece reflexão. É particularmente intrigante que seja
menosprezado pela esquerda democrática do Partido Socialista, cujo
fundador, Mário Soares, liderou na época a vasta coligação pluralista,
da esquerda e da direita democráticas, contra a ameaça comunista. Mas
não creio que essa reflexão deva ser transformada numa diatribe da
chamada direita contra a chamada esquerda— o que seria uma espécie de
repetição, agora com sinal contrário, das diatribes dos comunistas
contra a direita e contra a democracia pluralista que, porque
necessariamente inclui direita e esquerda democráticas, os comunistas
acusavam (e ainda acusam) de ser “uma vasta coligação burguesa,
capitalista e imperialista” (e que, na América do Sul, dizem-me que
designam por “Centrão”).
Um
olhar a meu ver mais estimulante consistiria em indagar o que
justificou na era moderna — em certos sectores da esquerda, bem como em
certos sectores da direita — a defesa de regimes absolutistas ou
ditatoriais em nome do povo. No caso português, o fenómeno foi
particularmente intrigante, dado que tivemos uma I República autoritária
em nome da esquerda, a seguir um Estado Novo autoritário em nome da
direita e depois o autoritarismo do PREC de novo em nome da esquerda — e
todos igualmente em nome do chamado “povo”.
Não
é certamente aqui o lugar para uma detalhada reflexão académica sobre o
tema. Mas talvez me seja permitido sugerir que uma investigação sobre o
tema teria invariavelmente de recuar até à revolução francesa de 1789 e
aos seus legados intelectuais — não só entre a esquerda revolucionária,
mas também entre a direita contra-revolucionária.
Dois
autores seriam incontornáveis num estudo desse tipo: Edmund Burke
(1729-1797) e Alexis de Tocqueville (1805-1859). [Ambos fazem parte,
receio ter de reconhecer, dos programas de Licenciatura, Mestrado e
Doutoramento em Ciência Política e Relações Internacionais do Instituto
de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa].
Edmund
Burke foi um deputado liberal (Whig) britânico que se atreveu a
defender em pleno Parlamento a revolta dos colonos americanos,
argumentando que estes estavam a defender as “ancestrais liberdades
inglesas” — que remontavam à Magna Carta de 1215 e tinham sido
reafirmadas na inglesa “revolução relutante” de 1688-89. Também é
interessante notar que, embora em plena guerra colonial de Londres
contra a América, ninguém em Londres se lembrou de o mandar prender por
estar a defender os rebeldes americanos.
A
surpresa final veio com a crítica veemente do liberal Edmund Burke à
revolução francesa de 1789 — que a generalidade dos liberais no início
tendia a apoiar, julgando tratar-se de uma revolução democrática e
liberal. Mas a crítica de Burke não foi em defesa do chamado Antigo
Regime, mas em defesa da liberdade ordeira sob a lei.
Alexis
de Tocqueville foi um aristocrata liberal francês cuja família foi
perseguida pela revolução de 1789. Mas, em vez de reagir defendendo uma
contra-revolução ou o regresso ao Antigo Regime, Tocqueville condenou o
que chamou de “eterno conflito entre Antigo Regime e Revolução” ou a
“perpétua oscilação entre a servidão e o abuso”. Considerou que a
revolução americana de 1776 e a revolução francesa de 1789 exprimiam o
advento da “era da igualdade ou da democracia” — que considerou
incontornável no Ocidente cristão. Mas alertou enfaticamente para que
esta “era da igualdade ou da democracia” poderia ser liberal ou
despótica.
Na
experiência da democracia na América, Tocqueville encontrou vários
ingredientes que garantiam a natureza liberal da democracia americana.
Entre outros, vale a pena recordar brevemente (1) a forte limitação do
poder do estado pela Constituição— com um poderoso sistema de separação
de poderes e de freios e contrapesos; (2) a proteção constitucional
garantida à iniciativa privada e ao pluralismo da sociedade civil, ou à
“arte de associação”, espontânea e descentralizada; (3) bem como a
defesa intransigente da liberdade de expressão, em primeiro lugar da
liberdade religiosa.
Tocqueville
sublinhou que aqueles preceitos constitucionais não eram exclusivos de
uma família política contra outra — pelo contrário, eram comuns às
diferentes famílias políticas, mais à direita ou mais à esquerda. E que
este respeito comum pelas regras do jogo constitucional garantia a
concorrência e alternância pacíficas entre partidos rivais, fazendo da
democracia americana uma democracia liberal e não despótica, uma
democracia tranquila e não revolucionária nem contra-revolucionária. (A
guerra civil de 1861-1865 terá sido a excepção que confirma a regra,
dado que ocorreu precisamente em torno de princípios constitucionais).
Em
suma, e para concluir um texto que já vai longo, creio que é
inteiramente legítimo argumentar que o 25 de Novembro de 1975 repôs e
garantiu o respeito pela promessa de uma democracia liberal — nem de
esquerda nem de direita, mas de ambas — anunciada pelo 25 de Abril de
1974.
Postado há 6 days ago por Orlando Tambosi

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