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Atos ou instituições humanas mutáveis não são mais do que nuvens que passam. Luiz Felipe Pondé para a FSP:
O que haveria em disciplinas como psicanálise, ciências sociais e positivismo lógico que poderíamos considerá-las causadoras de niilismo, ou seja, da negação de que exista qualquer moral que não seja um salve-se quem puder?
O
niilismo —termo derivado de "nihil" em latim, que significa nada— é o
conceito supremo da modernidade. Nada existe de valor a não ser
invenções humanas que passam como nuvens passam —e dinheiro, claro, é o
mais permanente de todos os valores modernos. Portanto, a rigor, somos
livres para fazer o que quisermos já que ao fim e ao cabo de tudo, resta
nada, apenas poeira cósmica.
Difícil
esta questão, não só para você que talvez não esteja familiarizado com o
vocabulário filosófico, mas para qualquer pessoa que tenha estômago
fraco. Mas voltemos para a pergunta inicial e indiquemos quem a está
fazendo.
Por que a psicanálise, as ciências sociais e o positivismo lógico seriam causadores de niilismo?
A
psicanálise reduziria tudo a um draminha psicológico —inclusive a busca
do bem ou do mal. As ciências sociais, por sua vez, reduziriam tudo às
forças e relações sociais, inclusive a busca do bem ou do mal. O
positivismo lógico reduziria tudo ao jogo de palavras numa frase, ou
seja, tudo é puro efeito de linguagem, inclusive a busca do bem ou do
mal.
Os positivistas lógicos, filósofos analíticos da linguagem, são descritos pela filósofa irlandesa, radicada na Inglaterra, Iris Murdoch
(1919-1999) como os "mercadores da semântica" por brincarem com coisas
sérias como a validade do bem, como se este fosse mero jogo de palavras
numa frase dita por qualquer um.
Aliás,
a questão posta na abertura desta coluna é dela mesma. Na sua coletânea
"Existentialists and Mystics: Writings on Philosophy and Literature",
ou existencialistas e místicos, escritos sobre filosofia e literatura,
editado por Peter Conradi —sem tradução no Brasil—, a filósofa e
escritora britânica enfrenta, entre outros temas, o existencialismo
francês e seu niilismo a partir dos anos 1950.
Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Albert Camus e Gabriel Marcel,
todos existencialistas, ao reduzirem a atribuição de sentido da vida a
mera subjetividade, faziam de qualquer inquietação moral humana uma
terra arrasada.
Se
tudo é subjetivo, nada vale mais do que uma tara qualquer. Se tudo é
social, nada vale mais do que uma mentira institucionalizada. Se tudo é
jogo de linguagem, nada vale mais do que frases de efeito.
Iris
Murdoch não era religiosa, mas sabia que a redução da moral ao mundo
psíquico, social ou linguístico, como fenômenos derivados das fantasias
ou obsessões, imposições sociais ou jogos de palavras, abriria as portas
para o vale tudo como decorrência. Resumindo a ópera: o conteúdo dessas
três disciplinas implica a negação de todo e qualquer fundamento. Tudo
que o homem inventa é uma nuvem de nadas.
Não
por acaso, ela considerava Platão o maior de todos os filósofos e
admirava a metafísica como "guia para a moral", título de uma outra obra
sua, "Metaphysics as a Guide to Morals", metafísica como guia para a
moral, também sem tradução. No Brasil, temos traduzido umas das suas
obras capitais, "A Soberania do Bem", pela editora da Unesp.
Platão
foi o maior porque entendeu que o problema não é a existência de Deus
algum, mas uma vida pautada pelo Bem como necessário. Atos ou
instituições humanas mutáveis não são mais do que nuvens que passam. O
bem, o amor, a generosidade, a humildade, o cuidado, a sinceridade é que
importam.
E
se alguém perguntar "afinal, importam para quê, se somos imperfeitos e
efêmeros?". A rigor, não importam para nada. Por isso mesmo importam
tanto: são um fim em si mesmos. Para Iris Murdoch, mesmo sem Deus, a
necessidade do Bem permanece de pé porque essa necessidade é que nos
mantém de pé.
Como
diz Gabriel Marcel, de todos os existencialistas, aquele que talvez ela
achasse menos niilista, sem a atenção ao mistério, típico ato de nossa
civilização desenraizada, sem vínculos com a inquietação do ser,
"tenderemos todos a nos tornar burocratas". Burocratas do nada.
Postado há 4 hours ago por Orlando Tambosi
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